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3 JUNTANDO TUDO: CRÔNICAS E ILUSTRAÇÕES

3.2 ANÁLISE DO QUÊ?

Uma ilustração complementa o texto e faz jus a sua definição, “iluminando” o tecido verbal. Partimos do pressuposto de que a função da ilustração na crônica seria iluminar as idéias centrais do texto com uma única imagem que trabalha as palavras de maneira plástica e visual.

Contudo, pode ser que nos apareça outro texto não verbal a partir do fato que gerou a crônica, como diz Leite (1998, p. 38): “em diversos casos, o texto escrito e o visual aparecem

juntos, e se complementam. Mas existem aqueles em que o divórcio entre os dois é completo. A leitura atenta pode isolá-los, ignorando um e levando em conta apenas o outro”.

Mesmo considerando o fato de que o texto e a imagem podem se divorciar, temo que ambos estão próximos por apresentarem formações discursivas17 que os aproxima em relação ao fato descrito, tanto em uma quanto ou outra linguagem.

Há nessas formações discursivas, interdiscursos que permeiam o interior desta através de outras visões da realidade muitas vezes inerentes ao discurso, mas que nós, em análises não aprofundadas, não percebemos claramente.

Também podemos afirmar que a interpretação da notícia que implicou a crônica, através das entrelinhas, pode inspirar o ilustrador a comentá-la, gerando, assim, não um casamento entre o verbal e o não verbal, mas uma relação de ambos a partir do mesmo assunto, sugerindo dois textos diferentes, mas que estão próximos, no mesmo espaço e pelo mesmo discurso.

É a partir dessa premissa que vamos trabalhar os textos verbais e não verbais, ou melhor, a crônica e a ilustração nesta dissertação de mestrado, tentando chegar a um denominador comum que nos aponte a importância de ambos os textos se relacionarem no mesmo espaço do jornal.

Com a análise tentaremos compreender se a função de ‘ilustrar’ a crônica se adapta ao processo de produção de sentido entre o texto e a imagem. Sendo que há dois textos, podemos verificar como e em que sentido a ilustração se torna outra interpretação da realidade em paralelo à interpretação da crônica.

Tendo em mente que a análise entre o texto e a imagem nos apresenta uma visão diferenciada acerca da relação entre o texto verbal e o texto não verbal, devemos considerar e reavaliar as afirmações acerca das crônicas e das ilustrações no meio impresso.

Precisamos verificar também como hoje ambas estão inseridas no processo de comunicação que se afirma na sociedade e nos questionar sobre alguns pontos centrais: a crônica vem a ser a ficcionalização dos fatos do cotidiano? A ilustração seria outro texto e não uma interpretação da crônica?

17 Formações Discursivas (FD) serão apresentadas aqui através do que considera Brandão (1998). Recebendo

influências de Pêcheux (1975), a autora nos apresenta a afirmação de que qualquer linguagem é balizada pela formação discursiva, definindo o que pode e o que deve ser dito pelo sujeito. Assim, “[...] se reconhece que a FD não é um espaço estrutural fechado, mas é ‘invadida por elementos que vem de outro lugar’ [...]” (PECHEUX, Michel. A análise de discurso: três épocas. In: GADET, F., HAK, T. (Org.) Por uma análise automática do

discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas: Editora da Unicamp, 1990, apud BRANDÃO,

A proposta desta pesquisa é pensarmos as implicações, aproximações e distanciamentos entre os textos verbal e não verbal em um determinado espaço do jornal impresso, como foi explicitado na introdução.

A análise de textos verbais e não verbais requer considerar os efeitos de sentido que possuem no jornalismo impresso, verificando como os mesmos, ou a relação entre ambos, emitem opinião trazendo novas referências aos leitores.

A crônica, por estar no limiar entre o jornalismo e a literatura, provoca inúmeras discussões no campo da pesquisa em comunicação, principalmente na pesquisa em jornalismo. Não necessariamente utiliza fatos do cotidiano para ser elaborada, mas o cotidiano é uma das matérias primas para que a crônica seja produzida, como nos afirma Neves (1992, p. 76): “o objeto da crônica, sua matéria-prima, é o cotidiano construído pelo cronista através da seleção que o leva a registrar alguns aspectos e eventos e abandonar outros”.

Sendo assim, perceber que há um espaço no jornal O Estado de S. Paulo apenas para a publicação de crônicas, já faz com que tenhamos atenção para uma preocupação do jornal em analisar os fatos de maneira subjetiva, dado que a crônica se apresenta como uma reinterpretação, ou uma possibilidade de falar do cotidiano com certa “liberdade” de escrita. Soma-se a isso o fato das crônicas do Estadão estarem permeadas por imagens e ilustrações que singularizam, ou não, aspectos do texto, podendo, entretanto, tornarem-se outros textos.

Por termos a ilustração feita por Cido Gonçalves em torno do texto, verificamos outra visão sobre a crônica, subjetivamente, pelo não verbal. E, a partir daí, fica o questionamento: será mesmo que a ilustração interpreta a crônica ou interpreta o fato que deu origem à crônica? É o que verificaremos no decorrer da análise.

3.2.1 O que nós nos propomos a pesquisar?

O corpus dessa dissertação se relaciona a quatro crônicas e ilustrações publicadas entre 2006 e 2007 no jornal O Estado de S. Paulo. São elas: Brasileiro tem de assumir a

própria lepra (21/08/2007), A pizza está na cara (11/04/2006), Este governo desmoralizou o

escândalo (16/5/2006) e João Cabral nos mostra o Brasil em negativo (28/08/2007).

Optamos por fazer essa escolha no sentido de entender como as crônicas de Arnaldo Jabor se caracterizam enquanto texto de opinião e como a relação com a ilustração possibilita a produção de sentido.

Para abarcar melhor a análise, trabalharemos um método que privilegie desenvolver as averiguações, contextualizando as aproximações e distanciamentos entre as crônicas e

ilustrações no próprio corpo do texto, considerando as discussões e argumentações feitas anteriormente através das afirmações de teóricos do texto e da imagem. Propomos-nos a analisar as crônicas de Arnaldo Jabor e ilustrações singularizadas nas mesmas a partir de uma metodologia que privilegie a compreensão do verbal e do não verbal no jornalismo impresso diário.

A partir de um exercício “do ver e do ler” criticamente as imagens e textos e da compreensão da linguagem da comunicação enquanto processo social, enfocaremos a desconstrução de ambas para uma análise mais aprofundada da pesquisa.

A partir do ponto de vista da teoria crítica e com técnicas que permitam desmontar o texto e a imagem, a metodologia que pretendemos desenvolver se fecha na análise de discurso e na análise de imagem através do apoio de autores como Bakhtin (1981) e suas afirmações sobre o discurso polifônico e carnavalizado; Brandão (1998) com seu excelente respaldo teórico acerca da análise do discurso e Joly (1996), que nos apresenta um panorama de análise da imagem permeado pela óptica da desconstrução da mesma, conferindo maior legibilidade ao discurso da análise.

Contudo, não enfocaremos a semiótica e a semiologia, apesar de nos referirmos a autores que delas fazem uso, pois não nos adaptarmos a essa forma de análise. Utilizaremos conceitos de discursos e imagem ao fazer uma leitura crítica para analisarmos o corpus a que nos propomos e contribuirmos, em parte, com a pesquisa em comunicação social.