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1 CRÔNICA: TECENDO CONSIDERAÇÕES

1.3 A CRÔNICA NO BRASIL ENCONTRA UM ESPAÇO

1.3.3 O Caderno 2 do Estadão

Os jornais impressos desenvolvem-se na era da indústria cultural não apenas para informar o leitor, mas visando um público alvo. Antes, apenas os problemas da corte interessavam para a sociedade, tanto é que o jornal era considerado de leitura nobre. Depois, visando a um maior lucro, o jornal abre espaço para os problemas e contradições de uma sociedade que também deveria consumir a si e ao jornal, num processo dialético de compra e venda.

Paraense (2001) descreve a “naturalização” do jornal, ou melhor, o seu surgimento, não pela luta de classe, mas pelo processo de “aburguesamento” e pela “subjetivação” pelo

qual passava o mundo em determinado período da história, nascendo daí o formato de crônica que temos hoje:

a modernidade, organizada segundo os valores do individualismo burguês, cria o jornal, onde indivíduos falam de acontecimentos e de si mesmos, numa práxis individualista e subjetiva. No século XIX, a ideologia burguesa dá espaço para que os acontecimentos da semana sejam estampados nesse veículo democrático, que fala da história concebida pela democracia e banalizada pelas massas, e a imprensa periódica cria uma coluna de variedades que, já no início do século XX, apresentará o formato de crônica tal como a reconhecemos (PARAENSE, 2001, p. 127).

Considerando a modernidade que se instalava no Brasil e no mundo, a demanda e a desmassificação da sociedade, o jornalismo impresso abre novas seções e diferentes cadernos para atender a uma população que passa a se ver no veículo impresso e que exige cada vez mais das novas tecnologias e da criatividade do jornalista, do escritor, do fotógrafo e do ilustrador. Há, nesse sentido, o aumento do número de jornais impressos e a concorrência exercida entre os mesmos. E em se tratando de um jornal como O Estado de S. Paulo, há mais de 100 anos de transformações sociais inseridas em suas páginas.

Em 1875, quando é fundado, chama-se A Província de São Paulo e é dirigido por Francisco Rangel Pestana e Américo de Campos. Mais tarde, com a proclamação da República, o jornal passa a ser nomeado O Estado de S. Paulo e em 1891, Júlio Mesquita torna-se diretor.

A relação com a literatura e as novas formas de comunicação ganha espaço em um jornal que avançava tecnologicamente mais a cada ano, buscando aprimorar-se em meio aos fatos que aconteciam no país e a enxurrada industrial que permeava os veículos de comunicação.

Pelo jornal O Estado de S. Paulo, escritores como Monteiro Lobato (1882-1948) e Euclides da Cunha (1866–1909) firmaram seu nome na literatura brasileira e contribuíram para uma visão mais crítica da sociedade através de textos opinativos e reportagens literárias.

Sobre a importância de Euclides da Cunha em O Estado de S. Paulo, Fabbri (2002, p. 68) afirma que:

Júlio Mesquita seria o diretor de O Estado de S. Paulo em 1891, substituindo Rangel Pestana, que havia sido eleito para o Senado da República. Por volta de 1896 o jornal atingiria uma tiragem de três mil exemplares. Num ato inédito, enviou um correspondente para cobrir a revolta de Canudos no Sertão da Bahia. O correspondente era Euclides da Cunha. Dos seus relatos sobre aquela guerra nasceria um dos maiores clássicos da literatura brasileira: ‘Os Sertões’.

A participação dos escritores literários ampliou o meio impresso como um espaço aberto a novas possibilidades de leitura e também ao desenvolvimento cultural. Euclides da Cunha (1866–1909) foi um dos escritores que soube casar a literatura com o jornalismo, trazendo para o meio impresso novas formas textuais e a possibilidade de ousar na escrita.

Várias empresas de informação do Estadão surgem ao longo dos anos com o desenvolvimento do jornal: a Rádio Eldorado em 1958, o Jornal da Tarde em 1965, a Agência Estado em 1970 e a gráfica do Estadão em 1988. Todos esses órgãos são ligados ao Grupo Estado e se modernizaram no decorrer do século XX.

A industrialização permitiu a ampliação do conteúdo do jornal pelas novas tecnologias, situando diferentes possibilidades de atração para o leitor. Assim, com a modernização do jornal, novos cadernos de informação surgem e neles conteúdos distintos para cada leitor.

O Caderno 2, no qual estão as crônicas e ilustrações as quais nos referimos nessa pesquisa, surgiu no final dos anos 1980.

Esse suplemento diário foi um dos mais lidos do jornal, numa demonstração de que os leitores, até mesmo por causa do longo período de crise vivido pelo país, cada vez mais procuravam refúgio em reportagens que lhes proporcionavam lazer e cultura (CHAMAN, 2005, p. 54).

Do final dos anos 1980 até os dias de hoje, o Caderno 2 passou ainda por mais duas reformulações no que diz respeito ao seu aspecto gráfico visando uma melhora significativa em relação ao que propõe o jornal e ao que os leitores desejam ver estampado em suas páginas.

Como diz ainda Chaman (2005, p. 55):

[...] em julho de 1993, é lançado o novo Caderno 2. A reforma visual apoiou-se muito na opinião dos leitores. As sugestões foram de grande valia, por exemplo, para o redesenho da página dos quadrinhos, horóscopo e palavras cruzadas. Na época, uma das sugestões mais freqüentes dos leitores dizia respeito à localização das colunas. Eles gostavam de encontrar seus colunistas preferidos, sempre no mesmo lugar. Para atender a essa solicitação, o Caderno 2 criou um espaço fixo para seus cronistas e articulistas.

A importância da questão histórica do desenvolvimento do Caderno 2 acontece na medida em que se percebe a necessidade de contextualizar como se firmou essa empresa jornalística no Brasil e como o jornal utiliza as inovações tecnológicas para informar melhor a sociedade, e também, inegavelmente, vender informações.

A história anterior ao surgimento do Caderno 2 nos mostrava uma sociedade que devia ser regida pelo signo do progresso e da ordem. Ao estabelecer a possibilidade de romper com

as barreiras da objetividade e do enquadramento social, o Caderno 2 vislumbra também a arte como forma não só de entretenimento, mas também de afirmação e informação. A liberdade dos cronistas está presente na publicação de opiniões diversificadas sobre vários aspectos sociais, o que vem ao encontro da proposta dessa pesquisa em analisar a relação que o texto e a imagem possuem nesse espaço do jornal.

Dessa maneira, enfocando os aspectos teóricos e históricos do meio em que as crônicas e ilustrações estão, há a possibilidade de se analisar o conteúdo e a relação de ambas através do discurso presente tanto no texto quanto na imagem. Diz Barthes (1982) que isso ocorre ao se esgotar a percepção de um e de outro, e assim teremos a possibilidade de estabelecer relação entre ambos.

Analisar a relação entre os textos verbais e não verbais contribuirá para um maior esclarecimento e fixação dos mesmos no meio impresso, situando também as distintas linguagens que o jornalismo utiliza.

Assim, estudar a ilustração e seus processos de interpretação do mundo faz-se necessário, considerando as possibilidades de compreender o casamento entre o verbal e o não verbal e os aspectos que complementam a ilustração em torno do texto.

Através de diferentes vozes inseridas no discurso do texto e da imagem, poderemos verificar o conceito de carnavalização e polifonia atribuídos a Bakhtin (1981), nos dando margem para entendermos o processo de produção de sentido do texto e da imagem no mesmo espaço do jornal impresso.

Para isso, estudar o que é a ilustração e suas variadas linguagens de comunicação ampliará o nosso conhecimento para uma análise mais aprofundada entre a relação da crônica com a ilustração a qual nos propomos.

É o que verificaremos no próximo capítulo.