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CAPÍTULO 1 – A INTRODUÇÃO DO DOGMA DA NULIDADE DA LE

1.5 A ressalva das situações a priori desconectadas do dogma da nulidade

Antes, porém, de adentrarmos no exame da temática da limitação dos efeitos retro-operantes decorrentes das decisões positivas de inconstitucionalidade no Brasil e em Portugal, faz-se mister ressalvar o reconhecimento da doutrina mais recente acerca da existência de situações ab initio desconectadas da teoria da nulidade (assim como da por nós aceita sanção da privação de eficácia no controle concreto), as quais não serão objeto de aprofundamento na presente obra.

Nesta toada, vários doutrinadores têm observado mais recentemente que a ideia de nulidade da lei inconstitucional não poderá ser aplicada quando se demonstrar ab initio inidônea para sanear específicos vícios de inconstitucionalidade, como aqueles verificados nas situações de (i) omissão inconstitucional e na denominada (ii) exclusão de benefício incompatível com o princípio da isonomia e outras ofensas ao princípio da igualdade122.

Com efeito, é mister reconhecer que as relações intersubjetivas e o próprio Direito foram se complexificando desde o surgimento do dogma da nulidade, de tal molde que passaram a surgir situações absolutamente desconectadas da forma axiomática em que vertida a eficácia retro-operante da decisão de inconstitucionalidade, como se observou, por exemplo, na denominada tutela das omissões inconstitucionais, na qual a decretação da pecha de malferimento à Constituição não mais se contentava com a decretação de uma ineficácia retro-operante, exigindo sim uma correição pro futuro, uma prestação positiva com vistas a se superar o vício de inconstitucionalidade.

Fruto do paradigma do Estado Social de Direito, a atuação positiva do Estado passou ao nível de imposição constitucional nas mais diversas partes do Planeta, ao lado da antiga atuação negativa observável no período de L’État Gendarme e de seu paradigma liberal.

Nestes termos, a inércia estatal, principalmente relacionada a uma situação de silêncio legislativo, igualmente passou a manifestar situações de inconstitucionalidade, agora por omissão. Não obstante, como bem aponta o Professor Luís Roberto Barroso, nem todo silêncio legislativo redundará numa omissão inconstitucional. Esta somente se verificará “com o descumprimento de um mandamento constitucional no sentido de que atue positivamente,

122 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle abstrato de constitucionalidade: ADI, ADC e ADO: comentários à

criando uma norma legal”123, hipótese, por exemplo, verificada com as normas constitucionais de eficácia limitada.

Neste diapasão, ao exigir não a desconstituição de efeitos pretéritos da lei inconstitucional, mas sim a atuação positiva do estado com vistas a se corrigir a situação de contraveniência à Carta Política, as novas exigências constitucionais passaram a revelar fragilidades na antiga doutrina da eficácia retroativa, exigindo a possibilidade de afastamento apriorístico da clássica teoria da nulidade em algumas hipóteses.

No caso de omissão legislativa absoluta, não se pode, por exemplo, conceber quaisquer normas a serem suprimidas da ordem jurídica. Verifica-se, em verdade, uma situação de lacuna normativa contrária à Lei Maior124.

Além da omissão inconstitucional total, também se mostra ab initio desconectada do denominado dogma da nulidade da lei inconstitucional a exclusão de benefício incompatível com o princípio da isonomia e outras ofensas ao princípio da igualdade.

Verifica-se a denominada exclusão de benefício incompatível com o princípio da isonomia, a qual costuma ser enquadrada sob a rubrica das denominadas omissões parciais, quando um ato normativo concede determinadas vantagens a um dado grupo ou segmento de destinatários, sem incluir outros que, em tese, ostentariam idênticas condições de usufruir das benesses concedidas125. Tal exclusão pode se verificar mediante a concessão de benefícios tão-somente a um determinado grupo (exclusão concludente) ou quando o próprio ato normativo, ao passo que conceda o benefício a determinados destinatários, exclua determinados segmentos de sua fruição (exclusão explícita)126.

Tal qual observa Gilmar Ferreira Mendes, desconsiderados os casos em que a exclusão seja decorrente de uma inequívoca exigência constitucional, “a lesão ao princípio da isonomia pode ser afastada de diversas maneiras: pela supressão do próprio benefício; pela inclusão dos grupos eventualmente discriminados ou até mediante a edição de uma nova

123 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática

da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 33.

124 SARMENTO, Daniel. A eficácia temporal das decisões no controle de constitucionalidade. In: SARMENTO,

Daniel (Org). O controle de constitucionalidade e a Lei no 9.868 de 1999. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2002, p. 117.

125 Clássico exemplo desta questão foi enfrentado pelo STF nos autos da apreciação de medida cautelar na ADI 526,

intentada contra Medida Provisória que concedia aumento remuneratório a grande parte do funcionalismo público. Avulta o interesse pelo voto do Ministro Sepúlveda Pertence, o qual expôs o grave problema enfrentado pela Excelsa Corte quando da apreciação de ações daquele jaez, na qual a suspensão cautelar da eficácia da medida provisória implicaria prejudicar “o aumento de vencimentos da parcela mais numerosa do funcionalismo civil e militar, sem que daí resultasse benefício algum para os excluídos do seu alcance”.

126 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle abstrato de constitucionalidade: ADI, ADC e ADO: comentários à

regra, que condicione a outorga de benefícios à observância de determinados requisitos decorrentes do princípio da igualdade”127.

Em casos como os acima expostos, observa-se de antemão a inadequação da tradicional invalidação cassatória do ato normativo que concedeu o benefício, porquanto tal providência suprimiria o próprio fundamento no qual se embasa a pretensão daquele que arguiu a inconstitucionalidade, não se atingindo os objetivos pretendidos ou suprimindo-se “algo mais do que a ofensa constitucional pretende eliminar”128, de molde a agravar-se a situação de inconstitucionalidade129.

Bem se observa que em ambas as hipóteses mencionadas verifica-se uma incompatibilidade a priori com a ideia de nulidade retro-operante da lei inconstitucional ou até da privação de eficácia no controle concreto, razão pela qual não serão objeto das considerações tecidas no vertente trabalho.

Dedicar-nos-emos, pois, a partir do presente momento, a estudar a possível existência de uma alternativa à invalidação retro-operante propugnada pela sanção da nulidade no controle de constitucionalidade in abstracto ou da sanção da privação de eficácia na fiscalização in concreto desenvolvidas no Brasil, a partir de um diálogo com a doutrina produzida em Portugal sobre o tema. Colhamos, inicialmente, os principais subsídios doutrinários hauridos no citado País ibérico.

127 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle abstrato de constitucionalidade: ADI, ADC e ADO: comentários à

Lei no 9.868/99. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 592. 128 Ibid., p. 593-594.

129 SARMENTO, Daniel. A eficácia temporal das decisões no controle de constitucionalidade. In: SARMENTO,

Daniel (Org). O controle de constitucionalidade e a Lei no 9.868 de 1999. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

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