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O DISCURSO DOS EVANGÉLICOS E A IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA NO BRASIL SONHOS, DESAFIOS E

2.1. Uma imprensa vigilante

O Congresso Constituinte eleito toma posse e inicia seus trabalhos em 15 de novembro de 1890, redige as leis e, em 24 de fevereiro de 1891, o país tem sua primeira Constituição da era republicana. Os principais pontos desta Constituição, que foi inspirada na Carta Constitucional dos Estados Unidos, são: república federativa como regime político, separação entre Igreja e Estado, instituição do casamento civil e o direito de voto universal. Entenda-se por universal, os cidadãos, alfabetizados, maiores de 21 anos e naturalmente, do sexo masculino. De qualquer modo, para a imprensa isto não era problema. O Brasil estava agora inserido no rol das nações adiantadas, e a imprensa entendia que era seu papel colaborar na divulgação dessa nova realidade.

O Imprensa Evangélica transcreveu um documento de congratulações pela proclamação da República feito pelo Congresso dos Estados Unidos, tão logo ele foi recebido e tornado público. Dar notícia de um fato como este demonstra sintonia com os novos tempos, ao mesmo tempo em que legitima a ligação com um país protestante, tido como modelo de democracia:

Congratulação norte-americana – No dia 17 do corrente mez foi apresentada ao Congresso constituinte uma resolução congratulatoria adoptada pelo Congresso norte-americano com referencia ás cousas do Brazil, e mais outro documento, tudo segundo consta da parte do Expediente infra, que transcrevemos do Jornal do Commercio do dia 18(...) Estimamos muito ver que se estreitam cada vez mais os laços de amizade que prendem os dois maiores povos do continente

americano e esperamos que dahi nasçam vantagens recíprocas para os suditos das duas republicas.(IE: 24.01.1891, p. 3)

A expressão “estreitamento de laços e vantagens recíprocas” explica toda a intenção do texto. Esse era o espírito dos articulistas da imprensa protestante. O Expositor antecipa-se à eleição e publica:

Primeiro Presidente. Falla -se nos círculos políticos desta Capital, que por toda essa semana será eleito e inaugurado o primeiro presidente da florescente Republica dos Estados Unidos do Brazil. Cumpre-nos portanto, como christãos, pedir que Deus mesmo escolha a pessoa mais apta aos seus olhos e que possa julgar segundo a recta justiça e temor de Deus.(EC: 21.02.1891, p. 3)

Em 25 de fevereiro de 1891, Deodoro é eleito presidente do Brasil pelo colégio eleitoral, formado por senadores e deputados federais.No mesmo dia, Floriano Peixoto foi eleito, também pelo Colégio eleitoral, vice-presidente da república, terminando, assim, o Governo Provisório. Um pouco antes, em janeiro do mesmo ano, todo o seu ministério havia-se demitido, permitindo a Deodoro formar um novo ministério. O período que vai de 1889 a 1894 ficou conhecido como “República da Espada”, em virtude da condição militar dos dois primeiros presidentes do Brasil, eleitos pela via indireta pelo Congresso Nacional. Esse Congresso promove a eleição indireta dos dois marechais, Deodoro e Floriano como presidente e vice-presidente da República . Na coluna “Variedades”, o jornal Imprensa Evangélica informa assim a esta eleição:

Constituição e Presidente – No dia 23 foi definitivamente adoptada e no dia 24 promulgado pelo Congresso constituinte a Constituição do Brazil; e no dia 25 foram eleitos o general Deodoro como presidente, por 129 votos contra 102, dos quaes recebeu 97, o Dr. Prudente de Moraes, e o general Floriano Peixoto como vice presidente, por 153 votos, acabando assim a dictadura e entrando o nosso governo no regimen legal.(IE: 28.02.1891, p. 70)

A vigilância sobre o novo governo está expressa num artigo sobre as continências militares e sobre qualquer ato do novo governo que pudesse ser interpretado como um retrocesso nas leis civis. Casos de subvenção financeira a eventos religiosos celebrados por padres católicos, deslocamento da força policial nacional para dar cobertura a festas religiosas, entre outras possibilidades, eram sempre duramente combatidos pela imprensa protestante. É o que se pode observar no artigo seguinte:

As Continencias – Parece que o governo reconheceu que a opposição levantada contra a tabela de contingências publicada há algum tempo no Diario Official, era bem fundada, e vemos pelo O Paiz, de 4 deste mez, que o presidente da Republica, no intuito de regular as continências estabelecidas pelas leis e ordens existentes, resolveu por decreto de 2 deste mez, approvar uma tabela inteiramente diversa da anterior, e em que não se diz palavra sobre continências

devidas ás imagens dos santos, ao viatico, ao santo lenho, ás procissões e outras cousas semelhantes. Felicitamos o Governo pela emenda que fez, e que não podia deixar de fazer sem falsificar inteiramente a doutrina constitucional da separação completa entre o Estado e a igreja. (IE: 18.04.1891, p. 123)

Como bons cidadãos, os protestantes entendem que devem prestar reverência aos símbolos da Pátria, mas não admitem a possibilidade de que o Exército tenha de se curvar diante das procissões, imagens de santos ou mesmo da cruz. No penúltimo ano de circulação, o jornal Imprensa Evangélica noticia a morte de D. Pedro de Alcântara, ocorrida em Paris, a 5 de dezembro de 1891: “nós, como brazileiros, registramos com pesar o fallecimento do compatriota illustre”. (IE: 12.12.1891, p. 392).

Voltando aos episódios republicanos, devemos lembrar que, no entanto, houve atritos com o próprio Congresso que levaram Deodoro à renúncia. Intenta-se um golpe de Estado e, finalmente, Floriano Peixoto assume a chefia do Estado, (23/11/1891 a 15/11/1894), entrando para a história como o “Marechal de Ferro”. A crise intensifica- se, com a Revolução Federalista no Rio Grande do Sul, tendo reflexos no Paraná e Santa Catarina. A Revolta Federalista foi um movimento iniciado no Rio Grande do Sul, em 1893, chefiado por Gume rcindo Saraiva, contra o presidente do seu Estado, Julio de Castilhos , e reeditou uma tensão entre os chefes locais, que já havia no Rio Grande do Sul desde os tempos do Império. Emilia Viotti da Costa, (1998) dá-nos um importante panorama destes episódios no Sul e que se espalharam depois pelo Paraná e Santa Catarina. Os reflexos dessa oposição chegam a São Paulo provocando a reação de Bernardino de Campos, que além de defender os interesses republicanos, ainda envia uma tropa paulista para enfrentar os federalistas na cidade da Lapa, no Paraná. Houve muitos combates entre os anos de 1893 e 1895, saindo vitoriosas as tropas que defendiam o governador, conhecidas também como “pica-paus”. Os oponentes, “os maragatos”, seguiam as instruções de Gaspar Silveira Martins, que pretendia revisão na Constituição e implantação do sistema parlamentarista. Destaca-se neste conjunto de enfrentamentos o combate de junho de 1895, no Campo de Osório, quando o almirante Saldanha da Gama, com apenas 400 soldados, lutou até a morte para defender as forças legalistas. O presidente da República, Prudente de Moraes (1894-1898), consegue finalmente restabelecer a paz através do General Queiroz Galvão (John Schultz, 1978). Mesmo sem querer fazer ou participar de guerras e conflitos, os protestantes se alistaram nas fileiras republicanas com convicção, e se não pegavam em armas, seu discurso dava sustentação ideológica para quem o fazia. A imprensa tornara-se aliada da República.