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Encontro da Memória com História Oral: as relações de homens e mulheres da localidade de Juba com a natureza.

3. A instalação da Usina Hidrelétrica de Tucuruí e os impactos socioambientais no Baixo Tocantins e na realidade cotidiana da Ilha de

3.3. A retirada ilegal dos pés de andiroba nativa.

A relação de domínio estabelecida pelo homem sobre a natureza tem seu registro ainda na antiguidade, segundo Friedrich Engels (1952), no seu texto Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem, aborda o comportamento humano de extrair as plantas dos boques, de forma desordenada na Mesapotâmia, na Grécia, na Ásia Menor e nas diversas regiões, comprometeu posteriormente a qualidade do solo para o cultivo, provocando na sua maioria aridez, devido a retirada da coberta vegetal desses solos.

Keith Thomas, em seu livro O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais, 1500 – 1800, faz reflexões a cerca do progresso humano e seus reflexos no mundo natural, na Inglaterra, revelando que o comportamento de devastar as florestas em benefício do progresso é presente na história da humanidade desde a era mesolítica. Sendo que a aceleração desta prática teve um impulso maior com o surgimento do machado de pedra já na era neolítica (THOMAS, 1988, p.230). Porém, esta atividade de retirada da cobertura florestal passou por várias etapas e estágios diferentes em vários locais do mundo.

Mas com a chegada da modernidade, mais especificamente os anos de 1500 a 1800, trouxe consigo não somente mudanças no setor tecnológico, mas principalmente, despertou na grande maioria de homens e mulheres, de classes sociais diversas, uma mudança na forma de pensar a sua relação com meio natural. Surgem novos olhares sobre as plantas e os animais. Estava começando uma nova forma de pensar o meio ambiente na Inglaterra, (THOMAS, 1988, p.18).

Atualmente, em plena pós-modernidade, a prática de retirada da cobertura vegetal, está concentrando suas forças na Região norte, mas especificamente na Amazônia, que alimenta o mercado madeireiro, retirando árvores da floresta e até de reservas florestais na Amazônia. Esta atividade de retirada de madeira no Estado do Pará acontece a mais de três séculos, de forma esporádica. Meados do século XX, a extração de madeira em toras teve uma baixa representatividade. Nesta época a exploração da madeira era concentrada na região estuarina30, situada as margens dos rios Tocantins, Pará e em escala bem menor no rio Amazonas. Esta madeira retirada da floresta de várzea era retirada e cortada nas serrarias oriundas da comunidade local. Após cortarem essa madeira de forma tradicional usando muitas vezes o machado, a madeira era retirada da floresta usando apenas a força humana e seu transporte era feito por meio de jangadas, (LENTILI; LIMA; VERÍSSIMO, 2002).

Porém, a partir da década de 1960, um fator predominante que contribuiu para o aumento e explosão do mercado madeireiro na Amazônia, deve-se ao processo de criação da rodovia Belém/Brasília, e na década de 1980, o asfaltamento da PA 150, ambas estradas facilitaram o acesso às florestas de terra, quanto as florestas que ficavam as margens da baia do rio Tocantins. A partir de então a indústria madeireira na Amazônia expandiu-se muito rapidamente (LENTILI; LIMA; VERÍSSIMO, 2002); (LENTINI; VERÍSSIMO; SOBRAL, 2003).

A partir desse contexto de crescimento da indústria madeireira na Amazônia, é possível a cada dia perceber a presença de serrarias circulares31 no estuário

paraense, no município de Cametá e na Ilha de Juba. Figueira, aponta a existência permanente de uma serraria circular nesta ilha, no ano de 2005, a qual faz a retirada ilegal da madeira, das áreas de floresta de várzea32 pertencente à localidade (Figueira, 2005). Atualmente, esta realidade, encontra-se em outro estágio bem mais avançado, segundo os moradores da localidade, existem mais três serrarias circulares na comunidade estudada. Segundo a intrevistada Rute Teles as serrarias tem contribuindo de forma significativa para a degradação do meio ambiente, não só porque retiram as

30 Segundo Lentini; Veríssimo; Sobral (2003, p. 41), “ [...] O estuário é a região típica das florestas de

várzeas ”.

31 As serrarias circulares processam madeira de oriunda da várzea (LENTINI; VERÍSSIMO; SOBRAL,

2003).

32 Segundo Martini, As florestas de várzeas ocorrem em áreas sujeitas às inundações no estuário e baixo

Amazonas. Essas florestas possuem menor valor madeireiro se comparadas às florestas de terras firme (MARTINI, Apud, LENTINI; VERÍSSIMO; SOBRAL, 2003).

árvores, mas porque, “[...] as serrarias jogam o restos de madeira no rio, como as cascas das plantas; um dia desses nós estávamos indo pra cidade e um desses cascalhos bateu na hélice do nosso motor”. A fala da moradora reflete a preocupação com o meio ambiente e a segurança na navegação, com a constante presença de pedaços de madeira jogados no rio.

Evidenciou-se, também, na realidade da localidade o processo acelerado em relação a degradação ambiental através do desmatamento33, seja para a utilização do solo, seja para a retirada de madeiras, as quais, de baixa qualidade, abastecem as cerrarias localizadas no entorno das ilhas (COSTA, 2006). Este processo, evidenciado no relato da moradora, acontece devido a venda ilegal das árvores novas, e direciona a responsabilidade por essa ação:

além que fiou pouco [ pés de andiroba ], eles não querem se empatar com um pouquinho só [...] os culpados são os maridos que tiram os pé de andiroba pra vender. [...] eles vão dá um volta no terreno deles, se acharem um paneirinho cheio [com sementes de andiroba], só jogam lá pelo canto, no outro dia eles vão de novo, aí essas sementes serve pra queimar no tempo de meruin, no inverno. [...] eles agora estão vendendo dessa grossurinha34. Antes eles vendiam as torras de pau grosso, aí dava bem

dinheiro, mas agora não dá, Maria do Carmo – Ilha de Juba.

Alguns moradores da região justificam o exercício desta prática agressiva contra a floresta pelo viés da situação de grande dificuldade financeira para manter a família. Prática esta mantida sobre os véus da omissão, da necessidade, da criminalidade e, sobretudo, da hipocrisia social, que prega para o coletivo a importância da floresta de várzea, mas permite que dela se retirem árvores muito novas para fins madeireiros. Visto que sem alternativa financeira, perante a situação de pobreza, os moradores do local, não vêem outra saída, a não ser vender as árvores da floresta.

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Desmatamento é considerado a destruição de florestas para a abertura de áreas de plantação e pastagens de gado, construção de estradas, mineração e para a extração de madeira. Os desmatamentos causam poluição do ar, erosão dos solos, morte de animais e o clima pode ficar cada vez mais quente (GTA,2001, p.39).

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Esta expressão: grossurinha, utilizada pela dona Maria do Carmo, é utilizada para explicada o gesto de juntar as mãos em forma de circulo, para demonstrar o tamanho que as árvores atualmente estão sendo vendas. Tamanho esse que está muito abaixo do exigido pelo mercado consumidor.

Dentre as quais se encontra a andiroba, que em termos de qualidade madeireira, só perder em importância para o mogno (Swietenia macrophylla King), sendo muito requisitada devida a sua madeira ser resistente ao ataque de pragas como, o cupim.

Mesmo essa prática sendo executada às vistas de todos, poucos são os que se arriscam a dar informações ou denunciar, limitando-se apenas a rápidos e curtos comentários acerca do assunto. Ao ser questionada sobre a retirada dos pés de andiroba, dona Maria do Carmo diz: “[...] é tirado sim! Por isso que quase não tem; no nosso mato ainda tem muito, aí pra cima, no Jubinha, é terra de tirarem azeite pra vender e agora a senhora não vê uma pessoa vendendo o azeite de andiroba”.

A pesquisa constatou que essa comunidade está vivenciando um período de transformação comportamental sócio-histórico-ambiental, que antes nutria uma consciência de preservação e uso racional dos recursos florestais. E que hoje, devido a um conjunto de fatores, aliado a situação socioeconômica que a comunidade enfrenta por causa dos impactos ambientais que enfrenta, esteja enveredando por um caminho não pautado na sustentabilidade desses recursos. Pode-se perceber essa mudança, a partir da fala do senhor Marinaldo Teles, morador da localidade de Juba, quando afirma:

[...] A relação que mais me chama atenção é de como nós nos sentimos nela [natureza], eu me lembro que a uns 10 anos, agente pode observar que ela era menos habitada e devastada, agente tinha outro clima e a relação nossa era de preservar, agente não derrubava as seringueiras [andirobeira] era difícil tirar essas árvores.

O entrevistado deixa transparecer em sua fala, quanto o processo de mudança no meio natural foi sentido na localidade. A mudança de comportamento de algumas pessoas vai de encontro aos hábitos antes nutridos na comunidade, que procurava fazer uso dos recursos florestais de forma racional e sustentável. O Sr. Marinaldo Teles demonstra em sua fala preocupação com o avanço da devastação da floresta ao dizer: “ agente não derrubava as seringueiras [andirobeira] era difícil tirar essas árvores”. O que significa que ele tem consciência das conseqüências negativas dessa ação, tanto para o meio ambiente, quanto para a comunidade da qual faz parte. Suas inquietações buscam suporte na memória do vivido em outros tempos: “[...] eu me lembro que a uns 10 anos, agente pode observar que ela [floresta] era menos habitada e

devastada, agente tinha outro clima”. E completa a frase com uma espécie de frustração ao dizer: “[...] a relação nossa era de preservar”. Para Gilson Costa (2006), preservar a biodiversidade perpassa pela conservação de valores socioculturais das comunidades tradicionais, valores estes que estão indo embora com os velhos e as velhas da localidade.

CAPÍTULO II

Saberes Cotidianos e Produção do Azeite de Andiroba: ditos e