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A QUESTÃO DO REGIME NAS RELAÇÕES LUSO BRASILEIRAS

2. AHDMNE – PEA.13 (1977).

75 1977, afirmando que a política externa portuguesa respeitava o princípio de não interferência e que “as relações de Estado a Estado não podem ter sobrecargas ideológicas e devem ser perfeitamente independentes dos respetivos regimes políticos e sociais internos”234.

Não era somente a imprensa que questionava o envolvimento de Mário Soares na política interna brasileira. A embaixada do Brasil em Lisboa tomara conhecimento do conteúdo do telegrama que o Secretário-Geral do PS enviara ao Presidente do MDB, o deputado Ulisses Guimarães, felicitando-o pelo resultado obtido nas eleições gerais de novembro de 1978: “a vitória do MDB confirma o apego do povo brasileiro ao processo de democratização do país, que urge acelerar, a bem da paz, do progresso e do desenvolvimento no Brasil e na América Latina”. Para a diplomacia brasileira as palavras de Mário Soares “não surpreendiam devido às suas ambições de interferir indevidamente no processo político brasileiro, desde quando desempenhava altas funções governamentais”. Uma vez que já não integrava o Executivo, o Itamaraty esperava que o líder do PS viesse “a acentuar seu apoio ao MDB e a outros grupos oposicionistas brasileiros, legais ou clandestinos, cumprindo as determinações da Internacional Socialista”. A gravidade atribuída pela embaixada do Brasil a esta situação deve ser compreendida no contexto em que o regime militar procurava conter o aumento de influência do MDB, como foi exemplificado pelas medidas incluídas no Pacote de Abril. Face a este cenário, o Ministério da Justiça brasileiro alertou para a “necessidade que há de ficarem atentos os órgãos de informação e segurança” de modo a “evitar uma ingerência mais direta do Secretário-Geral do Partido Socialista Português nos assuntos internos do Brasil”235. O apoio à oposição democrática brasileira também era percetível nas condições favoráveis aos

exilados políticos em Portugal236. Segundo a Folha de São Paulo, com o 25 de Abril “Portugal

transformou-se na Meca dos brasileiros contrários ao regime militar” que haviam sido “banidos” do Chile após a queda de Salvador Allende237. Em 1977, o líder histórico, e um dos principais símbolos

da oposição à ditadura militar, Leonel Brizola, obteve do Governo português o estatuto de exilado. A partir de Lisboa, Brizola exerceu intensa atividade política, com considerável repercussão no Brasil, o

234 Informação n.º 995/ 77 da DSI sobre o Comunicado do Primeiro-Ministro Português, de 31 de outubro de

1977, pp. 1 - 3. AHNBR.RIO.TT.D.MCP.PRO.1042.

235 Informação n.º 141/ 78 da DSI acerca das opiniões de Mário Soares sobre as eleições no Brasil, de 12 de

dezembro de 1978, pp. 1 - 2. AHNBR.RIO.TT.D.MCP.PRO.1583.

236 Ao longo de 1977 foram enviadas à embaixada do Brasil em Lisboa várias moções de protesto denunciando a

prisão, tortura e assassinatos alegadamente cometidos pela ditadura brasileira contra os seus opositores políticos. As moções enviadas tinham proveniência variada, a título de exemplo menciona-se: as oriundas da Assembleia da República; do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública da Zona Sul; do Sindicato dos Trabalhadores Gráficos do Sul e Ilhas; da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis; da Junta de Freguesia das Mercês em Lisboa e etc. Ver: Informação n.º 403/ 77 da DSI sobre a campanha de solidariedade portuguesa com subversivos presos no Brasil, de 14 de setembro de 1977, pp. 1 - 2. AHNBR.RIO.TT.O.MCP.PRO.1620.

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que na opinião da embaixada de Portugal em Brasília devia-se mais à “fragilidade e à ausência de renovação dos quadros políticos em exercício” do que à capacidade do antigo Governador do Rio Grande Sul constituir uma alternativa ao regime238.

O embaixador de Portugal no Brasil, José Eduardo Menezes Rosa, procurou relativizar a importância atribuída por parte da imprensa brasileira às atividades dos exilados brasileiros no seu país. Em entrevista à Folha de São Paulo afirmou que este assunto “não tinha afetado de forma alguma as excelentes relações existentes”entre Lisboa e Brasília239. O tom conciliador adotado por Menezes Rosa não era partilhado pelo embaixador do Brasil em Portugal, segundo o qual Leonel Brizola “merecera o apoio do PS, cujo Secretário-Geral, Mário Soares, persiste no propósito de concorrer para o reforço da oposição brasileira.” O Partido Socialista teria auxiliado na realização do encontro entre Leonel Brizola e Severo Fagundes Gomes, ex-ministro do Governo Geisel e próximo do MDB, a 3 de janeiro de 1979, em que se procurou coordenar as oposições internas e as no exílio240. A embaixada do Brasil não só estava certa quanto às diligências feitas por Mário Soares junto da Internacional Socialista a favor de Brizola, como tinha razões para se preocupar com a rearticulação dos asilados em Lisboa241. A partir de 1978, as oposições no Brasil e no estrangeiro adotaram uma

nova estratégia que passava pela aceleração de medidas propostas pelo Governo Geisel, como a distensão política, a revisão da Lei de Segurança Nacional e a aprovação da anistia. Leonel Brizola conseguiu aglutinar os exilados brasileiros em Portugal, vindo a realizar o Encontro de Lisboa em 1979, na sede do PS no Largo do Rato, que constituiu um marco na reorganização do seu campo político – o trabalhismo – e o relançou no cenário nacional brasileiro242.

O receio de que Mário Soares pudesse angariar apoios internacionais para a oposição brasileira é explicitado pela reação da Divisão de Segurança e Informações (DSI) à eventual visita do político português ao Brasil em maio de 1979. Num parecer enviado ao Ministro da Justiça, a DSI alertava para a “inconveniência” da presença de Mário Soares, “seja por suas posições políticas no seio da Internacional Socialista, onde se declarou favorável aos movimentos de libertação na América Latina, seja pelas estreitas ligações com conhecidos contestadores do atual regime e assaltantes a bancos,

238 Contributo enviado pela embaixada de Portugal em Brasília para o MNE sobre as referências do Presidente

Geisel a Brizola, de 22 de setembro de 1978, p. 2. AHDMNE – PEA 20 (1978).

239 Folha de São Paulo, de 16 de maio de 1978, p.10.

240 Informação n. º 026/ 79 da DSI sobre o encontro entre Leonel Brizola e Severo Gomes em Portugal, de 18 de

janeiro de 1979, pp. 1 - 2. AHNBR.RIO.TT.O.MCP.PRO.1620.

241 Segundo Rui Mateus, o apoio financeiro da Internacional Socialista, logístico e político do Partido Socialista,

foi essencial para que Brizola reorganizasse o Partido Trabalhista ao qual estivera desde sempre ligado mas que se mostrava desajustado à nova realidade política brasileira. Um exemplo concreto foi a realização na sede do PS de um encontro entre 70 exilados políticos brasileiros. Ver: Mateus, Rui (1996), Contos Proibidos.

Memórias de um PS Desconhecido, Lisboa, Dom Quixote, p.169.

242 Freire, Américo (2010), “Os Ecos da Estação Lisboa. O exílio das esquerdas brasileiras em Portugal”,

77 como Leonel Brizola”243. Com a promulgação da lei da anistia em agosto de 1979 e o retorno dos exilados ao Brasil, o assunto perderia gradualmente a sua importância.

Ao contrário do que ocorria em Portugal, as Forças Armadas brasileiras constituíam um “corpo coeso”, onde os “elementos de esquerda” há muito tinham sido “saneados”. Ademais, os “militares dominavam quando no serviço ativo e mesmo na reserva”, ocupando cargos de direção em empresas estatais e paraestatais. Em 1977, o MNE considerava que a principal ameaça ao Governo Geisel vinha das “poderosas forças de extrema-direita (alta finança, grande empresariado e alguns círculos militares) ” e não da esquerda que a “repressão eficaz mantém em respeito ou nas prisões”244. Esta

avaliação pouco otimista da diplomacia portuguesa quanto ao êxito da abertura política brasileira deve ser compreendida no contexto em que a linha dura do regime militar procurava afirmar como candidato à sucessão presidencial o então Ministro do Exército, general Sylvio Frota, que questionava abertamente a autoridade do Presidente Geisel245.

Em novembro de 1977 a Divisão da Europa I do MRE elaborou um relatório sobre Portugal, concluindo que a “conjuntura política e económica” implementada no seguimento do período revolucionário “impunha medidas aglutinadoras – mais ao centro – impedindo qualquer viragem à esquerda.” Neste sentido, o I Governo Constitucional, chefiado por Mário Soares, vinha implementando “uma política social-democrata”. Seria difícil convencer os credores de Portugal de que o regresso da extrema-esquerda ao poder não se traduziria em desestabilização interna. Embora vencedor das eleições de 1976, o PS não dispunha de maioria parlamentar e até meados de 1977 o apoio foi proporcionado pelo PSD e pelo CDS de modo ocasional e negociado caso a caso. Para a diplomacia brasileira era evidente que a grave conjuntura económica constrangia fortemente o equilíbrio político e as decisões a serem tomadas. O PS, ao adotar medidas de austeridade em um período de crise económica corria o risco de alienar a sua base de apoio, enquanto o CDS e o PSD evitavam associar-se com um Executivo crescentemente impopular246. Como observou António Telo,

o PS via-se “sob fogo cruzado”, acusado pelo PCP de pactuar com a direita e viabilizar a reversão das conquistas de Abril, criticado pela direita por estabelecer uma aliança tácita com a extrema-esquerda, seguindo uma “política económica desastrosa”. Esta posição gerava divisões internas no Partido Socialista e fragilizava o Governo, o que acabava por favorecer a curto prazo os seus rivais

243 Informação n. º 049/ 79 da DSI sobre viagem de Mário Soares ao Brasil, de 21 de fevereiro de 1979, pp. 1- 2.

AHNBR.RIO.TT.O.MCP.PRO.1645.

244 Informação de Serviço produzida pelo MNE sobre o Brasil, 1977, pp. 1 - 27. AHDMNE – PEA 8 (1977). 245 Gaspari, Elio (2004), A Ditadura Encurralada. São Paulo, Companhia das Letras, pp. 434 - 445. Sobre o

General Sylvio Frota e linha-dura do regime militar brasileiro. Ver: Frota, Sylvio (2006), Ideias Traídos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar; Arturi, Carlos S. (2011), “A Cultura Política da Linha-Dura Militar: Os «Ideais Traídos» do General Sylvio Frota”, em Marcello Baquero (org.), Cultura(s) Política(s) e democracia no

Século XXI na América Latina, Porto Alegre, UFRGS, pp.241 - 262.

246 Relatório enviado pela embaixada do Brasil em Lisboa para o MRE intitulado Estudo básico sobre Portugal,

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políticos247. Nos anos imediatos ao 25 de Abril, não havia certeza sobre qual força viria a dominar o sistema político português, de modo que eventuais alianças entre o PS e o PSD eram avaliadas pelos seus dirigentes à luz do risco de alienar as respetivas bases de apoio e as diferenças ideológicas entre os dois partidos248.

No discurso comemorativo do 25 de Abril de 1977, o Presidente Ramalho Eanes deixou claro que o Executivo socialista esgotara o seu período de graça. Dando a entender que o seu apoio ao Governo também estaria prestes a terminar, o Chefe de Estado não escondia a sua preferência por uma aliança PS-PPD-CDS249. Para o Partido Socialista, que apoiara a candidatura de Eanes a Belém, o fim

da solidariedade do Presidente com o Governo, quando o país enfrentava graves dificuldades económicas, representou uma rutura250. Doravante as relações entre Mário Soares e Ramalho Eanes deteriorar-se-iam. Na interpretação socialista a intensa atividade política do Presidente da República era a expressão de tendências castrenses que punham em causa o regime de partidos. Caberia ao PS, pelo menos numa fase inicial, fazer frente ao que considerava ser o crescente protagonismo de Ramalho Eanes251.

Em dezembro de 1977, o I Governo Constitucional chegou a um impasse: havia que adotar fortes medidas restritivas para assinar o acordo com o FMI e o PS não contava com o apoio da oposição, CDS e PPD. Na ausência de entendimento, Mário Soares apresentou uma moção de confiança ao Parlamento que saiu derrotada e resultou na queda do Executivo252. A formação do II

Governo Constitucional (23.01.1978 – 29.08.1978), decorrente da coligação entre o PS e o CDS foi apresentada pelos partidos às suas bases eleitorais como resultante de um período de emergência nacional, em que o país carecia de um Governo maioritário para negociar o financiamento externo. Para os socialistas, a presença do Centro Democrático Social no Executivo deveria permitir partilhar os custos políticos da austeridade e assegurar a governabilidade. Por sua vez, o CDS pretendia tirar proveito da crise interna do PPD para tentar ocupar o lugar deste partido à direita do PS253. Segundo

Maria Inácia Rezola, neste período de impasse político que ameaçava comprometer o programa de ajustamento económico e a credibilidade internacional do país, Ramalho Eanes assumiu maior

247 Telo, António José (2007), História Contemporânea de Portugal, Lisboa, Presença, I, pp. 199.

248 Frain, Maritheresa (1998), PPD/ PSD e a Consolidação do Regime Democrático, Lisboa, Notícias, p. 125. 249 Telo, António José (2007), História Contemporânea de Portugal, Lisboa, Presença, I, pp. 202.

250 Reis, António (1989), “O Partido Socialista na Revolução, no Poder e na Oposição”, em Mário Baptista

Coelho (coord.), Portugal – o Sistema Político e Constitucional (1974 – 1987), Lisboa, ICS, p.130.

251 Ferreira, José Medeiros (1993), “Portugal em Transe (1974 – 1985)”, em José Mattoso (dir.), História de

Portugal. s.l., Círculo de Leitores, VIII, pp. 242 - 246.

252 Telo, António José (2007), História Contemporânea de Portugal, Lisboa, Presença, I, pp. 203 - 204

253 Ferreira, José Medeiros (1993), “Portugal em Transe (1974 – 1985)”, em José Mattoso (dir.), História de

79 protagonismo com o propósito de viabilizar uma ação governativa consensual que viabilizasse a concessão dos empréstimos externos254.

Ao contrário de Portugal onde o poder militar tendeu a centralizar-se em Ramalho Eanes que acumulava com a Presidência, o Comando das Forças Armadas e a liderança do Conselho da Revolução, gozando de grande respeito junto das tropas – o que concorreu para o seu gradual regresso aos quartéis –, o regime militar brasileiro estava fragmentado entre diversos grupos ou chefias de direita que se alternaram no poder. Outra distinção era a sucessão presidencial, que no Brasil realizava-se dentro da corporação, com pouquíssima ou nenhuma intervenção dos civis nesta decisão255, enquanto que em Portugal o Presidente era eleito por sufrágio direto e com o apoio dos

partidos. Apesar do Presidente da República português concentrar considerável poder militar e político, em virtude de uma conjuntura específica, estes eram concedidos pela Assembleia Constituinte, o que reforçava a sua legitimidade democrática256. Por sua vez, o presidencialismo brasileiro apresentava nuances consoante o mandatário. O estilo de Ernesto Geisel diferiu muito do seu antecessor, Garrastazu Médici, uma vez que delegava menos poderes e reservava para o Presidente a última palavra no processo decisório257.

Um ano antes do mandato de Ernesto Geisel terminar era intenso o debate acerca da sucessão presidencial no Brasil. A 5 de janeiro de 1978, Geisel submeteu à Comissão Executiva da ARENA as candidaturas do general João Batista Figueiredo, Ministro-Chefe do SNI, e do Governador do estado de Minas Gerais, Aureliano Chaves, para a Presidência e a Vice-Presidência respetivamente. A embaixada de Portugal em Brasília não esperava “modificações espetaculares” no panorama político brasileiro, mas considerava que a indicação de um civil para a Vice-Presidência poderia ser “o primeiro passo para uma possível candidatura não militar às eleições de 1984”. Não obstante as reticências manifestadas pela linha-dura do regime e pelo MDB, quanto ao modo como foram escolhidos os dois candidatos, o perfil “liberal moderado” de Aureliano Chaves constituía um sinal positivo 258. Ademais, ao escolher o seu sucessor, Ernesto Geisel pôs termo às aspirações da linha dura do regime militar brasileiro, lideradas pelo general Sílvio Frota, de regressar à Presidência. Como observou Boris Fausto, era um paradoxo da ditadura que o escolhido para prosseguir o lento processo de abertura fosse o responsável pela chefia de um órgão repressivo259.

254 Rezola, Maria Inácia (2012), Melo Antunes. Uma Biografia Política, Lisboa, Âncora, pp. 591 - 592. 255 Fausto, Boris (2001), História Concisa do Brasil, São Paulo, Edusp, pp. 283 - 284.

256 Freire, André e António Costa Pinto (2005), O Poder dos Presidentes. A República Portuguesa em Debate.

Lisboa, Campo da Comunicação, pp. 38 - 41.

257 Góes, Malder (1978), O Brasil do General Geisel. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, p. 24.

258 Informação de Serviço sobre o Brasil realizada pelo MNE, de 22 de março de 1978, pp. 94. AHDMNE –

PEA.20. (1978).

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Apesar das diferenças existentes quanto à natureza do regime e ao processo de normalização democrática português e brasileiro, nos dois países os militares desempenhavam uma função central no equilíbrio político e o relacionamento com o poder civil era frequentemente marcado por tensões. Em Portugal, a presença dos militares na política estava representada pelo Conselho da Revolução (CR) e pelo facto do Presidente ser um general, Ramalho Eanes, que também presidia o CR e era o CEMGFA. Ademais, a Constituição de 1976 concedia amplos poderes ao Presidente da República, que no caso em questão contava com sólidos apoios nas F.A.. Nos primeiros anos após a Revolução não era certo que Portugal viesse a tornar-se uma democracia pluralista, civilista e semipresidencialista, sendo que os partidos políticos tinham que coexistir com os militares que detinham uma parcela considerável do poder260. José Medeiros Ferreira observou que, de 1976 até à revisão constitucional de 1982, a eleição direta para a Presidência foi a “trave mestra da estratégia da instituição militar nas suas relações com o regime democrático”261. Nunca um Presidente da República tivera tanta força militar, tanta predominância sobre os diferentes ramos das Forças Armadas, tanta capacidade de determinar o relacionamento com o poder político262.

Contrapor esta omnipresença castrense tornou-se num dos principais objetivos de Francisco Sá Carneiro a partir de 1978. O líder do PPD acusava o Palácio de Belém de reforçar a via presidencialista e de ter se transformado no “último reduto do MFA”, bloqueando as reformas que considerava necessárias para o desenvolvimento económico e para a conclusão da transição democrática. Doravante, o centro-direita elegeu a reforma da Constituição portuguesa, vedada até 1982, como uma prioridade, já que, na sua opinião, permitiria eliminar os resquícios do poder militar e do gonçalvismo. A importância secundária atribuída por Sá Carneiro ao II Governo Constitucional

260 André Freire chama a atenção para o facto de que nem o PS nem o PSD tinham nos seus projetos de

Constituição (1976) um sistema presidencialista. Segundo o autor, a consagração do sistema de Governo semipresidencialista resultou do tipo de transição para a democracia e pela singularidade de ter tido nos militares um agente determinante. Ver: Freire, André e António Costa Pinto (2005), O Poder dos Presidentes.

A República Portuguesa em Debate. Lisboa, Campo da Comunicação, pp. 35 - 38.

261 Ferreira, José Medeiros (1993), “Portugal em Transe (1974 – 1985)” em José Mattoso (dir.), História de

Portugal. s.l., Círculo de Leitores, VIII, pp. 230 - 235.

262 Manuel Braga da Cruz salienta alguns fatores que explicam a influência militar no sistema de Governo e na

política portuguesa: i) a memória positiva da eleição direta do PR nas campanhas presidenciais dos generais Norton de Matos e Humberto Delgado; ii) a memória de instabilidade política que caracterizou o parlamentarismo da Iª República Portuguesa aconselhava à existência de um poder arbitral, a ser exercido pelos militares, que permitisse ultrapassar os impasses políticos: iii) a fraqueza do recém-formado sistema de partidos políticos na sequência do 25 de Abril que apontava para a necessidade de um Presidente da República forte e que naquela conjuntura tenderia a ser um militar. Ver: Cruz, Manuel Braga (1994), “O Presidente da República na génese e evolução do sistema de Governo português”, Análise Social, vol. XXIX (125 – 126), (1º - 2º), pp. 238 - 240.

81 tinha por objetivo recuperar a iniciativa política para o PPD, afirmando a agenda do partido a nível nacional ao mesmo tempo que retirava protagonismo ao PS263.

Em maio de 1978, o Presidente Ramalho Eanes deslocou-se ao Brasil, naquela que foi a primeira visita oficial ao nível de Chefe de Estado entre os dois países depois do 25 de Abril. Em entrevista à Folha de São Paulo, o embaixador de Portugal, José Menezes Rosa, disse que a visita do Presidente português “inseria-se no quadro da completa normalização das relações bilaterais”, depois de “terem sofrido uma pausa em face de determinadas circunstâncias internas no seguimento do movimento revolucionário”. Todavia, o embaixador português recusava a ideia de “congelamento” dos vínculos entre os dois países frequentemente veiculada pela imprensa, recordando que após as eleições de 1976, à “normalização interna correspondeu uma normalização da política exterior, tendo sido um indicador claro desse fato, em relação ao Brasil, a visita do Primeiro-Ministro Mário Soares, antes do final desse ano”264.

Ao aceitar o convite para que o Presidente Eanes visitasse o Brasil, as autoridades portuguesas “não ignoravam as dificuldades nem as implicações, quer no plano interno, quer no plano externo, que