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A 15 de Março de 1979 tomou posse em Brasília, João Baptista Figueiredo, último Presidente militar antes do regresso à democracia. O seu mandato foi em parte condicionado pelas escolhas do seu antecessor, Ernesto Geisel, que iniciara o processo de liberalização do regime e adotara medidas que deveriam garantir a sua irreversibilidade, com a extinção do Ato Constitucional n.º 5538 e a submissão

da linha dura do regime à abertura democrática. Os primeiros anos da década de 1980 no Brasil foram marcados pelo encerramento do ciclo político e institucional iniciado com o golpe civil-militar de 1964 e pelo fim do milagre económico, cujos sinais de esgotamento tornaram-se evidentes durante o Governo Figueiredo (15.03.1979 – 15.03.1985).

A embaixada de Portugal em Brasília considerava que as medidas adotadas para a democratização não permitiam superar, no imediato, “os impasses e contradições gerados pelo regime autoritário”. Ademais, a missão portuguesa notava que o país estava “profundamente dividido quanto à natureza e a amplitude das reformas”, cujo real propósito para muitos era “conferir uma fachada democratizante a uma estrutura autoritária” que perdia rapidamente a legitimidade539. Francisco Carlos observa que para a ditadura civil-militar a liberalização política representava o regresso ao Estado de

538 A Emenda Constitucional n.º 11, de 13 de outubro de 1978, extinguiu os Atos Institucionais e os Atos

Complementares.

539 Relatório enviado pela embaixada de Portugal em Brasília para o MNE sobre a transição para a democracia

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direito e a reconstitucionalização do regime, mas não necessariamente a redemocratização do país. Neste sentido, Governo empenhou-se em controlar e regular a distensão, assegurando que o Executivo não seria ultrapassado pelo movimento popular na condução do processo de transição política540.

Ao longo de 1979 o Governo Figueiredo manteve o controlo da abertura por meio de duas iniciativas formuladas no seio do Executivo, a Lei da Anistia (28.08.1979)541 e a Lei Orgânica dos Partidos Políticos (20.12.1979)542, que reorganizava o sistema partidário pondo termo ao

bipartidarismo compulsório. Desde as eleições de 1974 que o sistema bipartidário, ao agregar toda a oposição sob a legenda do MDB, vinha favorecendo o seu desempenho e dificultando a vitória das forças pró-governamentais. Assim, o regresso ao pluripartidarismo integrava a estratégia do Governo para controlar a transição pela via eleitoral, cabendo ao Partido Democrático Social (PDS), herdeiro da ARENA, sobrepor-se à oposição então dividida em várias formações políticas543.

No plano político-partidário, acentuava-se a diferença entre os sectores que aceitavam as medidas liberalizantes adotadas pelos militares como um passo importante rumo à normalidade democrática e os que defendiam a radicalização das reivindicações apresentadas ao Governo. Embora a oposição procurasse manter-se unida em torno do que fora o MDB, a sua heterogeneidade ideológica e as divergências quanto aos objetivos e estratégias a curto prazo parecia tornar inevitável a rutura. Na opinião do embaixador de Portugal, José Eduardo Menezes Rosa, estava em curso “um reordenamento do espectro partidário” que poderia contribuir para uma maior “clarificação política” e, ao mesmo tempo, verificar a “consistência do projecto de democratização tutelada proposto pelo Governo”. O desafio colocado ao Presidente Figueiredo seria o de “conciliar o espírito conservador das Forças Armadas com as amplas reformas políticas exigidas pela oposição”544.

A transição para a democracia em Portugal e a experiência de recondução dos militares aos quartéis constituía um exemplo para as oposições brasileiras. O antigo Ministro das Relações Exteriores e reputado constitucionalista, Afonso de Melo Arinos, era uma das personalidades que frequentemente citava o caso português. Em entrevista ao Jornal do Brasil afirmou: “os portugueses e a sua Constituição estão nos ensinando uma lição importante. A definição do poder corresponde a uma

540 Silva, Francisco Carlos Teixeira (2003), “Crise da Ditadura Militar e o Processo de Abertura Militar no

Brasil, 1974 – 1985”, em Jorge Ferreira e Lucília Neves Delgado (org.), O Brasil Republicano. O tempo da

ditadura – regime militar e movimentos sociais em fins do século XX, Rio de Janeiro Civilização Editora, IV,

pp. 263 e 269.

541 A Lei da Anistia (28.08.1979) foi decretada pelo Governo sem negociação prévia com a oposição e não

abrangia apenas os perseguidos políticos pelo regime, mas, também, os militares.

542 A Lei.6.767, de 20 de dezembro de 1979, revogou o bipartidarismo obrigatório, permitindo, após quinze anos,

o regresso ao pluripartidarismo.

543 Skidmore, Thomas (1988), “A Lenta Via Brasileira para a Democratização: 1974 – 1985”, em Alfred Stepan

(org.), Democratizando o Brasil, Rio de Janeiro, Paz e Terra, pp. 54 - 55.

544 Relatório enviado pela embaixada de Portugal em Brasília para o MNE sobre a transição para a democracia

169 limitação do Poder”545. Os Serviços de Informação brasileiros acompanhavam com especial atenção as relações entre as esquerdas portuguesas e as oposições políticas no Brasil e no exílio. Em janeiro de 1979, Severo Fagundes Gomes, antigo Ministro dos Governos Castelo Branco e Ernesto Geisel e próximo do MDB, deslocou-se a Lisboa para encontrar-se com Leonel Brizola. O objetivo de Severo Gomes era convencer Brizola a “suspender as articulações para recriar o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), obstando, assim, à fragmentação da frente oposicionista”. Tendo em vista a promulgação de uma nova Constituição e da Lei da Amnistia, Brizola deveria prescindir da sua agenda política e “evitar a transformação do seu regresso ao Brasil em fator capaz de dificultar o processo de distensão política em curso”. A referida reunião contou com a presença de figuras relevantes da oposição democrática brasileira, como Fernando Gasparin e Hermano Alves, e teve o apoio do Partido Socialista. A embaixada do Brasil em Lisboa confirmou aos Serviços de Informação que Mário Soares “persistia no propósito de concorrer para o reforço da oposição brasileira”546. Em junho do mesmo ano várias lideranças expressivas do antigo PTB, bem como de outros segmentos da oposição, voltariam a reunir-se na sede do PS, em Lisboa, sob égide de Leonel Brizola e com os auspícios da Internacional Socialista com o propósito de relançar o trabalhismo547. O apoio a Leonel Brizola contrariava

fortemente a estratégia de Brasília que, face à inevitabilidade do seu regresso com a Lei da Anistia, fomentava a divisão entre os trabalhistas com o objetivo de neutralizar as facões mais à esquerda, das quais o ex-Governador do Rio Grande do Sul era o expoente548.

Entre os principais problemas que o Governo Figueiredo tinha que enfrentar destacavam-se o crescente endividamento externo e a inflação descontrolada, os quais pretendia solucionar através do autofinanciamento do desenvolvimento. Como observou o MNE, o Palácio do Planalto, “guiado pelo desejo de conciliar a política económica do Governo com os imperativos sociais da abertura democrática”, optou pelo “campo dos desenvolvimentistas” e nomeou em agosto de 1979, o antigo Ministro da Fazenda, António Delfim Neto, para Ministério do Planeamento, reafirmando assim a ênfase no modelo exportador no qual assentou o milagre económico549. Com o agravar da situação económica e o impacto negativo das medidas de austeridade, teve início uma vaga de manifestações e greves que foram duramente reprimidas pelo Governo. O uso excessivo da força contrastava com a retórica da abertura e assinalou o momento em que os sectores militares contrários à liberalização

545 Recorte de imprensa enviado pela embaixada de Portugal em Brasília para o MNE, de 9 de fevereiro de 1979,

pp.1 - 3. AHDMNE – PEA 1979/ 23;34.

546 Relatório da DSI para o Ministro da Justiça sobre o encontro entre Leonel Brizola e Severo Gomes em

Portugal, de 19 de janeiro de 1979, p.1. AHN – RIO.TT.O.MCP.PRO.1620

547 Batistella, Alessandro (2013), “O Trabalhismo Getulista Reformista do Antigo PTB e o «Novo Trabalhismo»

do PDT: Continuidades e Descontinuidades”, AEDOS, 5, (12), p. 122

548 Freire, Américo (2014), “A Via Partidária da Transição Política Brasileira”, Varia História, 30, (52), p.304 549 Informação de Serviço sobre a conjuntura política brasileira elaborado pelo MNE, de 14 de janeiro de 1981,

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realizaram uma sucessão de atos violentos em reação à política de redemocratização gradual em curso550.

Em Portugal, no mês de dezembro de 1979, a Aliança Democrática, uma coligação de centro- direita entre o PSD, o CDS e o PPM, venceu as eleições intercalares e constituiu a primeira maioria de direita desde o 25 de Abril551. A 3 de janeiro de 1980 tomou posse o VI Governo Constitucional (03.01.80 – 04.12.80), liderado por Francisco Sá Carneiro, e que tinha como um dos principais objetivos vencer as eleições parlamentares de outubro e as presidenciais de dezembro do mesmo ano, de modo a reforçar a sua posição e assegurar a realização das reformas estruturais na próxima legislatura, principalmente a revisão constitucional. Com este propósito, a AD aprofundou a estratégia de polarização política, beneficiando do descontentamento existente em relação às medidas de austeridade adotadas pelos Executivos anteriores, o que penalizava o PS e os Governos de iniciativa presidencial, e afetava indiretamente o Chefe de Estado552. Como observou António Reis, o VI Governo “nascia sob o signo da guerrilha institucional”, era “um executivo em campanha”553 cuja

prioridade parecia ser cumprir o mote da AD: Um Governo, Uma Maioria, Um Presidente. O Primeiro-Ministro Francisco Sá Carneiro deixara claro que almejava a eleição de um Presidente da confiança da AD e durante o seu curto mandato fez oposição aberta a Ramalho Eanes, cujo clímax foi atingido nas vésperas da eleição presidencial de 1980. Entre as críticas feitas pelo Executivo ao Chefe de Estado, destacavam-se a de que Ramalho Eanes obstruía os projetos de lei apresentados pelo Governo, interferia na política externa por meio da sua diplomacia paralela, e favorecia a formação de um bloco central com a finalidade de enfraquecer a AD554. No entanto, a principal discordância entre

São Bento e Belém dizia respeito ao processo de revisão constitucional, em particular a regra de que o mesmo só poderia ocorrer com a aprovação de dois terços da Assembleia da República. Embora otimista quanto à vitória nas legislativas de outubro de 1980, a AD sabia ser pouco provável eleger o número de deputados necessário para realizar sozinha a revisão, e não queria depender do PS, pretendendo por isso alterar a lei de modo a viabilizá-la por maioria simples555. Por sua vez, o

550 Skidmore, Thomas (1988), “A Lenta Via Brasileira para a Democratização: 1974 – 1985”, em Alfred Stepan

(org.), Democratizando o Brasil, Rio de Janeiro, Paz e Terra, pp.58 - 59.

551 O VI Governo Constitucional, oriundo das eleições intercalares de Dezembro 1979, das quais saíra vencedora

a Aliança Democrática, dispunha da maioria na Assembleia da República (121 em 250 deputados – tendo recebido 42,52% dos votos) e era chefiado por Francisco de Sá Carneiro, presidente do PSD, e por Diogo Freitas do Amaral, presidente do CDS que ocupava os cargos de VPM e MENE. Ver: CNE, disponível em

http://eleicoes.cne.pt/ e consultado a 15.11.2014.

552 Telo, António José (2007), História Contemporânea de Portugal, Lisboa, Presença, I, pp. 216 - 217.

553 Reis, António (1992), “Os Governos Constitucionais: da Alternância no Poder ao Sistema de Partido

Dominante”, em António Reis (dir.), Portugal Contemporâneo, Lisboa, Alfa, VI, p.70.

554 Rezola, Maria Inácia (2012), Melo Antunes. Uma Biografia Política, Lisboa, Âncora, pp. 670 - 671.

555 Reis, António (1994), “O Poder Central”, em António Reis (coord.), Portugal 20 anos de Democracia,

171 Presidente Eanes, apoiado pelos socialistas, manifestara que se reeleito vetaria esta iniciativa por considerá-la inconstitucional. Face a este quadro, só restava a AD lançar o seu próprio candidato à Presidência, que estivesse em sintonia com os seus objetivos políticos556.

A embaixada do Brasil em Lisboa considerava que ao longo dos meses que antecederam as eleições de 1980, o Primeiro-Ministro Francisco Sá Carneiro radicalizou o debate político com o propósito de assegurar a dupla vitória nas legislativas (5 de outubro) e nas presidenciais (7 de dezembro). De um lado estariam os “bons: a AD e o seu candidato à Presidência, o general António Soares Carneiro. Do outro, estariam os maus: o PS, o PCP e Ramalho Eanes, o “candidato apoiado pelos comunistas”557. Segundo António Reis, a escolha de Soares Carneiro, um general conservador,

explorava as divisões existentes entre os sectores militares de direita e de esquerda e concorria para a bipolarização sociedade portuguesa558. Na opinião de Carlos Gaspar, a disputa entre Ramalho Eanes e

Soares Carneiro acabou por refletir o confronto entre duas perspetivas acerca do processo de revisão constitucional, e, por conseguinte, do novo equilíbrio institucional e da redistribuição do poder no país nos próximos anos559.

A primeira parte da estratégia gizada por Sá Carneiro teve êxito, já que a AD elegeu mais cinco deputados, passando de 121 para 126 parlamentares, e reforçou a sua popularidade. Faltava derrotar Ramalho Eanes para alcançar o almejado duplo controlo do Executivo e da Presidência, e implementar as reformas pretendidas. A três dias das eleições presidenciais um acidente aéreo vitimou o Primeiro-Ministro, Francisco Sá Carneiro, e o Ministro da Defesa Nacional (MDN), Adelino Amaro da Costa. A reeleição de Ramalho Eanes logo na primeira volta, com 56,44% dos votos, e a perda do líder da Aliança Democrática, influenciaram o equilíbrio político português e a estratégia de poder do centro-direita. Como observou António Telo, a AD fora em larga medida um projeto de Sá Carneiro para a prossecução de uma visão de longo prazo para Portugal, cujo êxito dependera, também, dos compromissos assumidos por Adelino Amaro da Costa no interior do CDS. Apesar de dispor da maioria na Assembleia, com o súbito desaparecimento dos dois líderes partidários não havia concordância no seio da Aliança Democrática quanto a quem entregar a chefia do Executivo560.

A 9 de janeiro de 1981, Francisco Pinto Balsemão tomou posse como Primeiro-Ministro do VII Governo Constitucional (09.01.1981 – 04.09.1981), o segundo de responsabilidade da AD,

556 Gaspar, Carlos (1990), “O Processo Constitucional e a Estabilidade do Regime”, Análise Social, XXV, (105 –

106), p. 20.

557 Telegrama enviado pela embaixada do Brasil em Lisboa para o MRE. Relatório de 1980 sobre Portugal, de 15

de janeiro de 1981, pp. 1 - 14. AHMRE – 600. (F - 42). Confidencial.

558 Reis, António (1992), “A Revolução de 25 de Abril de 1974, o MFA e o Processo de Democratização”, em

António Reis (dir.), Portugal Contemporâneo, Lisboa, Alfa, VI, p.71.

559 Gaspar, Carlos (1990), “O Processo Constitucional e a Estabilidade do Regime”, Análise Social, XXV, (105 –

106), pp. 20 – 21.

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prometendo empenhar-se na solidariedade institucional com Belém561. Na perspetiva da diplomacia brasileira, a reeleição de Eanes e a escolha de Balsemão para chefiar o Executivo, favoreceria a “conciliação” entre a Presidência e o Governo, bem como um “maior entendimento” com os demais partidos políticos, propiciando o “indispensável consenso para a revisão da carta magna”562. A opção

por Francisco Balsemão significou uma inflexão interna no PSD em prol de uma abordagem mais moderada no plano político e económico, privilegiando o entendimento com o Partido Socialista para a realização das reformas pretendidas, em detrimento da estratégia de bipolarização seguida por Sá Carneiro563. O “conteúdo social-democrata” das propostas apresentadas pela AD e, em particular, a

intenção manifestada em “liberalizar a economia, livrando-a das peias que a mantinha presa aos referencias socialistas”, contribuíram para que o Itamaraty avaliasse a ascensão do centro-direita como um sinal encorajador para a estabilização de Portugal, após a “desorganização de vários sectores económicos e a polarização do debate político interno” que sucederam à Revolução564.

Não obstante o empenho reformador, o primeiro Governo de Francisco Balsemão enfrentou grandes dificuldades para cumprir o programa de transformação do regime pós-revolucionário que impulsionara a criação e a atuação da AD até àquele momento. Criticado por sectores do PSD que discordavam da estratégia de conciliação política, sem poder contar com a solidariedade ativa dos parceiros da coligação, e dispondo de uma maioria relativa no Parlamento que exigia acordos para realizar grandes reformas, o Primeiro-Ministro demitiu-se em agosto de 1981. Com esta decisão, Pinto Balsemão pretendia provocar uma clarificação do centro-direita, condicionando o seu eventual regresso à liderança da coligação a um compromisso renovado entre os dirigentes dos partidos que compunham a AD. Perante a ausência de um nome mais consensual, o Conselho Nacional do PSD reafirmou o seu apoio a Balsemão, seguindo-se o CDS e o PPM, tendo os seus líderes, Freitas do Amaral e Ribeiro Teles, respetivamente, aceitado integrar o novo Executivo. O facto da Aliança Democrática contar com uma confortável maioria na Assembleia concorreu para que o Presidente da República decidisse empossar o VIII Governo Constitucional (04.09.1981 – 09.06.1983).

A diplomacia brasileira considerava que a estratégia seguida por Balsemão ao demitir-se permitira que o Executivo chegasse ao final de 1981 “razoavelmente forte e bem estruturado” para viabilizar os objetivos principais da legislatura: “rever a Constituição; negociar a adesão à CEE;

561 Francisco Pinto Balsemão fora um dos três fundadores do PSD, juntamente com Francisco Sá Carneiro e

Magalhães Mota. Apesar do CDS e do PPM terem apoiado a formação do VII Governo constitucional, Freitas do Amaral recusou permanecer no Executivo, transparecendo as divisões e a ausência de solidariedade entre os três partidos que compunham a Aliança o que, em boa medida, levaria a que Balsemão apresentasse a demissão em Agosto de 1981.

562 Telegrama enviado pela embaixada do Brasil em Lisboa para o MRE. Relatório de 1980 sobre Portugal, de 15

de janeiro de 1981, pp. 1 - 14. AHMRE – 600. (F - 42). Confidencial.

563 Telo, António José (2007), História Contemporânea de Portugal, Lisboa, Presença, I, pp. 222 - 225

564 Relatório preparatório para a visita do Presidente Sarney a Portugal, março e abril de 1986, p. 4. AHMRE –

173 reorganizar a economia nacional; e vencer as eleições autárquicas de 1982”565. Três fatores teriam contribuído para aclarar o panorama político português ao longo de 1981. O primeiro, foi a posição mais conciliadora que o Executivo liderado por Francisco Pinto Balsemão imprimiu ao relacionamento com a Presidência da República e com as demais forças políticas. Em segundo lugar, a formação do VIII Governo Constitucional permitiu reunificar a AD num momento em que cresciam as dissensões internas. Por fim, o modo como Ramalho Eanes foi reeleito, logo à primeira volta, concorreu para consolidar a esfera de influência do Presidente da República.

A embaixada do Brasil em Lisboa considerava que a atuação de Ramalho Eanes contribuía para a estabilidade em Portugal. Por um lado, o Presidente teria reforçado a importância da sua magistratura ao permanecer “bastante neutro” em relação às divergências no seio da coligação governante, mantendo a confiança política em Francisco Balsemão até à sua demissão e solicitando que a AD, enquanto maioria parlamentar, formasse o novo Executivo; por outro lado, o Chefe de Estado evitou que o Partido Comunista se apropriasse da sua vitória eleitoral, recompôs a aliança com o PS, e transferiu a Chefia do Estado-maior das F.A., que detivera durante o primeiro mandato, a um aliado, o general Melo Egídio. Segunda o embaixada do Brasil, ao longo de 1980 e 1981 “Eanes demonstrou resistência, capacidade de manobra e habilidade política que surpreenderam seus críticos e adversários”, tendo alcançado “uma popularidade única em Portugal, onde detém o controle real das Forças Armadas e é uma personalidade política em ascensão”566.

Ao iniciar o segundo mandato (14.01.1981), o Presidente da República parecia dispor de uma conjuntura favorável para condicionar a evolução política em Portugal. O exercício da Presidência por um general renomado, que até 1981 esteve a frente do CEMGFA, transmitia a influência da instituição militar no sistema político ao mesmo tempo em que imprimia aos três ramos das F.A. a unidade necessária para a assegurar os compromissos assumidos à volta do MFA567. Por outro lado, o desgaste

simultâneo da AD e do PS e o agravar da conjuntura económica poderiam permitir a Belém maior protagonismo político. Acresce que os socialistas implementavam uma estratégia autónoma que conferia ao partido uma ação determinante no processo de revisão constitucional, aliando-se num primeiro momento a Ramalho Eanes contra a revisão por referendo e, posteriormente, pactuando com AD nos termos em que decorreria o processo, inclusive no que dizia respeito à redução dos poderes do Presidente568. É neste contexto que a ideia de formação de um partido presidencialista começou ganhar

565 Relatório sobre Portugal enviado pela embaixada do Brasil em Lisboa para o MRE, de 1981, pp. 1 - 33.

CPDOC – AAS.1980.04.00.ep.

566 Ibidem.

567 Ferreira, José Medeiros (1993), “Portugal em Transe (1974 – 1985)”, em José Mattoso (dir.), História de

Portugal. s.l., Círculo de Leitores, VIII, p.230.

568 Gaspar, Carlos (1990), “O Processo Constitucional e a Estabilidade do Regime”, Análise Social, XXV, (105 –

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força, suscitando receio junto das lideranças do PSD e do PS de que Chefe de Estado pretenderia cooptar parte dos seus quadros ou mesmo tomar um dos partidos por dentro569.

Enquanto que em Portugal os círculos próximos ao Presidente da República consideravam a possibilidade de que este viesse a exercer maior relevo no processo decisório, no Brasil a Presidência do general Figueiredo era posta em causa. Em janeiro de 1981 o Ministério dos Negócios Estrangeiros considerava que a “incapacidade do Governo para resolver a crise económica era o calcanhar de