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O DISCURSO DOS EVANGÉLICOS E A IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA NO BRASIL SONHOS, DESAFIOS E

2.4. A campanha pela guarda do domingo

Um outro aspecto a ser considerado como elemento essencial no estremecimento das relações dos protestantes com a República, é o fato de que o Congresso Nacional tenha aprovado uma lei eleitoral que estabelece eleições num domingo. Os protestantes de há muito tempo vinham empenhados em reservar este dia exclusivamente para atividades religiosas, de modo que um fato como este acaba caindo como uma bomba

entre os defensores da guarda do domingo. A edição do dia 26 de outubro de l899 traz a seguinte notícia:

Eleições Federaes. O sr presidente da República sanccionou a lei votada pelo congresso Nacional, sobre eleições federaes, cujo primeiro artigo é do teor seguinte: ‘A eleição para deputados e para a renovação do terço do senado effectuar-se-á no ultimo domingo de dezembro do anno da ultima sessão de cada legislatura do congresso nacional’. Quer isto dizer, em poucas palavras, que nos foi caçado o direito de voto! Chamamos para o assumpto a attenção de todos os nossos colegas da imprensa evangélica do Brasil. Cumpre que, unidos, trabalhemos pela revogação de tal lei, que attenta contra nossos direitos de cidadãos. É mister que protestemos e façamos chegar nosso protesto até o Congresso, por meio de uma Representação assignada por todos os nossos irmãos eleitores, sem excepção de denominação evangélica alguma. (OE: 26.10.1899, p.20)

A mesma notícia foi veiculada também no jornal dos metodistas, O Expositor

Cristão:

Lemos no Jornal do Commercio que o Senado approvou em 3ª discussão a proposição da Câmara determinando que a eleição para Deputados e para a renovação do Senado, seja effectuada no ultimo domingo de Dezembro da ultima sessão de cada legislatura. Lamentamos não termos acompanhado essa discussão, já na Câmara, já no Senado. Entretanto, seja -nos permittido dizer que tal determinação é attentatoria aos nossos direitos de cidadãos. A verdadeira liberdade não cogita de números, e que cogitasse! Nós já somos um corpo avultado de eleitores que prezam a liberdade do voto. Vemo-nos, porem coagidos nessa liberdade, pela “determinação” que quer obrigar-nos a votar no domingo –dia de descanço santificado por Deus e que nós, protestantes observamos como consagrado inteiramente ás coisas dos Senhor. Decretar eleições no Domingo, é quebrar a lei de Deus. Querer-se violar as nossas consciências, é restringir a liberdade religiosa. Obrigar-nos a abstermo-nos de votar nesse dia, é cercear a liberdade de voto. Contra isso, levantemos alto a nossa voz. (EC: 1899, p. 2)

Mais uma vez, o jornal dá a entender que o fato de não se envolver com assuntos políticos não é a melhor postura, e por isso mesmo, não esteve atento para o desenrolar dos fatos relativos à eleição federal. O curioso é que tanto o jornal presbiteriano como o jornal metodista, interpretam o ato do Senado como um ato atentatório aos direitos dos protestantes. Ambos não conseguem conceber que os interesses nacionais devem estar acima dos interesses religiosos e, certamente, entendem que se trata de manobra do catolicismo romano contra os protestantes. O pastor Bento Ferraz chega a interrogar: “E si não é jesuitismo, machiavelismo ou despreso, como explicar a promulgação dessa lei?” (OE: 26.10.1899, p.2).

A imprensa entende que tal ato do Congresso Nacional corresponde a caçar o direito de voto dos evangélicos:

Eleições Federaes – Conforme noticiamos em o número passado, o sr. Presidente da Republica sanccionou a lei votada pelo Congresso Nacional, sobre eleições federaes, de cujo primeiro artigo já os nossos leitores têm conhecimento. Determina a referida lei, no mencionado artigo, que a eleição para deputados e para a renovação de um terço do Senado effectue-se no ultimo DOMINGO de dezembro do anno da ultima sessão de cada legislatura do Congresso Nacional. Dissemos então, que assim nos ficava cassado o direito de voto. E assim é, pois a nós importa antes obedecer a Deus que aos homens.(...) Accresce que agora, mais do que nunca, nos cumpria levar ás urnas eleitoraes o nosso voto, não só para prestigiar a Republica, o regimen político de nosso ideal, como –principalmente- para, na medida de nossas forças, oppôr á onda invasora do clericalismo que, qual moléstia de mau caracter, vai dia a dia avassalando e minando o organismo republicano e o aniquilará de todo si antídoto efficaz não lhe for de prompto applicado. (OE: 09.11.1899, p.1)

No número seguinte do mesmo jornal, outro artigo, em forma de apelo, e agora assinado por Bento Ferraz, um dos pastores fundadores da denominação presbiteriana independente (os presbiterianos experimentam uma cisão em 1903, devido à desencontros nos rumos do movimento no Brasil) , apresenta uma longa argumentação. Nela o seu autor diz representar o “povo politicamente orhagizado” e que “arredarem-se das urnas, em calculo approximativo, mais de 150.000 (sic) cidadãos eleitores, é commetter um crime de lesa-democracia”:

Ciosos de nossos direitos políticos, protestamos contra essa lei que, em terrível dilemma, ou nos priva do sagrado direito de voto, ou nos obriga, sem motivo algum justificável, a quebrar um preceito divino, offendendo a Deus e ás nossas proprias conciencias, cuja liberdade serve de peristylo ás instituições que nos regem. Em nome, pois, de nossos direitos conculcados; em nome da liberdade de consciência; em nome dos princípios republicanos estatuídos na Magna Carta de 24 de Fevereiro; memorando, si é necessário, as tradições liberares e democráticas do Protestantismo brasileiro – que tanto trabalhou e trabalha pela Republica, fazemos um appello ao Chefe Supremo do Poder Executivo, o Exmo. Sr. Dr. Campos Salles, para que consiga a reforma dessa lei, marcando dia que não o de Domingo, para as referidas ele ições. Não será um serviço prestado a nós, mas á effectividade do suffragio popular, ás instituições vigentes, á Republica brasileira. (OE: 16.11.1899, p.1)

A discussão sobre o fato de as eleições serem marcadas para um dia de domingo não é um fato novo, visto que na edição de setembro de 1872, o Imprensa Evangélica (09/1872, p.1) já tocava nessa questão, lamentando o fato de que nas últimas eleições, “algumas igrejas do estado, edifícios consagrados ostensivamente ao serviço do Deus de paz e amor”, tenham se tornado “arenas de desordem, de intrigas, de violências e até de derramamento de sangue”. Com a ressalva de que trataria o assunto não pelo ponto de vista político e sim pelo seu aspecto partidário (sic), o texto discorre sobre as diversas ocorrências daquele pleito, enumerando questões de violência, e um alto número de

abstenções, o que se pode deduzir da expressão “a abstenção por tanto de uma parte consideravel dos votantes, revela um estado pouco lisongeiro das cousas”. As eleições feitas em igrejas, profanam os lugares de culto, afirma o jornal, por ocorrerem “scenas impróprias do lugar e offensivas á boa moral”. A parte final do texto ainda afirma:

Outra circumstancia, e uma que constitue uma offensa directa contra a autoridade divina, é, que as eleições se fazem geralmente no Domingo, ou pelo menos principiam n’esse dia, que Deus tem reservado expressamente para seu próprio serviço, mandando sanctifica-lo pelo descanço de todo o serviço ordinário. (...) Ordenando as eleições n’esse dia, o estado invade as prerrogativas do Rei dos povos e dos governos, e arrasta uma nação inteira a um acto de ousada desobediência contra a autoridade do supremo Arbitro de seus destinos. Não se póde esperar a sua benção sobre actos que infringem seus preceitos, nem será possível evitar o merecido castigo de sua justiça offendido. Pedimos, pois, em nome da religião e dos interesses do paiz, que se faça cessar esta grande offensa contra as leis divinas.(IE: 21.09.1872, p.137,138).

A alegação de que as eleições aos domingos atentam contra o direito e a liberdade dos protestantes parece não comover a opinião dos políticos e, portanto, se faz necessário apelar para um outro argumento, a ofensa é contra a autoridade divina. A estratégia seguinte será a de associar a vontade divina a um projeto de governo.