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1 CRÔNICA: TECENDO CONSIDERAÇÕES

1.3 A CRÔNICA NO BRASIL ENCONTRA UM ESPAÇO

1.3.1 Crônica em livro: isso pode?

A partir da Revolução Industrial e da modernização da capital Rio de Janeiro em 1900, a crônica passa a servir o jornalismo impresso de outra maneira, com características que possibilitariam pensar um novo espaço para a mesma, como diz Moisés (1979, p. 245): “na acepção moderna, porém não a de crônica mundana [..], a crônica entrou a ser empregada no século XIX: liberto de sua condição historicista, o vocábulo passou a revestir sentido estritamente literário”.

A afirmação anterior condiz com o que Coutinho (1986) discute sobre a relação da crônica com as especificações que lhe tornam peculiares no final do século XIX e início do século XX, buscando casar a implicação que os folhetins tinham com as crônicas no jornalismo impresso, distinguindo a crônica da conotação de vocábulo histórico para a consideração de “comentário dos fatos cotidianos”.

Diz o autor:

Crônica e cronista passaram a ser usados com o sentido atualmente generalizado em literatura: é um gênero específico, estritamente ligado ao jornalismo. Ao que

parece, a transformação operou-se no século XIX, não havendo certeza se em Portugal ou no Brasil. [...] O uso da palavra para indicar relato e comentário dos fatos em pequena seção de jornais acabou por estender-se à definição da própria seção e do tipo de literatura que nela se produzia. Assim, crônica passou a significar outra coisa: um gênero literário de prosa, ao qual menos importa o assunto, em geral efêmero, do que as qualidades de estilo, a variedade, a finura e argúcia na apreciação, a graça na análise de fatos miúdos e sem importância, ou na crítica de pessoas. Crônicas são pequenas produções em prosa, com essas características, aparecidas em jornais ou revistas. A princípio no século XIX, chamavam-se as crônicas “folhetins”, estampados nos rodapés dos jornais (COUTINHO, 1986, p. 121).

Não eram as notícias que as crônicas enfocavam no jornalismo impresso primeiramente. Da história passou-se a discorrer sobre acontecimentos sociais próprios à realidade de uma sociedade brasileira contraditória, diversificada e diferenciada (como ainda hoje há), em que as classes se distinguiam cada vez mais e onde a nova “onda literária” que o jornalismo impresso imprimia ao cotidiano ganhava força.

Sendo assim, a relação entre crônica e jornalismo acontece de maneira isolada. Tem-se que no meio impresso a crônica se afirma enquanto gênero e encontra aí um terreno fértil de crescimento e consolidação, convivendo harmoniosamente com a enxurrada de notícias presente no jornal, como sintetiza Coutinho (1986, p. 123):

É mister insistir na relação da crônica e do jornalismo, para se isolar a sua condição de gênero literário. [...] a acepção do vocábulo evoluiu modernamente, designando também, e com mais freqüência, o comentário ligeiro ou a divagação pessoal feita com bom gosto literário, ligada estritamente à idéia da imprensa periódica, pois nela revela.-se o cronista. Tão característica é a intimidade do gênero com seu veículo natural que muitos críticos se recusam a ver na crônica, a respeito da voga de que desfruta, algo durável e permanente, considerando-a uma arte menor. [...] De qualquer modo, aceite-se ou não a permanência da crônica, é certo que ela somente será considerada gênero literário quando apresentar qualidade literária, libertando-se de sua condição circunstancial pelo estilo e pela individualidade do autor (grifo meu).

Aqui se faz necessário pensar o meio de comunicação da crônica, o jornal, como ferramenta de divulgação de novas possibilidades de texto e de idéias. Nas características de hoje, a crônica traz o cotidiano em si, os fatos sociais do dia-a-dia e se alimenta da notícia, sugando os acontecimentos como forma de permanecer no jornalismo impresso e ser parte dele.

Portanto, há uma aproximação entre a notícia e a crônica, numa relação quase ambígua, pois para identificar como se consolidam no cotidiano do autor e do leitor, ressalta Dimas (1974, p. 49), que é necessário:

Transcender o fato denunciado no dia anterior, interpretá-lo dentro de um contexto maior, indicar-lhe as implicações latentes e sintomáticas, vasculhá-lo em sua essência requer liberdade e imaginação descontraída. [...] Diante do cronista, o fato

se desfolha, se desvenda e eventualmente se torna tão ambíguo quanto a linguagem que o moldou.

Superar o jornal impresso e a efemeridade que se tem nele é uma das maneiras da crônica se tornar imortal, como diz Coutinho (1986, p. 136):

A crônica é em sua essência uma forma de arte imaginativa, arte da palavra, a que se liga forte dose de lirismo. É um gênero altamente pessoal, uma reação individual, íntima, ante o espetáculo da vida, coisas e seres. O cronista é um solitário com ânsia de comunicar-se. Para isso, utiliza-se literariamente desse meio vivo, insinuante, ágil, que é a crônica.

As diferenças e aproximações entre a notícia e a crônica se dão através de suas narrativas e formas de expressão no cotidiano do jornal impresso. Enquanto a notícia insiste na importância do assunto, a crônica insiste na desimportância ou no lado revelador do fato. A crônica busca um ponto de vista externo ao jornal, aos fatos, tentando no caso tornar-se imortal e posteriormente ser publicada em livro (COELHO, 2002).

Tornar-se imortal, um dos argumentos da crônica clássica, é tentar superar o limite que há entre o efêmero e o que realmente torna a crônica uma espécie de “diálogo” entre o leitor e o autor da mesma, transformando-a em algo durável e eterno e que capta a essência do cotidiano e o transforma em parte da história.

Dessa maneira, para que se torne imortal e não morra ao amanhecer do dia, muitas crônicas são republicadas em livros, o que faz abrir uma discussão acalorada acerca dessa necessidade que se tem de imprimir as marcas do eterno em um texto que se demonstra efêmero.

Alguns autores, hoje em dia, optam por publicar livros com as variadas crônicas que escreveram ao longo dos anos para os jornais, e, ainda em vida ou de forma póstuma, têm suas crônicas imortalizadas em livros.

Distintamente do que aconteceu no começo do século XX, quando os escritores procuravam os jornais para ter mais notoriedade, hoje buscam os livros para confirmar um sucesso de venda, ou mesmo imortalizar-se.

Devido a essa inversão, alguns autores de crônicas diárias buscam consolidar-se enquanto escritores ao copilarem, subjetivamente, é claro, uma seleção de textos específicos ou que mais lhe agradaram para a publicação em livro.

Há infinitas discussões acerca dessa nova realidade comunicacional, que permite ao autor eternizar-se, mas que, para outros autores, ocorre com a publicação das crônicas em livros é uma “perda da aura” da mesma, se pudéssemos parafrasear Benjamin (1990).

Contudo, as polêmicas são sempre bem-vindas a uma realidade mutável, a qual traduz em seus sentidos as mais variadas formas de discussão.

Em um ensaio sobre a publicação de um livro de crônicas divulgado no jornal O

Estado de São Paulo, Carpinejar (2007) faz uma analogia brilhante acerca da consideração das crônicas presentes no meio impresso, e como as mesmas se solidificam agora em livros:

Nascida para durar um dia, na glória fugaz dos jornais, e na manhã seguinte embrulhar peixes e forrar sapatos, a crônica contrariou o seu destino. A maldição de Alceu Amoroso de Lima de que ela em livro é ‘como um passarinho afogado’ não tem mais efeito. Os passarinhos aprenderam a nadar (CARPINEJAR, 2007, p. 12).

Se em livro ou em jornal, a questão é que a crônica torna-se no jornal impresso um espelho da realidade, ou melhor, uma refração da mesma na medida em que insere característica e opinião próprias ao narrar determinados acontecimentos. Os meios impressos ganham uma nova roupagem com a admissão da crônica em seu cotidiano, reafirmando o papel de meios de comunicação para uma massa social.

A questão é se perguntar em que medida essas crônicas e o próprio jornal podem ser considerados “meios de comunicação de massa” e de que maneira a atinge.

Sendo assim, abriremos espaço para uma discussão importante no jornalismo impresso: a relação da crônica com a comunicação de massa no Brasil. Até que ponto percebemos uma comunicação efetivamente voltada às massas? E o que seria essa massa? Não existe a opinião? É o que verificaremos....