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Daniel Parrish Kidder e James Cooley Fletcher: “imigrantes inteligentes”

DO BRASIL-COLÔNIA AO GOLPE REPUBLICANO (1808-1889)

1.5. A “missão” dos missionários no Brasil

1.5.1. Daniel Parrish Kidder e James Cooley Fletcher: “imigrantes inteligentes”

Para Leonard, a inserção dos missionários estrangeiros deveu-se a dois fatores essenciais: a atitude positivista de D. Pedro II e o atual momento do império brasileiro que, àquela altura necessitava da presença de imigrantes. Esse “positivismo”, afirma

Leonard, reside no fato de que o imperador entendia a necessidade de respeitar o Estado e suas instituições e também pela sua pouca aproximação ao catolicismo tradicional (Leonard: 1963, p. 48); por isso, ele tinha uma grande expectativa na imigração européia, posta em curso pelo marquês do Paraná.

Em consonância com o projeto imperial e com o contexto comercial de abertura de portos às nações amigas, muitos estrangeiros tiveram oportunidade de estar no Brasil desenvolvendo atividades econômicas e científicas. Entres estas atividades, estava a distribuição de Bíblias, promovida pela Sociedade Bíblica Britânica (1822-1856) e , posteriormente, pela Sociedade Bíblica Americana (1828) que, no Brasil, recebe o nome curioso de Sociedade Americana de Amigos Marítimos. Sobre ela, informa David Gueiros Vieira (1980, p. 61):

Essa sociedade fora organizada em 1828. De certo modo, fazia parte do movimento mundial de reforma religiosa e social que aparecera nos fins do século XVIII, na Inglaterra. A sociedade americana, no entanto, não tinha conexões com a britânica. Era, e ainda é, uma sociedade dedicada a cuidar das necessidades espirituais e sociais dos marinheiros americanos por todo o mundo.

Em 1838, Daniel Parrish Kidder era um desses estrangeiros, cuja intenção era missionária, e estabeleceu uma grande teia de relações com a elite paulista. Todavia, problemas financeiros, devido à participação americana na Guerra, morte de sua esposa, que não viera com ele, e uma avaliação negativa sobre o número de brasileiros convertidos no período de sua permanência no Brasil, o levaram de volta aos Estados Unidos. Kidder publicou relatos com sua visão sobre o Brasil durante este tempo (Kidder, 1972), (Kidder, 2001) o que, de certa maneira, encorajou outros compatriotas a seguirem as suas pegadas.

Outro missionário, James Cooley Fletcher, chegou em 1851, como capelão da sociedade americana, conciliava sua missão evangélica com a atividade comercial, visto ser ele pastor calvinista e filho de banqueiro. Fletcher escreve com o amigo Kidder,

Brazil and the brazilians, em 1857, as impressões do campo missionário. Com presença

legal assegurada no Brasil, a Sociedade Bíblica Americana tinha, em Fletcher, um interlocutor e também defensor do Imperador do Brasil e do sistema monárquico vigente. No diário acima citado, escrito em conjunto com Kidder, Fletcher (1941) publica as suas impressões sobre o Brasil e os brasileiros, numa viagem que os dois fazem pelas chamadas Províncias do Sul: São Paulo, Paraná e Santa Catarina. São relatos de viagens, alguns muitíssimo interessantes, todavia dispensáveis

momentaneamente. O que queremos ressaltar é a liberdade de trâns ito que tem um protestante em terras imperiais, o que se deve, primeiramente à fidelidade ao sistema em vigor. Tanto que, ao final do segundo volume, há uma série de textos interessantíssimos desta proximidade, como relatam Kidder e Fletcher (1941, p. 352):

O curto espaço de 44 anos é tudo o que o Brasil até agora tem contado para o grande objetivo de afirmar seus carateres de nação independente.[...] Tudo isso está a exigir decidida renovação afim de apropriar-se às circunstâncias de um novo Império que surge para a vida no meio dos progressos do século XX. [...] As suas finanças estão em ótimas condições.[...] As rendas do Império são quase que totalmente provenientes de pesados impostos sobre o comércio. Infelizmente , a nação conta com poucas indústrias para apelar para as altas tarifas como meio de proteção.[...] Houvesse outros meios para fazer frente às despesas governamentais, e talvez fosse pouco aconselhável empregar tão teimoso processo, a não ser sob a alegação de se tratar de um mal necessário.

A tese sobre o futuro do Brasil é de que o sistema colonial não foi bem sucedido, e que, agora, o Brasil independente precisava ser povoado de “emigrantes inteligentes”. Essa afirmação segue a lógica da visão racial que se tinha no Brasil no século XIX, era preciso melhorar a raça para a nação alcançar o progresso (Kidder e Fletcher, 1941, 352 ss). Segue-se pelos autores uma verdadeira análise de conjuntura, focando temas como educação, literatura e religião, sendo o quadro delineado, bastante satisfatório, evidentemente, que no campo da religião, algumas mudanças precisariam ser feitas, como afirmam: “nas condições atuais, o Brasil sente apenas a necessidade de piedosos ministros evangélicos, que ganham a vida com sua própria subsistência”.

Também são interessantes as propostas feitas por Kidder e Fletcher quanto ao “bem estar presente e futuro do Brasil”, as quais listamos a seguir de forma resumida:

1. “legislação imediata para pôr um paradeiro através de judiciosas medidas, à escravidão no Império”;

2. “legislação adequada para imediatamente resolver as questões religiosas”; 3. “É muito importante, no ponto de vista material, que o Brasil remodele as suas leis no que se refere aos processos de aumento de renda.[...] O segundo autor da presente obra visitou um cavalheiro que, só tendo a sua esposa, por família, disse-lhe que possuía oito léguas quadradas de terras, somadas à sua fortuna que é enorme, e que não era obrigado a pagar nenhum imposto. Ora, um dono de casa de negócio, com estrada passando por su propriedade, sem filhos, tenho uma renda de $2.000 anuais, tem que pagar ao Governo um imposto indireto pelas roupas que veste e o vinho que bebe (que são os principais artigos importados, mais em uso), tanto quanto aquele que possui uma renda de centenas de milhares. Abaixando as taxas de importação, revendo também

as taxas de exportação, e começando com um imposto direto moderado, a agricultura e o comércio prosperarão, não ficando o Governo embaraçado com déficits freqüentes.

4. “não deve haver exclusivismo em relação a mestres e professores nas instituições de ensino superior. De conformidade com as leis atuais, si um homem de ciência, bem dotado, for estrangeiro, si deseja permanecer no Brasil pelo espaço de uns seis anos para ensinar a sua especialidade num estabelecimento oficial, não poderá conseguir uma colocação: esta só pode ser concedida a brasileiros natos ou naturalizados”;

5. “Para o interesse material do Império, deve ser revogado o monopólio da navegação costeira. Como o Brasil, é, e será por muito tempo, um país quase que exclusivamente agrícola, a navegação entre portos de escala deve ser aberta a todos os pavilhões”;

6. “O Rio Amazonas, com certas restrições, deve ser aberto ao comércio do mundo”; e,“finalmente, a burocracia exige a atenção da Assembléia Geral. Ela existe em grau extensíssimo, em todos os serviços públicos, a não ser o corpo legislativo do Império”.

Como podemos observar, não há críticas ao sistema, somente elogios, e mesmo no caso de burocracia, os culpados, para eles, são os funcionários púb licos; os autores deixam transparecer que no corpo legislativo do Império isso não acontece. Mostra dessa dita “burocracia” misturada com negligência, percebe-se no relato inicial destas viagens, feito por Kidder (1941, p.1):

Desejando viajar descansado, procurei meu passaporte, vários dias antes da minha partida, na repartição conveniente. Uma das primeiras lições a ser aprendidas pelo viajante no Brasil, é ter paciência e conformidade com todas as formalidades existentes. Não importa quanto sejam absurdas as exigências, como, por exemplo, a de obter um passaporte para deixar a cidade do Rio de Janeiro em demanda das províncias, (onde nunca ele seria exigido), devemo-nos submeter a isso. Protestos motivaram apenas um dar de ombros do funcionário tomador de rapé, e ai de nós si a hora de fechar o escritório chega antes de se ter obtido o documento necessário. Para estar perfeitamente dentro da regra, o cidadão que parte ou o extrangeiro deve ter seu nome registrado na alfândega ou estampado em algum jornal, três dias antes de ser seu passaporte concedido, para que seus credores possas ter a oportunidade de conhecer seus passos.

No discurso de Kidder e Fletcher sobre o Brasil e os brasileiros, certamente não há críticas substanciais, apenas alguns ajustes necessários, de modo que pode perfeitamente ser considerado como pessoa bem-vinda em solo pátrio, independente de sua missão religiosa.