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DO BRASIL-COLÔNIA AO GOLPE REPUBLICANO (1808-1889)

1.5. A “missão” dos missionários no Brasil

1.5.4. Projeto evangélico de educação

formação de uma mentalidade, mas antes, para enfrentar o problema do analfabetismo no Brasil. Para isso nos valeremos de autores como Oswaldo Hack (2003) e Antonio Máspoli Araújo (2001).

O Rio de Janeiro, maior cidade e capital econômica do Império, apresentava um índice demográfico. Em 1865 a capital tinha cerca de 250 mil habitantes, e 20 anos depois, esse número já chegaria a 520 mil habitantes. Em 1891, em pleno período republicano, só de imigrantes europeus, o número foi de 166.321. Em dados de 1908, o crescimento populacional do Rio de Janeiro entre 1872 a 1906 apresentava o seguinte quadro:

Anos Crescimento anual

(%) 1872-1880 1880-1890 1890-1900 1900-1906 3,84 4,54 3,23 2,91

Fonte: ANUÁRIO ESTATISTICO DO BRAZIL (1908-1912) v..I, p. XVIII

Estes dados nos deixam perceber a dimensão do trabalho que ainda estava por ser feito pelos missionários no sentido de conquistar um espaço em solo brasileiro. Levando-se em conta a tabela acima como ponto de partida, só na capital do Império havia cerca de 500 mil habitantes, para um contingente extremamente reduzido de fiéis protestantes.

A estimativa da população brasileira para esta época pré-republicana, conforme arquivo da Câmara de 1878, confirma os números que serão referidos posteriormente pelo Presbitério do Rio de Janeiro, na carta para Baltimore (EUA), conforme nos informa Holanda (2004, p. 202):

a população nacional atingia o total de 8.419.672 habitantes, dos quais, 4.139 362 do sexo masculino e 4.036.829 mulheres. Desse total, o número dos que sabiam ler e escrever era de 1.012.087. Tirados as mulheres, os menores, os interditos, os que não tivessem renda superior a 400$000, quantos poderão participar das eleições? Calculando por alto, conclui-se que, dos 8.419.672 habitantes do Império, 400.000 apenas hão de ter esse direito, ou seja 1/20 da população livre.

Ferreira (1959), citando correspondência do Presbitério do Rio de Janeiro ao Sínodo de Baltimore em 1867, solicitando reforço missionário, informa que no Brasil

havia “cerca de oito milhões de habitantes”, (provavelmente teria consultado a mesma fonte utilizada por Holanda no texto acima) e que havia “um ministro que pode falar a língua portuguesa para cada milhão de almas”. É de se perguntar, como 400 exemplares de um jornal de natureza proselitista como era o Imprensa Evangélica poderia despertar assim tão grande interesse na população, ainda mais se for considerado o número também elevado de analfabetos? Parece que o projeto impresso do protestantismo brasileiro estaria fadado a sucumbir diante da tendência à oralidade e do analfabetismo vigente no país. Notemos, também, que na carta do Presbitério, a população escrava não foi contabilizada, ainda que algumas famílias mais abastadas, que freqüentavam as reuniões, já os possuíssem, como é o caso do fazendeiro de Dois Córregos (SP), Inácio Pereira Garcia, referido por Vicente Themudo Lessa (1938, p. 12). O número de marginalizados do sistema de comunicação escrita poderia então ser maior ainda.

A educação no Brasil sempre foi um ponto problemático. Até 1889, quando a República foi proclamada, a grande maioria da população permanecia analfabeta. O ensino secundário era ainda mais restrito: destinava-se aos meninos. Em São Paulo, os presbiterianos organizam uma pequena escola que iniciou suas atividades em 1870. A história dessa escola é importante, pois nesse período as instituições públicas eram impregnadas pela visão religiosa, servindo aos interesses da religião oficial. Um colégio protestante em São Paulo poderia muito bem funcionar como um instrumento de renovação e abertura aos novos tempos. O nome da escola foi Escola Americana, e depois (1894) recebeu o nome de Mackenzie College. Assim esclarece Lessa (1938, p. 454) sobre o novo nome da escola:

John T. Mackenzie era um menino de doze annos quando se deu a independência do Brasil. Leu então um escripto de José Bonifácio em que o grande brasileiro falava da necessidade do desenvolvimento da instrucção popular no Brasil. Logo o menino pensou em seguir o magistério e consagrar-se ao ideal da educação daquelle povo.

Por este aspecto é possível identificar as ligações do protestantismo com as questões educacionais daquele período. Embora a instituição tenha se secularizado com o passar do tempo, não podemos deixar de apontar as suas raízes cristãs protestantes como Oswaldo Hack (2003), ou como Antonio Máspoli Araújo (2001) em relação ao progresso. O perfil confessional do Mackenzie, conforme estudado por Hack (2003) pode ser comprovado ainda nos dias de hoje. Visitando o site oficial da instituição enquanto preparávamos este capítulo, nos foi possível encontrar aquilo que a instituição apresenta como sendo a sua “Missão”: educar o ser humano criado à imagem de Deus,

para o exercício consciente e crítico da cidadania e da dignidade, preparando-o para a vida, contribuindo, assim, para o desenvolvimento do ser e da sociedade, por meio do ensino e das atividades científicas, culturais, esportivas, sociais, éticas e espirituais”.

Também os metodistas se inserem nesta luta por fazer da educação a porta de entrada de seu projeto missionário e, em 1881, em Piracicaba-SP, é fundada a primeira instituição educacional no Brasil. Marta Watts e Mary Newman são os nomes exponenciais desta empreitada. Paulo Ayres Mattos (2000, p. 61) relata a entrada do metodismo no Rio Grande do Sul pela mesma via educacional:

Igual desenvolvimento (com estratégia educacional) ocorreu com a implantação do metodismo no Rio Grande do Sul, pois o Reverendo João Correa quando foi nomeado , em 1855 para abrir definitivamente o trabalho no sul do Brasil, trouxe consigo a Profª Carmen Chácon, que naquele mesmo ano, poucas semanas após a fundação da primeira Igreja Metodista em Porto Alegre, fundou o Colégio Americano.

A missão dos batistas, embora um pouco mais tardia (1902), também vai se valer da utilização das escolas confessionais. Os Willian Buck e Ana Luther Bagby são também os primeiros educadores do movimento batista. Ribeiro (1981, p. 108) afirma que “o protestantismo introduziu nos usos e costumes, até das mais rústicas famílias do sertão, o hábito de ler”.

Para finalizar este capítulo em que tratamos da “missão” dos missionários, reafirmamos essa missão como a estratégia de estabelecimento do protestantismo em solo brasileiro. Falar em educação, cultura e, conseqüentemente, progresso, era angariar a simpatia de muitos protagonistas do cenário político de então. Resta-nos analisar o comportamento dos missionários em relação às questões sociais. Mendonça (1995) faz referência ao protestantismo “cansado de guerra” para explicar este distanciamento das questões sociais mais urgentes da sociedade brasileira. Como já observado, a única guerra que valia a pena se envolver era a guerra contra a religião dominante, e para isso o protestantismo apostou na pedagogia da diferença. Mendonça utiliza este termo para explicitar as razões teológicas pelas quais o protestantismo procurava pautar suas ações por uma indiferença para com as questões sociais. Do ponto de vista da inserção social, nenhum dos missionários foi enfático nas suas crítica, alguns, às vezes, até identificavam problemas (Kidder & Fletcher: 1941, p. 358), sem, contudo, partir para uma postura mais agressiva em seus discursos sobre tais temas. Esta situação, conforme veremos mais adiante, só será alterada quando da implantação definitiva das igrejas evangélicas no Brasil e, mesmo assim, ainda será de modo geral, em defesa da liberdade

de cultos e de religião. Mendonça (1995, p. 206) sobre este comportamento, afirma:

As condições de penetração do protestantismo no Brasil fizeram com que ele se alimentasse principalmente da polêmica. Por isso, o protestantismo só se torna, parece, ativo e dinâmico nos momentos de confronto com a religião dominante; em outras circunstâncias da vida social, regra geral, se mostra indiferente e letárgico.

Esse “pacifismo social” explica-se pelo fato de que os missionários americanos tinham bem presentes na mente os horrores da Guerra Civil, que ainda estava em curso com seus quase 600 mil mortos e, portanto, foram cautelosos com as questões que pudessem ensejar uma revolta social, ou coisa parecida aqui no Brasil. A única guerra que fazia sentido era a guerra contra o catolicismo. Nisso, o protestantismo foi implacável. Outra razão, que também precisa ser considerada é a da bagagem cultural/emocional dos missionários norte-americanos. A pátria de origem estava às portas de comemorar o centenário de sua independência política. Entretanto, é a Guerra de Secessão (1861-1865) que vai pautar o comportamento dos protestantes recém- chegados, e isto vai repercutir no Brasil.

Primeiramente, como a guerra devastou parte das plantações de algodão do sul dos Estados Unidos, os plantadores de algodão do Brasil puderam fazer bons negócios, exportando sua produção. E também, inúmeras famílias oriundas dos Estados Confederados (sul), não se conformando com a derrota, emigraram, algumas delas para o interior da província de São Paulo (região da atual cidade de Americana). Na visão dos forasteiros, anunciar uma nova mensagem religiosa num território dominado por uma religião oficial já era uma tarefa muito arriscada, tanto mais, se essa mensagem tivesse algum conteúdo revolucionário, transformador da sociedade. Um outro assunto bastante controverso era a escravidão, estopim do confronto entre sulistas e nortistas na América do Norte, e também matéria de discussão na política brasileira. Sobre este assunt,o seriam os pastores brasileiros e as igrejas organizadas por eles que teriam de trazer as respostas.

CAPÍTULO 2

O DISCURSO DOS EVANGÉLICOS E A IMPLANTAÇÃO