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Saberes Cotidianos e Produção do Azeite de Andiroba: ditos e interditos na realidade das mulheres extrativistas.

5. A dinâmica das mulheres extrativistas e o processo de extração do azeite de andiroba na comunidade ribeirinha de Juba.

5.3. O azeite na tábua: a difícil arte de estilar o óleo de andiroba.

A imagem 13, do interior da casa da entrevistada Socorro Teles, tenta retratar parte de uma das etapas da extração do azeite de andiroba. Esta atividade manual acontece no interior da casa, geralmente, na cozinha, fazendo parte do espaço doméstico e das outras atividades aí desempenhadas pelas mulheres. Portanto, esta é mais uma atividade agregada à rotina da casa.

É neste universo que mergulhamos na experiência desta prática secular, herdada dos índios e repassada de geração a geração, repasse que acontece de forma tranqüila e natural, onde as crianças aprendem esses saberes e práticas cotidianamente. “[...] eu trabalho com a andiroba desde a idade de 10 anos, quando eu ajudava minha mãe no mato, ajudava tirando a massa da andiroba, [..] ela morreu e eu fiquei fazendo”, relato de dona Maria Maíde,.

Percebemos que esta atividade é desenvolvida da forma mais tradicional, primária, sem que haja uma preocupação mais rigorosa com o processo de higienização, referente ao contato com a massa. A grande maioria das mulheres lidam com a massa com as mãos nuas, sem proteção para os cabelos. Outro fato presente nesta etapa da extração do óleo de andiroba, é o fato da massa ficar sem nenhuma cobertura de proteção, durante a noite, ficando sujeita aos efeitos do vento, da chuva e até a presença de insetos.

Imagem 13: Dona Socorro Teles retirando a massa de andiroba da masseira.Fonte: Amarílis Maria Farias da Silva –Ilha Juba, 2007 – Cametá/PA.

A imagem 13 da tábua onde ocorre o processo de estilar52 o azeite, fica posta e exposta no centro da cozinha, local onde a dona da casa recebe para um cafezinho e uma boa conversa as pessoas mais íntimas ou de prestígio para a família. Podemos perceber ainda que a casa está muito perto das árvores, estabelecendo uma espécie de elo de proximidade entre a natureza e as pessoas, onde ambas estão totalmente entrelaçadas.

52 Segundo a moradora Socorro Teles – Ilha de Juba – Cametá/PA: “A expressão estilar é utilizada pelas

pessoas da comunidade da Ilha de Juba, para designar a atividade de extrair das sementes o óleo de andiroba”.

Imagem 14: Criança tomando banho na bacia de alumínio ao lado da tábua onde escorre o óleo de andiroba. Fonte: Amarílis Maria Farias da Silva, Ilha de Juba, 2007.

Conforme se pode observar na imagem 14, uma criança é banhada numa bacia de alumínio ao lado da tábua onde o óleo de andiroba está sendo estilado. Todavia, ressalta-se que esta cena, da criança tomando banho de bacia, a cada dia se comprime no tempo, pois as crianças ribeirinhas, cada vez mais cedo estão participando das práticas cotidianas do seu grupo familiar, como os banhos de rio e de igarapé. O que deixa evidente, que desde muito cedo as crianças passam a conviver com a presença de saberes e das práticas cotidianas que estão entrelaçadas à rotina doméstica e a educação dos filhos, os quais dividem o mesmo ambiente e compartilham gradativamente suas vidas, suas memórias e suas práticas.

Deve ser mencionado que para entendermos o processo de retirada do óleo e chegarmos ao produto final (andiroba), é necessário compreendermos a dinâmica

da masseira ou tábua de escorrer o óleo (SHANLEY, 2005). A masseira ou tábua é geralmente feita do tronco de uma árvore, que é partida ao meio, formando duas partes, as quais são cavadas para imitarem um formato de U, o que facilitará no processo de escorrer o óleo.

Na formatação da tábua, temos em uma das extremidades um buraco, pelo qual passará uma corda resistente, que vai amarrar a tábua a um esteio da casa deixando a tábua em posição inclinada. A outra parte do tronco da árvore é aproveitada para fazer uma prancha ou tabua de pisotear a massa retirada das amêndoas cozidas. Como já foi descrito anteriormente, a masseira ou tábua que recebe a massa pisoteada é constantemente forrada com pequenas varetas para só então receber a massa da andiroba. Um detalhe importante da masseira, é um sustentáculo feito em madeira, que serve para proteger a massa e não deixar cair no chão, ficando apenas um pequeno espaço para que o óleo escorra pela tábua, e caia de forma segura na tigela de inox, que fica sempre debaixo desta estrutura de madeira.

Outro detalhe que compõe a estrutura da masseira é o suporte que serve de apoio para a prancha que contém a massa, este suporte fica debaixo da masseira, dando estabilidade e sustentabilidade, evitando que a masseira vire e provoque algum acidente. Geralmente este suporte é feito a partir de pedaço de tronco de árvore, que é cortado e moldado para receber a prancha.

Na imagem 15, podemos observar como acontece o processo de aquecimento da massa de andiroba que após, aproximadamente, 12 horas de descanso na masseira a massa de andiroba é transportada para a tábua de pisar, onde passará pelo processo de aquecimento da massa, quando esta é pisada por cerca de 20 minutos, para ela seja aquecida. Segundo dona Socorro Teles, este processo de pisoteio ajuda a massa a liberar mais azeite de andiroba de melhor qualidade. De acordo com os depoimentos das mulheres andirobeiras, o óleo coletado nos primeiros cinco dias é considerado virgem, pois a sua aparência límpida, transparente e esverdeado dá a ele propriedades medicinais mais eficientes e eficazes.

Imagem 15: Eliane Lima de Oliveira, nora de dona Socorro Teles pisotando da massa de andiroba para que seja aquecida. Fonte: Amarílis Maria Farias da Silva –Ilha Juba, 2007.

Depois de ser pisoteada, a massa será novamente transformada em bolas, que serão novamente arrumadas na masseira para o processo de estilar ou escorrer o azeite. Segundo as mulheres extrativistas entrevistadas, o processo de aquecimento da massa da andiroba deve ocorrer a cada seis horas. Porém, não é uma regra constante, nem tão pouco rigorosa, algumas mulheres como, por exemplo, dona Socorro Teles, afirmam que organizam essa atividade de acordo com o seu horário de trabalho doméstico e demais atividades ligadas as tarefas do lar como: lavagem de roupa, preparo de alimento, cuidados com o parente idoso, entre outras tarefas. Estas tarefas foram historicamente atribuídas as mulheres, na grande maioria das vezes, essas atividades sobrecarregam as mulheres de trabalho (HÉBETTE; MAGALHÃES; MANESHY, 2002).

Dentro desta técnica de retirada do óleo através da tábua, temos ainda o azeito de sol. Nesta técnica, segundo Shanley (1998), a massa de andiroba é levada para ser aquecida com o calor do sol, durante uns dois dias, e de duas a três horas, essa massa é mexida, sendo mudada de posição ao longo do dia. No final da tarde, a massa é novamente transformada em bolas e colocada na tábua de escorrer o óleo, de forma que a tábua fique inclina, facilitando que o óleo escorra e caia na vasilha coletora do produto.