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A REVOLUÇÃO PORTUGUESA E A G UERRA F RIA : A PERSPETIVA BRASILEIRA

A radicalização à esquerda da revolução portuguesa, iniciada a partir de 28 de setembro de 1974 e acentuada após o 11 de março de 1975, ocorreu concomitantemente ao avanço do eurocomunismo, em especial em França e em Itália, ao início da transição para a democracia na Grécia, e ao conflito no Chipre, que opunha Atenas e Ancara – dois membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO). Neste contexto de ameaça ao flanco sul da Aliança Atlântica, a revolução portuguesa assumiu crescente importância nos equilíbrios da Guerra Fria, influenciando e sendo condicionada pelas estratégias políticas dos EUA, da URSS, da CEE e da RFA111.

Ao longo de 1975 o Itamaraty acompanhou atentamente a reação dos membros da Aliança Atlântica, em especial dos EUA, à radicalização à esquerda da revolução portuguesa. Neste contexto, a embaixada do Brasil em Washington desempenhou uma ação determinante na definição da posição assumida por Brasília em relação a Lisboa. Por um lado, o chefe da missão brasileira nos EUA, embaixador João Augusto Araújo Castro, era um dos mais proeminentes diplomatas brasileiros e próximo do Chanceler Azeredo da Silveira; por outro lado, o embaixador do Brasil em Portugal, o general Alberto da Fontoura, estava fortemente condicionado pela sua orientação ideológica, que frequentemente se refletia na análise que fazia da realidade portuguesa112. Esta diferença explica que

Nacional de Informações. Dentre as principais conclusões salientam-se: a decisão de manter relações com Portugal, mesmo que o país passasse para o campo comunista; qualquer adoção de medidas restritivas deveria ser gradual, proporcional e ter em consideração a sensibilidade da comunidade portuguesa residente no Brasil; evitar que a nova vaga de migração portuguesa radicalizasse politicamente a colónia residente no Brasil ou que propagasse a subversão em território nacional. Ver: Relatório produzido pelo MRE acerca do Grupo de Trabalho sobre Portugal, de 25 de julho de 1975, pp. 1 - 9. CPDOC/ FGV – AAS, mre.d.1974.03.26.

111 Telo, António José (1999), “As Relações Internacionais da Transição”, em José Maria Brandão de Brito

(coord.), Do Marcelismo ao Fim do Império, Lisboa, Notícias, pp. 228 - 233.

112 Nas suas memórias, Azeredo da Silveira explica que a escolha de Carlos Alberto Fontoura para ser o

embaixador do Brasil em Portugal fora feita pelo Presidente cessante, Emílio Garrastazu Médici, e antes do 25 de Abril. Segundo Silveira o Presidente Geisel não apreciou a nomeação mas não se opôs para evitar dificuldades políticas. Por sua vez, o Itamaraty estava ciente de que no exercício das suas funções Fontoura teve dificuldade para livrar-se da “linguagem do SNI”, do qual fora chefe até partir para Lisboa. Ver: Spektor, Matias (2010), Azeredo da Silveira. Um depoimento, Rio de Janeiro, FGV, pp. 269 - 270.

37 durante o período mais crítico da radicalização política em Portugal, tenha sido a missão do Brasil em Washington uma das principais fontes de informação do Ministério das Relações Exteriores.

Face à viragem à esquerda da revolução portuguesa, o Governo Geisel afirmou que as relações com Lisboa não seriam afetadas pela natureza do regime e que o Brasil mantinha-se confiante quanto ao futuro político do país. A adoção deste discurso destinava-se a conter as crescentes críticas internas dos sectores mais conservadores e salvaguardar a margem de manobra de Brasília mediante uma conjuntura extremamente volátil em Portugal. Após o 11 de março o Itamaraty reafirmou esta posição, porém alternando manifestações de confiança no processo político português com uma postura mais reservada, que decorria da limitada capacidade de influenciar o curso dos acontecimentos em Portugal e da prioridade em evitar que a radicalização à esquerda em Lisboa influenciasse a comunidade portuguesa residente no Brasil e afetasse o relacionamento com a África lusófona.

Duas semanas após a tentativa falhada de golpe liderado por Spínola, o chefe do Departamento da Europa Ocidental do MRE, Rio Branco, afirmou ao embaixador dos EUA em Brasília que confiava na “essência conservadora da sociedade portuguesa e acreditava que este sentimento iria influenciar a maioria dos militares”. Para a missão norte-americana, o Itamaraty estava “empenhado em apresentar uma fachada de tranquilidade” quando em Brasília só se falava na “rápida radicalização” do processo revolucionário e que em breve “Costa Gomes seria o próximo asilado” político português a chegar ao Brasil113. O argumento de que o conservadorismo da população

portuguesa constituía um garante contra o avanço comunista não era novo e tão pouco exclusivo da diplomacia brasileira. As autoridades lusas, dentre as quais o Presidente Costa Gomes, evocavam-no sempre que pretendiam tranquilizar os seus interlocutores estrangeiros quanto ao futuro da revolução em Portugal114.

Para a Administração Ford, o 11 de março constituiu um claro sinal de que Portugal estava praticamente sob o controlo comunista. O Departamento de Estado passou a considerar as hipóteses de impor sanções económicas a Portugal e de excluir o país da Aliança Atlântica. A 25 do mesmo mês, o embaixador dos Estados Unidos em Lisboa, Frank Carlucci, reafirmando o que já havia sido dito por outros diplomatas ocidentais, declarou ao Presidente Costa Gomes que a viragem à esquerda em Portugal era contrária aos interesses dos EUA e da NATO115. No dia seguinte, o Secretário de Estado

Henry Kissinger mencionou em conferência de imprensa o encontro entre o embaixador Carlucci e o Chefe de Estado e salientou a sua preocupação quanto ao rumo do processo democrático português. A estas pressões Costa Gomes respondeu acusando Kissinger de ter uma ideia “deformada do que passa no nosso país” ao afirmar constantemente que “estamos a guinar excessivamente para a esquerda e que

113 Telegrama enviado pela embaixada dos EUA em Brasília para Departamento de Estado sobre Brazilian

Reaction to Developments in Portugal, de 24 de março de 1975, pp. 1 - 3. NARA – 1975Brasil02163.

114 Diário de Notícias, de 10 de dezembro de 1974, pp. 1 e 2.

115 Sá, Tiago Moreira de (2004), Os Americanos na Revolução Portuguesa (1974 – 1976), Lisboa, Notícias, pp.

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caminhamos a passos largos para uma democracia popular”. O Presidente português também reagiu às críticas de que a presença do PCP no Governo colocava em risco a segurança da NATO e tornava Portugal num parceiro pouco fiável116. A par da pressão política, em março de 1975 Washington suspendeu a ajuda técnica e económica a Portugal, deixando claro que considerava indesejável a presença comunista no Governo.

O embaixador do Brasil nos EUA, Araújo Castro, também criticava a análise que o Departamento de Estado fazia da conjuntura portuguesa. Preso aos esquemas rígidos da Guerra Fria, Kissinger não compreenderia a complexidade do processo político em Portugal limitando-se a ver no avanço da extrema-esquerda portuguesa o desafio de Moscovo ao equilíbrio da détente. De acordo com este raciocínio, a URSS estaria a tirar partido de um momento de relativa fraqueza norte- americana para realizar uma nova ofensiva política, diplomática e ideológica em áreas tradicionalmente sob órbita dos EUA. Consequentemente, a disputa pelo futuro da revolução portuguesa resolver-se-ia pela “moderação e racionalidade das superpotências” em consonância com os pressupostos do containment 117. A diplomacia brasileira recusava a ideia de que o resultado da détente deveria ser a “tendência à aceitação das formas de cristalização do poder Ocidental”, posto que o regresso à rigidez da ordem bipolar reduzia o grau de autonomia e a possibilidade do Brasil alterar a sua posição no sistema internacional. Na perspetiva do Itamaraty, a revolução portuguesa desafiava dois axiomas da política externa norte-americana. Por um lado, colocava em questão o “congelamento e a delimitação rigorosa das áreas de influência”; por outro lado, introduziu a ameaça comunista dentro das fronteiras da Aliança Atlântica, demonstrando que a realidade envolvia variáveis e condicionantes que não podiam ser ignoradas pelos modelos teóricos propostos por Kissinger118.

À medida que a radicalização à esquerda da revolução portuguesa se intensificava, o Departamento de Estado insistia com maior ênfase junto dos seus parceiros atlânticos na necessidade de afastar Portugal da NATO. O argumento era o de que não fazia sentido um país onde o Partido Comunista integrava o Governo e ambicionava controlar o Executivo, participar numa organização cujo objetivo era defender o Ocidente de uma eventual agressão soviética. Ademais, a instabilidade política existente em Portugal não oferecia garantias de que as informações às quais o país tinha acesso não fossem passadas, por intermédio do PCP, à URSS. A ameaça de expulsão ou de suspensão constituía um instrumento de pressão política e psicológica para condicionar a evolução dos

116 Citação em Rodrigues, Luís Nuno (2008), Marechal Costa Gomes. No Centro da Tempestade, Lisboa, Esfera

dos Livros, pp. 234 - 235.

117 Telegrama enviado pela embaixada do Brasil em Washington para o MRE sobre Portugal e os EUA, de 22 de

março de 1975, p. 3. AHMRE – Telegramas de 1975, Rolo 2089. Confidencial de 001 a 5200.

118 Telegrama enviado pela embaixada do Brasil em Washington para o MRE sobre os Estados Unidos e a

Europa: o problema de Portugal, de 13 de novembro de 1974, p. 3. AHMRE – Telegramas de 1974, Rolo 2076.

39 acontecimentos em Lisboa119. Neste contexto, os membros europeus da Aliança, nomeadamente a RFA, exerceram uma importante ação moderadora junto dos EUA no sentido de não ostracizar Portugal, tendo se optado por uma solução oficiosa que excluía os representantes portugueses das reuniões mais sensíveis120.

Para a diplomacia brasileira a preocupação do Ocidente com a deriva à esquerda portuguesa não se devia somente ao facto do país pertencer à NATO, pois existiam mecanismos eficazes de neutralizar a ação de um eventual Governo comunista no seio da Aliança. O problema não era de natureza militar ou estratégica. Como afirmou o embaixador Araújo Castro, o “maior perigo reside na área da política e na psicológica”. Apesar de Portugal não ser uma país-chave, “se situa em uma área em que os Governos comunistas seriam, por definição, impensáveis”. Brasília considerava ineficaz o eventual isolamento ou a antagonização do Governo português defendida pelo Departamento de Estado norte-americano. Quando esta estratégia foi aplicada a Cuba, um país que devido à sua posição geográfica também não poderia ter um regime de esquerda, teve o efeito inverso de aproximar Havana a Moscovo121. Por isso, o Itamaraty era contrário ao “afastamento de Portugal dos fóruns ocidentais onde poder-se-ia tentar influenciar Lisboa, fortalecendo os elementos moderados, sobretudo dentro das Forças Armadas”. Esta posição foi defendida pelo embaixador Araújo Castro nos diversos encontros que manteve com as autoridades norte-americanas122.

119 Telo, António José (2008), História Contemporânea de Portugal, Lisboa, Presença, II, p. 197.

120 O facto do Governo Português se ter disponibilizado a afastar-se do Grupo de Planeamento Nuclear da NATO

(NPG) não foi suficiente para pôr termo às reticências norte-americanas. Neste contexto, a ação da RFA, que era contrária a qualquer tentativa de afastar Portugal da Aliança Atlântica, foi determinante. Ana Mónica Fonseca salienta que para o Partido Social-Democrata Alemão (SPD) a manutenção de Portugal na NATO era essencial, por questões de prestígio e de integridade da Organização, mas também por que a presença portuguesa na Aliança proporcionava aos demais membros um instrumento de pressão sobre Lisboa. Bona receava que com Portugal fora da NATO a URSS pudesse ser encorajada a fazer o que quiser. Ademais, o Partido Socialista alemão estava convencido que os interlocutores cumpririam os compromissos assumidos. Ver: Fonseca, Ana Mónica (2011), É preciso Regar os Cravos. A Social-Democracia Alemã e a Transição

Para a Democracia em Portugal (1974 – 1976), Tese de Doutoramento em História Moderna e

Contemporânea, Lisboa, Lisboa, ISCTE - IUL, pp. 217 - 218 e p. 255.

121 A 31 de janeiro de 1962 Cuba foi suspensa da Organização dos Estados Americanos (OEA) pelo seu Governo

se ter identificado oficialmente como marxista-leninista e alinhado com o Bloco do Leste, o que foi considerado incompatível com os princípios e objetivos do sistema interamericano. O Brasil foi um dos seis Estados que se absteve na votação, tendo os demais, com exceção de Cuba, se manifestado favoravelmente à resolução. Sobre o posicionamento do Governo brasileiro em relação à suspensão de Cuba da OEA, ver: Bezerra, Gustavo Henrique Marques (2010), Brasil-Cuba: Relações Político Diplomáticas no Contexto da

Guerra Fria (1959 – 1986). Brasília, FUNAG, pp. 53-59.

122 Telegrama enviado pela embaixada do Brasil em Washington para o MRE sobre Portugal e a NATO, de 30 de

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Nas semanas que seguiram o 11 de março, o Secretário de Estado Henry Kissinger propôs junto dos demais membros da Aliança Atlântica a adoção de duras medidas contra Portugal, que deveriam servir de exemplo – Teoria da Vacina – para os Estados europeus onde os partidos comunistas assumiam crescente protagonismo político. Esta posição foi contestada pelos parceiros europeus da NATO, em especial pela RFA123, favoráveis ao apoio às forças moderadas e contrários a uma ação que pudesse ser percecionada em Portugal como hostil, cujo resultado seria o fortalecimento da extrema- esquerda. Também o embaixador dos EUA em Lisboa, Frank Carlucci, opunha-se à estratégia de isolamento internacional, acreditando que isto favoreceria o PCP124. As divergências entre Carlucci e

Kissinger cresceriam nos meses seguintes refletindo o confronto entre duas escolas de pensamento no seio da Administração Ford. Enquanto o embaixador norte-americano defendia que Portugal não estava definitivamente perdido para o comunismo e que a aposta nos sectores moderados constituiria um sinal de coesão do Ocidente, o Secretário de Estado pretendia aplicar a Teoria da Vacina de modo a dissuadir futuras ameaças ao equilíbrio da détente125.

Apesar da embaixada do Brasil em Washington não considerar a expulsão de Portugal da NATO “viável nem factível”, pois não alteraria a questão de fundo, já que a “ameaça portuguesa continuaria presente na Europa”126, os EUA e o Reino Unido desenvolveram estudos exclusivamente militares sobre os efeitos de uma possível suspensão do país da Aliança Atlântica. A conclusão, em consonância com a interpretação feita pelo Itamaraty, era a de que a retirada das forças militares

123 O apoio da CEE a Portugal, incentivado por Bona, também tinha como propósito assegurar a projeção e a

afirmação internacional da política externa alemã: Ostpolitik. O êxito da transição portuguesa serviria como exemplo de que a democratização poderia alargar-se a Leste, concorrendo para a unificação da Alemanha e para o processo de construção europeia. Terá sido este o sentido mais profundo do empenho germânico em Portugal, cuja manutenção no campo ocidental e o êxito da transição concorreriam para a viabilização dos seus interesses na Europa a médio prazo. Ver: Castro, Francisco (2002), “A CEE e o PREC”, Penélope, (26), p. 130; Fonseca, Ana Mónica (2011), É preciso Regar os Cravos». A Social-Democracia Alemã e a Transição

Para a Democracia em Portugal (1974 – 1976), Tese de Doutoramento em História Moderna e

Contemporânea, Lisboa, ISCTE - IUL, pp. 180 e 241.

124 Sá, Tiago Moreira de (2009), Os Estados Unidos da América e a Democracia Portuguesa (1974 – 76),

Lisboa, Instituto Diplomático, pp. 305 - 309.

125 A Teoria da Vacina resultou da perceção existente no círculo próximo ao Secretário de Estado, Henry

Kissinger, de que Portugal iria tornar-se num país comunista alinhado com o bloco soviético, ou numa ditadura militar, sob forte influência do PCP, com uma política externa não-alinhada. A partir desta avaliação e tendo em consideração as suas implicações para o futuro da Europa do Sul e para a NATO, Kissinger defendia que Portugal deveria ser isolado no seio da Aliança Atlântica; deste modo evitava-se que se transformasse num problema de segurança para a Organização. Ademais, um Portugal marginalizado, empobrecido e periférico constituiria um exemplo a não ser seguido por Itália, França, Espanha e Grécia. Ver: Idem, Ibidem, p.312.

126 Telegrama enviado pela embaixada do Brasil em Washington para o MRE sobre Portugal e a OTAN, de 30 de

41 portuguesas da NATO teria um impacto geoestratégico diminuto, mas o efeito moral seria considerável127. Em abril de 1975 a embaixada do Brasil no Reino Unido consultou o Foreign Office

sobre este assunto. A diplomacia britânica “não acreditava em uma rutura próxima entre o novo regime português e o sistema Atlântico”, sobretudo “devido à relutância de Moscou em encorajar um reversement des alliances em Portugal”. Naquele momento a maior preocupação do Governo de Harold Wilson era com o Executivo de Vasco Gonçalves, que considerava incapaz de “pautar-se por critérios mais realistas do que ideológicos” 128.

A vitória das forças moderadas, PS e PSD, nas eleições de 25 de Abril de 1975 para a Assembleia Constituinte não se fez sentir imediatamente pois a reação da extrema-esquerda foi a radicalização do processo político. Os parceiros europeus exerceram forte pressão, política e económica, condicionando o auxílio a Portugal à evolução no sentido de uma democracia pluralista. Nos meses seguintes a CEE suspendeu qualquer tipo de ajuda significativa ao Governo português e intensificou o apoio aos sectores moderados. Nas consultas bilaterais o Itamaraty não escondia as reservas em relação ao gonçalvismo, mas assumia uma posição otimista quanto ao futuro da revolução portuguesa. A 17 de maio de 1975, o Ministro Azeredo da Silveira recebeu o embaixador dos EUA em Brasília, John Crimmins, no âmbito das consultas regulares que mantinham sobre Portugal. O Chanceler afirmou que Vasco Gonçalves tinha uma “personalidade emocionalmente confusa”, o que não lhe permitiria manter-se no poder por muito tempo. Apesar da radicalização política em curso, o Brasil não acreditava que “os comunistas iriam ocupar as posições-chave do Estado”. Pelo contrário, o Itamaraty esperava que a “situação militar se alterasse em prol dos sectores militares moderados” 129.

Estas palavras foram ditas a cerca de uma semana da Cimeira da NATO em Bruxelas, ocasião em que o Presidente Ford voltaria a questionar a participação portuguesa na Organização com o argumento de que a presença de comunistas no Governo em Lisboa constituía um contrassenso ao espírito da Aliança130.

A 4 de Junho de 1975, o embaixador do Brasil nos EUA, Araújo Castro, reuniu-se com o Subsecretário de Estado para Assuntos Europeus, Bruce Laingen, com o propósito de trocar impressões sobre a revolução portuguesa. Segundo Laingen, Vasco Gonçalves vinha procurando tranquilizar a Administração Ford quanto ao rumo político em Portugal, tendo assumido o compromisso de que o seu país “não pretendia desempenhar o papel de «cavalo de Troia» no seio da Aliança Atlântica”. Os EUA e o Brasil estavam de acordo de que naquele momento existiam várias

127 Telo, António José (2008), História Contemporânea de Portugal, Lisboa, Presença, II, pp. 197 - 198.

128 Telegrama enviado pela embaixada do Brasil em Londres para o MRE sobre a perspetiva britânica acerca da

conjuntura política portuguesa, de 25 de Abril de 1975, p. 2. AHMRE – 600 (F42), 01/04/75 – 30/07/75.

129 Telegrama enviado pelo Departamento de Estado para a embaixada dos EUA em Brasília sobre Highlights of

Secretary’s Luncheon for Silveira, de 17 de maio de 1975, pp. 1 - 4. NARA – 1975State115636.

130 Sá, Tiago Moreira (2009), Os Estados Unidos da América e a Democracia Portuguesa (1974 – 76), Lisboa,

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forças em confronto pelo controlo da revolução portuguesa. O problema, segundo Laingen, era que “o Departamento de Estado não via essa diferenciação com perfeita nitidez” e por isso optara pela estratégia do “wait and see”. Na opinião do embaixador brasileiro, Washington estava a seguir um “approach moderado em relação ao Governo de Lisboa” – tendo em consideração a fluidez da conjuntura política – e “abstendo-se de encorajar os elementos direitistas que se colocam no campo da contestação do regime”. Esta inflexão decorreria da constatação de que a adoção de medidas duras contra o Executivo de Vasco Gonçalves, como a eventual suspensão da NATO, não resolvia o problema central que era a “presença de um Portugal marxista na Europa”. Isto é, “não sendo possível expulsar o país do continente o mais sensato era favorecer as forças moderadas”. Apesar das incertezas quanto os rumos da evolução política em Lisboa, Laingen afirmou que os EUA “não consideravam irreversível o rumo de Portugal para o comunismo” e afirmou: “we have not written Portugal off”131.

Em finais de maio e princípios de junho as divisões no seio do MFA aumentaram. De um lado estava a parte da esquerda militar, agrupada à volta de Vasco Gonçalves e de Otelo Saraiva de Carvalho e do outro lado os sectores moderados do Movimento, liderados por Melo Antunes, Vítor Alves e Vasco Lourenço. No princípio de junho, a Comissão Dinamizadora Central do MFA, afeta à linha gonçalvista, divulgou um documento a defender a implantação de uma “democracia popular” em Portugal, à semelhança do que ocorria na Europa do Leste. Após intensas negociações lideradas pelo Presidente Costa Gomes, o CR reafirmou publicamente a sua fidelidade à construção de uma sociedade pluralista e recusou a instauração de uma “ditadura do proletariado”132. O frágil compromisso alcançado entre os diversos sectores do MFA, expresso no Plano de Ação Política