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A IMPRENSA PROTESTANTE NOS ÚLTIMOS 14 ANOS DA REPÚBLICA VELHA

3.1. A retórica do medo da revisão constitucional (1914-1918)

O governo de Wenc eslau Brás (1914-1918), ex-governador de Minas Gerais, coincidiu com a Primeira Guerra Mundial, que provocou a queda das exportações do café, mas, em compensação, alavancou um pequeno surto industrial. Houve brigas pelo poder em vários estados, como Rio de Janeiro, Espírito Santo, Alagoas e Piauí. Wenceslau enfrentou ainda greves em todo o país, a seca arrasadora de 1915, no Nordeste, e a gripe espanhola, que matou 18 mil pessoas na Capital Federal. O acompanhamento que a imprensa protestante faz das questões nacionais demonstra, ainda, o estado de espírito reinante nas demais esferas da sociedade brasileira. Na última edição do ano de 1913, quando o editor, Eduardo Carlos Pereira fazia os votos de Natal e Ano Bom aos assinantes, a coluna “Apontamentos” fazia críticas à situação política econômica do Brasil:

A liberdade não é somente o effeito de um engrandecimento político; é sobretudo o resultado de um engrandecimento moral, o fructo de energia da independência, na liberdade de acções individuaes.(...) Para que um regimen liberal o seja verdadeiramente, não só em nome, mas principalmente na practica, faz-se necessário que o povo que o adopta esteja, pelo seu engrandecimento moral, na altura de practicalo. (OE: 13.12.1913, p. 2)

Não há dúvidas de que o alvo, nessa primeira parte do artigo é o próprio povo brasileiro e sua frouxidão moral, o que, de certa forma era natural, visto que, vários textos do período apontam para a inferioridade do povo brasileiro como a causa do seu atraso político e econômico. Todavia, a coluna prossegue, apontando agora para as causas mais complexas dessa situação, e comenta o discurso na Câmara Federal, do deputado Carlos Maximiano:

O brasileiro tem orgulho em ser perdulário. É muito commum ver um brasileiro com a maior satisfação dizer: esses campos foram de minha família. Já fui dono daquela casa. Diz estas cousas um quase mendigo, mas com a satisfacção enorme de já ter possuído centenas de contos que esbanjou! Como administradores fazemos a mesma cousa. Lembra o orador o extraordinário successo que causou em 1889 a demonstração brilhantissima do Sr. Ruy Barbosa de que a monarquia estava perdida, porque a divida do Brasil subira a

um milhão de contos de réis! O orador fez agora calculo para ver se o Brasil creou ou não juízo com a Republica e verificou que a divida da União é de 3 milhões e 463 mil contos, que os Estados devem quase um milhão, e que entre a União e os Estados há portanto uma divida de mais de 4 milhões de contos! Nessa cifra, não estão incluídas as dividas das munic ipalidades, porque ellas não podem ser conhecidas. A medida que as nossas rendas cresciam. Augmentavam suas despesas. O orador está convencido que as finanças, como tudo o mais, estão sujeitos ao brocardo verdadeiro:-A natureza se vinga daquelles que viola m suas leis.(OE: 13.12.1913, p. 2)

Parece que cada vez se tornava mais evidente a preocupação da imprensa em apontar os problemas da República. Porém, nesse momento ela o faz, procurando manter certo distanciamento da realidade, quase que impessoal. Não há identificação de responsáveis pela situação do país.

Em janeiro de 1914, o jornal O Estandarte apresenta em resumo o programa dos candidatos à presidência e vice-presidência da República pelo Partido Liberal, Ruy Barbosa e Alfredo Ellis. Segundo informações do próprio jornal, os candidatos supracitados haviam desistido do pleito, pelo que o articulista lamenta não ocorrer nesta ocasião a “lucta eleitoral, sempre salutar, quando menos para a educação do povo no exercício de um de seus mais importantes direitos”. A coluna Apontamentos vai se tornando uma espécie de editorial, desenhando assim o posicionamento político deste jornal. O subscritor destas matérias assina simplesmente com a letra C. Sobre o episódio da renúncia presidencial, comenta:

Ss. excias. pintam com as mais negras cores a situação do paiz, que sendo inteiramente diversa da que tinha ante os olhos a grande Convenção Nacional de 26 de julho, já não poderiam ss. excias. Aceitar uma candidatura á Presidência da Republica senão por um movimento geral da opinião no paiz, que lhes impuzesse, como dever irrecusável, um sacrifício mais penoso, em circumstancias tão aflictivas, do que, talvez, o da própria vida. De outro modo só procederão os que não tiverem consciência, ou os que do seu valor pessoal a tenham no grau da presumpção e da vaidade.

Não estando ss. excias. nem num nem no outro caso, não podem, não devem, e, não devendo, não querem concorrer, em uma eleição disputada, á liquidação de um governo fallido, ás responsabilidades, quase invencíveis, de uma administração em bancarrota fraudulenta. (...) Ao nosso ver, a situação do paiz, que todos lamentamos, em vez de auctorizar a renuncia dos emeritos candidatos liberaes, deveria ser um motivo para com mais ardor impellil-os á lucta, visto que fallam em nome do patriotismo e se julgam aptos para bem servir a pátria na curul de seu supremo magistrado. Assim não entendem ss. excias. e só nos resta lamentar a sua resolução e...votar no candidato conservador.C. (OE: 29.01.1914, p. 1 e 2)

Os jornais que já se declararam como “estranho á toda e qualquer ingerencia em politica” (IE: 05/12/1864) ou que a sua “missão sagrada é athender ao lado moral da

cousas e annunciar á grande família brazileira Nosso Senhor Jesus Christo” (OE: 07.10.1893), e ainda “ a evangelização, necessidade de instruir e a propagação de cujas verdades fervorosamente vae se dedicar” (JB: 06.01.1901, p. 1), agora discordam da decisão dos candidatos liberais em renunciar à disputa eleitoral. Nesse texto, o articulista “C” lamenta só restar o voto num conservador. O programa do Partido Conservador já havia sido bastante elogiado em edições anteriores do jornal por Nicolau Soares do Couto Esher, o principal porta-voz dos evangélicos em questões políticas. Esher agora assina como Lauresto, anagrama do seu nome. A aparição desse partido fora efusivamente comemorada na edição de dezembro de 1910:

Partido Republicano Conservador -Está-se organizando um partido que com este título, tem por objecto manter e defender a nossa actual Constituição, tal como se acha, combatendo-se qualquer idéia de revisão. Desde muitos annos que venho combatendo pela imprensa evangélica contra a possibilidade de uma revisão na nossa Constituição, mostrando o perigo que adviria para nós evangélicos, sí um tal facto aparecesse. (...) Graças a Deus, porém, que surge em tempo opportuno, este grande Partido republicano Conservador.Lauresto. (OE: 01.12.1910, p. 2)

Funcionando como uma espécie de crítico de seu próprio artigo editado na edição anterior sobre a criação do Partido Republicano Conservador, o mesmo articulista, pergunta:

Será mesmo caso de se dar graças a Deus? –Acho que sim. E tanto mais agora, que corre estar-se organizando um outro grande partido revisionista, composto de todos os elementos adversos ao governo – uma grande união entre civilistas de todo o genero, clericaes de todas as especies, e mais politicos de todos os matizes! Lauresto. (OE: 08.12.1910, p. 4)

De fato, na primeira fase da República no Brasil, o grande embate se deu entre esses dois partidos políticos, o Liberal e o Conservador, que contudo, não tinham uma configuração em âmbito nacional, e acompanhavam ainda a lógica da política realizada nos grandes estados da federação, tanto que os mais evidentes partidos conservadores foram o Partido Republicano Paulista (PRP) e o Partido Republicano Mineiro (PRM). Desse modo, a defesa do novo partido republicano que faz Esher é do ponto de vista paulista e, principalmente, em acordo com seus interesses políticos partidários, visto que Esher, em 1921 foi candidato a senador. Como informa Esher, sobre a Câmara Municipal de Osasco (OJB: 08.11.1923, p. 5): Apresentaram-se candidatos extra-chapa, para senador, o Sr. Dr. Nicolau Soares do Couto Esher, e, deputados pelo 1° Distrito os Srs. Drs. Rubião Meira e Dr. Amaral Carvalho. A coluna “Apontamentos” ainda transcreve um artigo extraído de O Botucatuense, o qual faz referência à democracia e à

mediocracia, que seria o reverso daquela. Afirma ainda, que “estabelece-se a

Mediocracia pela ausência dos homens provados e sérios, que fogem da política”, acrescentando ainda: “é o nosso caso”, numa clara expressão condenatória ao ato de Ruy Barbosa e Alfredo Ellis.

Um outro evento aglutinador do discurso evangélico foi a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) A esse respeito, encontramos em O Estandarte, apenas dois textos: “Paz e desarmamento” (21/05/1914) e “Boletim Semanal da Guerra”

(10/09/1914), este último, extraído do jornal O Estado de S.Paulo, sem ter uma

continuidade como o título sugere. Sendo um boletim semanal, entende-se que toda semana sairia uma edição, o que não aconteceu, o único boletim publicado refere-se à semana de 24 a 30 de agosto. O referido boletim discorre sobre desarmamento:

Europa inteira pede, em altas vozes, a paz, o desarmamento. Entretanto arma- se! Pede a paz e arma-se! Todavia é sincera. É sincera, porque de facto deseja a paz. A paz é o que mais lhe convem. Da paz depende o seu bem estar e o seu progresso. E o que ella hoje mais teme é a guerra.Esta lhe seria grandemente prejudicial, desastrosa. Por isto quer e pede a paz. Todavia arma-se. Arma-se porque não confia. A atmosphera é de desconfianças. As nações que se dizem irmãs, conspiram umas contra as outras, Há entre todas muita ambição e nenhuma confiança. Tal qual entre os homens que as compõem. Querem e pedem o desarmamento; mas nenhuma tem coragem de dar o exemplo. Falta- lhes a confiança. A Europa pede a paz, e, para mantel-a, arma-se. Pede o desarmamento, mas, para impor a paz, arma-se. É que a guerra é uma das conseqüências do peccado. É filha da ambição. Sympathizamos com todo esforço em favor da paz. É de paz a nossa missão. Somos christãos. O Príncipe da paz é nosso Mestre. Em falta doutra applaudimos mesmo a paz armada. Como a Europa, pedimos o desarmamento, mas como ella, reconhecemos forçados, que o armamento ainda é condição de paz. Não dominam ainda os princípios evangélicos. Christo não reina ainda nos corações. Quando isto se der, teremos o que a Europa pede –a paz desarmada. É esta uma bella aspiração, um sublime ideal. Oremos, os que desejamos ver realizado: “Venha o teu reino”.(OE: 25.01.1914, p. 2)

E, ao que tudo indica, se forem consideradas apenas as notas impressas nos jornais, os protestantes limitaram-se a orar, porque nada mais foi dito, exceção ao

Jornal Batista, que publica sobre o início desavenças diplomáticas entre Argentina e

Estados Unidos, em que o presidente argentino faz um apelo à Liga das Nações, intercedendo pela paz no mundo. Diz o presidente Hipólito de Irigoyen (1852-1933), que governou a Argentina em duas oportunidades (1916-1922 e 1928-1930), em texto comentado pelo jornal: “É verdade que surgiram pequenas divergencias em certas questões, entre os Estados Unidos e a Argentina, mas, o meu paiz sympathiza-se com a família de Wilson”. A opinião do jornal é de que a Liga das Nações deveria intervir,

“afim de podermos resolver satisfactoriamente todos os problemas universais”, e que “a Republica Argentina acredita que só a Liga das Nações poderá conseguir a paz no mundo” (OJB: 13.01.1920, p. 2). O ano de 1916 retoma a discussão sobre a possibilidade de revisão constitucional e, por isso, novamente os jornais entram em campanha. O Estandarte (27.01.1916, p. 1) publica trecho de O Combate, sem data, para corroborar sua constatação de que nem todas as vozes republicanas emudeceram diante de tal fato: “a opinião republicana começa a se mover, chamando a postos, pela voz de seus orgams mais legítimos, as verdadeiras convicções para formarem em defesa da Magna Carta”. Ainda, de acordo com O Combate, afirma que “é licito suppor que a futura constituinte não terá melhor auctoridade do que as legislaturas atuaes, na qual tem assento patifes como nunca assomaram á vida publica no Brasil”. Trabalhando com os conceitos de mudança e permanência, é possível afirmar que, para o período seguinte (1918-1919), permanece o medo de perder a liberdade, e o fato novo é que a imprensa protestante convoca os atores para a defesa da liberdade e da democracia.