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Enquanto as relações com Lisboa atravessavam o seu momento de maior tensão, o Governo brasileiro prosseguiu ao longo de 1975 a estratégia de aproximação à África lusófona. A diplomacia brasileira compreendeu que o relacionamento com as ex-colónias portuguesas deveria ser perspetivado no seu conjunto. Em primeiro lugar, aqueles países partilhavam um legado histórico-cultural e um presente de luta pela independência que constituía um traço de união e que influenciou o vínculo estabelecido com o Brasil. Em segundo lugar, os estreitos laços e a solidariedade entre os movimentos de libertação que tinham integrado a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP)174

– alçados ao poder após a independência – fazia com que as relações do Brasil com um país africano lusófono repercutisse, positiva ou negativamente, nos demais. Neste sentido, havia grande expectativa de que o reconhecimento da independência da Guiné e a normalização das relações entre Bissau e Brasília se traduzissem na melhoria automática dos vínculos com Luanda e Maputo. Apesar da influência positiva que esta ação teve, não foi suficiente para alterar a perceção quanto aos reais interesses do Governo Geisel em África, sobretudo junto da FRELIMO. Faltava ao Brasil dar uma prova inequívoca da sua nova política africana. Reconhecer a independência de Angola parecia ser a ocasião perfeita. Por um lado, a fragmentação do poder político em Lisboa e a falta de operacionalidade dos meios militares portugueses, assim como a limitada capacidade de intervenção internacional da Administração Ford, criaram um vazio de poder em África que poderia ser aproveitado pela diplomacia brasileira. Por outro, apesar das reticências quanto ao passado de apoio tácito ao colonialismo e à natureza do regime brasileiro, havia recetividade de parte do grupo próximo a Agostinho Neto no sentido de desenvolver relações com o Brasil175.

A abertura da Representação Especial (22 de março de 1975) do Brasil em Luanda foi determinante para que o Itamaraty definisse a sua posição em relação ao futuro Estado angolano. Até então não havia consenso em Brasília quanto ao movimento de libertação mais favorável aos interesses brasileiros em Angola e tão pouco que decisão tomar caso o Acordo do Alvor não fosse

174 A CONCP foi constituída a 18 de abril de 1961 em Casablanca e tinha por objetivo atrair a atenção da opinião

pública internacional – e o seu auxílio armado e financeiro – e não tanto constituir uma verdadeira instância de coordenação entre os movimentos de libertação envolvidos. Também conhecida pela designação de “Os Cinco”, devido ao número dos territórios representados pelos seus membros fundadores (FRELIMO, MPLA, MLSTP e PAIGC), manteve-se ativa após as independências. Ver: Pélissier, René (2000), “Movimentos de Libertação”, em António Barreto e Maria Filomena Mónica (coord.), Dicionário de História de Portugal.

Suplemento, Lisboa, Livraria Figueirinhas, VIII, pp. 561 - 364.

175 O MRE recebeu da missão em Luanda várias indicações de que o MPLA seria recetivo às relações com o

Brasil após a transferência de poderes, tendo inclusive convidado o Presidente Geisel a participar na cerimónia de independência. Ver: Telegrama enviado pela embaixada de Portugal em Brasília para o MNE sobre o reconhecimento do MPLA, de 11 de novembro de 1975, pp. 1 - 3. AHDMNE – PEA 21/ 1975, n.º 320.

55 cumprido176. A partir de maio de 1975 a diplomacia brasileira concluiu que o equilíbrio de forças alterava-se a favor do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e que as mudanças em curso aceleravam-se à medida que o conflito angolano deixava de ser “apenas local ou luso-africano” e “assumia dimensões internacionais”.O chefe da Representação Especial do Brasil, Ovídeo de Melo, estava convencido de que Rosa Coutinho iria favorecer o Movimento liderado por Agostinho Neto e decidiu intensificar os contatos com o MPLA de modo a verificar em que medida o Movimento seria recetivo a uma aproximação à Brasília177. As diligências efetuadas junto de Lúcio Lara e de Neto tiveram resultado positivo, tendo os dois dirigentes manifestado o “interesse pela cooperação com o Brasil” e solicitado a concessão de linhas de crédito para a importação de artigos brasileiros178.

À medida que se aproximava a data da independência de Angola, um conjunto de fatores pareciam concorrer para a aproximação entre o Governo Geisel e o MPLA. Em Agosto de 1974, Lopo do Nascimento manifestou a Ovídeo de Melo “que o seu partido muito apreciaria que o Brasil permanecesse representado em Luanda” após a transferência de poderes.179 Em outubro, o Alto-

comissário português, Leonel Cardoso, deu uma entrevista ao jornalista Sérgio Oliveira da revista Veja ao qual afirmou “não ter dúvida alguma sobre a capacidade do MPLA para assumir o poder no dia seguinte (à independência) e governar o país com certa eficiência ao mesmo tempo que repele os inimigos”. Segundo o transmitido por Sérgio Oliveira à Representação Especial do Brasil em Luanda, “havia um perfeito entendimento entre o militar português e o MPLA”. Opinião semelhante tinha o cônsul dos EUA naquela cidade, que “reconhecia ao MPLA uma grande capacidade organizativa” e

176 O Acordo de Alvor, celebrado a 15 de janeiro de 1975 entre Portugal, a UNITA, a FNLA e o MPLA,

estabeleceu um Governo de transição e fixou a data da independência de Angola para 11 de novembro de 1975. Segundo o Acordo, o Alto-Comissário português permaneceria dotado de plenos poderes em Angola até à independência, estabelecer-se-ia um Conselho de Defesa Nacional e um exército unificado, com representantes dos três movimentos de libertação signatários. O Governo de Transição entrou em funções no final de janeiro de 1975, mas em breve revelou-se ineficaz. Por um lado, as autoridades portuguesas não foram capazes de assegurar o seu cumprimento; por outro lado, a hostilidade crescente entre a UNITA, FNLA e o MPLA conduziu a um conflito civil armado. Em Junho de 1975, sob a mediação do Quénia, assinou-se o acordo de Nakuru que pretendia reestabelecer a paz e assegurar a transferência pacífica dos poderes agendada para Novembro. Entre Julho e Agosto o MPLA assumiu o controlo militar da capital e mediações, infligindo pesadas baixas a FNLA. Com as forças portuguesas pouco dispostas a intervir e face à progressiva internacionalização do conflito angolano, o Acordo de Alvor tornou-se letra morta. Ver: Wheeler, Douglas e René Pélissier (2013), História de Angola. Lisboa, Tinta-da-China, pp.359 - 361.

177 Telegrama enviado pela representação especial do Brasil em Luanda para o MRE sobre a situação político-

militar em Angola, 21 de maio de 1975, pp. 1 - 12. AHMRE – 600 (A-19). Confidencial. 16/06/72 a 20/08/75.

178 Telegrama enviado pela representação especial do Brasil em Luanda para o MRE sobre a situação político-

militar em Angola, de 2 de maio de 1975, pp. 1 - 4. AHMRE – 600 (A-19). Confidencial 19/06/72 a 30/08/75.

179 Telegrama enviado pela representação especial do Brasil em Luanda para o MRE sobre a situação político-

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não acreditava que a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) seria capaz de alterar o equilíbrio de forças na capital180.

A 30 de outubro, Ovídeo de Melo redigiu um extenso relatório a defender que o Brasil deveria reconhecer o novo Estado angolano liderado pelo MPLA. O diplomata brasileiro entendia que o fim do colonialismo português constituía uma oportunidade ímpar para o Brasil alterar a sua posição em África. Com a retirada de Portugal de Angola, os demais países “poderão começar a competir em igualdade de condições”. O Brasil, um Estado sem capacidade de projeção militar e com limitações económicas, “nada teria para substituir as relações diplomáticas” se não mantivesse a sua Representação aberta após a independência. Caso o Governo brasileiro não reconhecesse o MPLA como poder de facto, estaria “involuntariamente fazendo o jogo que Portugal quis” e, ao mesmo tempo, “deixando o campo livre para todas as forças de predação que já se encontravam disputando a carniça do colonialismo” 181. A menos de duas semanas da independência de Angola, as informações recolhidas pela diplomacia brasileira por meio de fontes diversas, corroborava a ideia de que o MPLA seria favorecido e acabaria por afirmar-se sobre os demais movimentos de libertação.

A decisão brasileira de reconhecer o MPLA decorreu de inúmeras diligências e envolveu membros destacados do corpo diplomático brasileiro. A embaixada do Brasil em Portugal relatava que na imprensa lisboeta prevalecia a “preferência pela corrente chefiada por Agostinho Neto” apresentada como “a única representante do povo angolano e mostrando os demais movimentos sob uma luz mais ou menos desfavorável, frequentemente como instrumentos de interesses estrangeiros”. A missão brasileira estava consciente de que esta leitura parcial decorria da infiltração de “elementos esquerdistas nos corpos redaccionais dos órgãos de imprensa” e que apesar desses grupos não serem representativos da maior parte da população, ao integrarem-se nos meios e comunicação e nas estruturas do Estado tinham uma capacidade real de favorecer o MPLA182.

O Governo Geisel empreendeu um esforço para estar a par da posição que seria adotada pelos demais Estados ocidentais no momento da transferência de poderes em Angola. A 14 de outubro de 1974, o Foreign Office manifestou junto da embaixada do Brasil em Londres prever que o MPLA controlaria Luanda aquando da independência, assumindo na prática a administração do país. Ambas as diplomacias concordavam que o MPLA resistiria em Luanda e que se o Brasil mantivesse a sua representação aberta, reconhecendo o Governo que assumisse o controlo da capital, estaria

180 Telegrama enviado pela embaixada do Brasil em Washington para o MRE sobre entrevista de jornalista

brasileiro com o Alto-Comissário português em Angola, de 30 de outubro de 1975, pp. 1 - 3. AHMRE – 600 (A-19). Confidencial.01/09/75 a 31/12/75.

181 Relatório enviado pela representação especial do Brasil em Luanda para o MRE intitulado Afastamento

Histórico do Brasil em Relação a Angola e Necessidade de Pronto Reconhecimento da Independência deste país, de 31 de outubro de 1975, pp.1 - 12. AHMRE – Confidencial 601 (A-19).

182 Telegrama enviado pela embaixada do Brasil em Lisboa para o MRE sobre a situação político-militar em

57 efetivamente a apoiar o grupo liderado por Agostinho Neto. Essa troca de informações terá sido relevante para que a diplomacia brasileira consolidasse uma posição183.

Cerca de dez dias antes da independência de Angola, as informações recolhidas pelo Itamaraty corroboravam a ideia de que o MPLA seria favorecido e acabaria por afirmar-se, o que terá seguramente influenciado a decisão brasileira. A 3 de novembro de 1975, o Secretário-Geral do Ministério das Relações Exteriores, Saraiva Guerreiro, concluiu em correspondência com o Chanceler Azeredo da Silveira que “aparentemente não há país ocidental que esteja seguro do que fará quando Angola se tornar independente em 11 de Novembro”. Face à proximidade da independência, urgia “simplificar as alternativas” e adotar um “curso de ação que, embora não seja o que desejaríamos, me parece ser, nas circunstâncias, o possível, ou o de menor desgaste”. Para fazer frente às críticas internas e externas do apoio a um movimento próximo do Bloco de Leste, Guerreiro sugeria que a diplomacia brasileira deveria salientar “o caráter não tão monolítico do MPLA” e a “evolução provável no sentido da acomodação à economia ocidental de que continuará, por força das circunstâncias, a fazer parte”. Este discurso não se destinava apenas a conter as críticas, mas esteve na origem da decisão brasileira de apoiar o MPLA. O Itamaraty estava convencido de que a opção pelo marxismo era conjuntural e que o peso do nacionalismo africano, a “situação geográfica e as circunstâncias económicas não permitiriam, à médio prazo, o Governo de Angola “caracterizar-se como uma democracia popular”184. No dia seguinte a ter recebido a correspondência de Saraiva

Guerreiro, o Chanceler Azeredo da Silveira comunicou ao Presidente Geisel que no Itamaraty havia a “inclinação de reconhecer no dia 11 de novembro o Governo angolano”, que se instalasse em Luanda “com características inerentes a esta condição”. O Ministério das Relações Exteriores concluíra que o MPLA detinha o “controle da capital, dos principais portos, e núcleos populacionais”, o que lhe conferia alguma legitimidade para apresentar-se como representante do novo Estado angolano185.

Uma semana antes do 11 de novembro o Chanceler Azeredo da Silveira expôs ao Presidente Geisel os argumentos que conduziriam à decisão de apoiar o MPLA. Segundo o Chanceler, “a situação interna era claramente indicativa de que o MPLA prevalece sobre os outros dois movimentos, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e a FNLA”. Do ponto de vista militar “o MPLA dispõe das melhores condições” 186. No plano diplomático, o Itamaraty consultara 24 capitais

ocidentais sobre a posição que pretendiam adotar em relação ao futuro Estado angolano e concluíra

183 Telegrama enviado pela embaixada do Brasil em Londres para o MRE sobre a perspetiva britânica sobre a

conjuntura angolana, de 14 de outubro de 1975, p. 2. AHMRE – 600 (A-19). Confidencial. 01/09/75 a 31/12/75.

184 Documento enviado pela Secretaria-Geral do Itamaraty para o Ministro de Estado sobre a Independência de

Angola, de 3 de novembro de 1975, pp. 1 - 5. CPDOC/ FGV – AAS.mre.d.1974.03.26.

185 Circular do MRE sobre o reconhecimento de Angola, de 4 de novembro de 1975, pp. 1 - 2. CPDOC/ FGV –

AAS mre/ rb 19740819, Pasta I – 50.

186 Informação para o Sr. Presidente da República sobre o reconhecimento de Angola., de 3 de novembro de

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que a “indecisão era reinante”. A tendência parecia ser para “expressar o reconhecimento da independência de Angola”, evitando “qualquer pronunciamento que pudesse ser interpretado como ato formal de reconhecimento do Governo com sede em Luanda”187. No plano regional, o MPLA contava com “nítida vantagem”, pois tinha o “expresso apoio dos outros quatro países de língua portuguesa: Guiné-Bissau, Cabo-Verde, Moçambique e São Tomé”. Nesse contexto, era previsível que um Governo formado pelo MPLA recebesse o pronto reconhecimento destes Estados e de dezenas de outros países, como sucedera com Bissau. Isto é, o MRE opta pelo MPLA por considerar que o movimento é o mais bem posicionado para a defesa dos interesses brasileiros em África, e em especial juntos das ex-colónias portuguesas. O processo decisório do Itamaraty foi orientado por um projeto de política externa global que definiu a estratégia local188. A 6 de novembro o Presidente Geisel decidiu reconhecer o MPLA como o legítimo representante do novo Estado angolano.

A 8 de novembro de 1975, três dias antes da independência de Angola, Agostinho Neto deslocou-se a Moçambique tendo sido recebido com honras de Estado por Samora Machel, deixando claro que a FRELIMO apoiaria o MPLA como legítimo representante do Governo de Angola e procurando influenciar outros países a adotar decisão semelhante. Antes de partir para Maputo, Agostinho Neto declarou à imprensa que a reunião com Samora Machel era “destinada à reativação da CONCP” e constituiria uma ocasião para dar “certas respostas a Portugal e ao mundo”189. É

significativo que nas vésperas da independência e com o MPLA a ser assediado militarmente em Luanda, Neto se ausentasse de Angola com destino a Moçambique e que mencionasse o propósito de reativar a solidariedade entre os movimentos de libertação integrantes da CONCAP. Desse modo, procurava conferir legitimidade histórica e esclarecer quais tinham sido as forças que combateram o colonialismo e que, por conseguinte, poderiam reclamar o protagonismo político no momento da autodeterminação. O episódio permite inferir que, após o fim do império, a ideia de reconstrução do espaço lusófono também partiu dos países africanos – em um primeiro momento restrito a esses Estados – em torno de uma identidade que não assentava somente no passado de luta comum mas que

187 Foram os seguintes os países consultados: EUA, Canadá, México, Venezuela, Argentina, Peru, Trindade e

Tobago, Guiana, Colômbia, Reino Unido, França, Itália, RFA, Noruega, Suécia, Dinamarca, Holanda, Índia, Japão, Quénia, Egipto, Costa do Marfim, Senegal e Nigéria. Para além destas consultas bilaterais, o ministério das Relações Exteriores estava informado que o Zaire, o Gabão, a Zâmbia e o Alto Volta não admitiam tomar uma posição favorável ao MPLA; enquanto que a Tanzânia, o Congo, Moçambique, Madagáscar, a Somália, a Guiné-Bissau, a Guiné-Conacri e a Argélia provavelmente reconheceriam o Governo constituído pelo MPLA. Ver: Resultado das sondagens feitas pelo MRE junto a 24 países acerca do seu posicionamento face à independência de Angola, primeira semana de novembro de 1976, pp. 1 - 7. CPDOC/ FGV - AAS mre/ rb 19740819, Pasta I – 57.

188 Informação para o Sr. Presidente da República sobre o reconhecimento de Angola, de 3 de novembro de

1975, pp. 1 – 2. CPDOC/ FGV – AAS. mre.d.1974.03.26.

189 Telegrama enviado pela representação do Brasil em Luanda sobre a viagem do Presidente Agostinho Neto a

59 incorporava os vínculos históricos e culturais partilhados. A 10 de novembro o ministério das Relações Exteriores comunicou à embaixada dos EUA e de Portugal que reconheceria o MPLA como legítimo representante do Estado angolano190. Próximo da meia-noite em Angola, o Itamaraty emitiu um comunicado manifestando que “é sua intenção reconhecer prontamente o Governo que for instalado em Luanda” 191.

A 11 de novembro de 1975 o Governo brasileiro foi o primeiro a reconhecer o Movimento Popular de Libertação de Angola como representante do novo Estado angolano, adotando uma decisão de amplo significado estratégico192. Em primeiro lugar, demonstrava possuir uma política própria,

livre do alinhamento bipolar com Washington e dos embaraços causados pela proximidade a Lisboa. Em segundo, Angola era percecionada como a chave da política externa para todo o continente, imprescindível à normalização dos contatos com a FRELIMO193. Em terceiro, Brasília

consubstanciava a sua estratégia de diversificação dos vínculos políticos e económicos, independente das fronteiras ideológicas, cumprindo assim os desígnios do Pragmatismo Responsável.

No que diz respeito ao relacionamento com as ex-colónias portuguesas, a iniciativa brasileira teve efeitos imediatos. A 15 de novembro de 1975, quatro dias após a independência de Angola, Moçambique normalizou as relações com o Brasil. Ainda que esta decisão não tenha significado o fim das reticências por parte das autoridades moçambicanas, foi uma conquista importante para a diplomacia brasileira, que atribuía às relações com Maputo um papel decisivo na consolidação da sua presença na costa Leste de África. Como observou a embaixada dos EUA em Brasília, com o propósito de melhorar a “imagem e a credibilidade” do Brasil junto aos “Estados Africanos mais progressistas”, o Itamaraty entendeu que era urgente “reforçar a sua presença na África lusófona” e demarcar-se do “passado de apoio ao colonialismo português”. O modo mais rápido e eficaz de o fazer

190 Telegrama enviado pela embaixada dos EUA em Brasília para o Departamento de Estado sobre Approach to

Brazil on Question of Angolan Recognition, de 10 de novembro de 1975, pp. 1 - 4. NARA –

1975Brasil09749.

191 Nota de imprensa do MRE sobre o reconhecimento da RPA, de novembro de 1975, p.1. CPDOC/ FGV –

AAS. mremdm1974.03.26.

192 A 9 de novembro de 1975, Ovídio de Melo foi confirmado pelo Itamaraty como o representante especial do

Brasil nas cerimónias de independência a 11 de novembro, data até à qual seria publicado o decreto criando a embaixada brasileira em Angola. Ver: Telegrama enviado pelo MRE para a representação especial do Brasil em Luanda, de 9 de novembro de 1975, pp.1 – 2. AHMRE – Confidencial (601) (A-19).

193 Segundo a embaixada dos EUA em Brasília, o Chanceler Azeredo da Silveira recebera garantias do seu

homólogo moçambicano, Joaquim Chissano, de que em breve Maputo poderia estabelecer relações com o Brasil. Ver: Telegrama enviado pela embaixada dos EUA em Brasília para o Departamento de Estado sobre

Reaction to Brazilian Recognition on MPLA as Government of Angola, de 18 de novembro de 1975, pp. 1 - 4.

NARA –1975Brasil09965; Telegrama enviado pelo MRE para a representação especial do Brasil em Luanda, de 9 de novembro de 1975, pp.1 - 2. AHMRE – Confidencial (601) (A-19)

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seria “apoiar o MPLA em detrimento da FNLA e da UNITA”, cujas relações com o Zaire e com a África do Sul eram questionadas por vários líderes africanos194.

Para uma ditadura que combatia a subversão comunista em território nacional o apoio ao MPLA parecia no mínimo uma contradição. Como notou a embaixada de Portugal em Brasília, os sectores mais conservadores da opinião pública brasileira reagiram enfaticamente contra a decisão do Governo, argumentando que a “a influência soviética” em Angola poderia “constituir uma ameaça militar” à segurança nacional195. O Estado de São Paulo afirmava que “o Brasil foi o único país ocidental que reconheceu o Governo de Luanda”, num gesto “antibrasileiro”, “antiamericano”, “mais africano do que os países africanos” pois a OUA “não reconheceu nem recomendou o reconhecimento” do MPLA196.

Apesar de o Brasil manter relações políticas e económicas com o bloco comunista, e da natureza do regime não ser uma condicionante da política externa, o apoio ao MPLA era extremamente sensível, pois as tensões da Guerra Fria transferiam-se rapidamente para Angola e o país em breve estaria no centro do conflito bipolar197. O Itamaraty elaborou uma narrativa que justificava, interna e