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A(S) CULTURA(S) DA INFÂNCIA: CULTURAS OUTRAS

INFÂNCIAS, CRIANÇAS E CULTURAS INFANTIS: ALGUMAS INTERLOCUÇÕES

3.3 A(S) CULTURA(S) DA INFÂNCIA: CULTURAS OUTRAS

Entre as crianças, há um tempo e um espaço vividos de modo próprio, em comparação ao restante da vida societária, de onde emergem culturas outras, não dominadas por nenhum dos demais grupos etários e que se evidenciam como processos de suas vivências cotidianas. Dentro desse campo vivenciado pelas crianças é produzido “um conjunto de conhecimentos, práticas, sentimentos que constituem formas muito particulares e peculiares de ler o mundo e agir intencionalmente sobre e dentro dele, enformadores de um hábito infantil distinto dos modos adultos” (SILVA, 2010, p. 661). Nessas outras culturas – as cultura(s) da infância, das quais as crianças se apropriam à sua maneira – surgem traços, elementos simbólicos e materiais que as diferenciam das demais.

Tomamos para a discussão o termo cultura(s) da infância, considerando os argumentos de alguns autores (BARBOSA, 2014; COHN, 2009; CORSARO, 2011; SARMENTO, 2004; SARMENTO; PINTO, 1997; SILVA, 2010, entre outros) que vêm problematizando, nos campos da Sociologia da Infância e da Antropologia da Criança, sobre a existência de cultura(s), em uma perspectiva pluralizante. Sarmento e Pinto (1997), por exemplo, justificam

126 a ideia de se discutir a cultura da infância em uma vertente plural por entenderem que não se pode pensar em colocar de lado, na existência de uma epistemologia infantil, as diferentes realizações do processo de produção de sentidos e a pluralidade dos sistemas de valores, de crenças e de representações sociais da criança. Estes autores recusam a hipótese de uma cultura da infância, apoiando-se, ao invés, no caráter múltiplo dos sistemas simbólicos, os quais se caracterizam pelos mundos de vida das crianças e sua heterogeneidade.

O debate acerca do caráter plural da cultura da infância rompe com uma concepção de cultura que, por muitos anos, ocupou um lugar universalizante nas sociedades ocidentais. De acordo com Barbosa (2014), a alta cultura burguesa e a educação formal proporcionaram “[...] a transmissão dessa cultura centralizada, sem apontar seu caráter dinâmico, suas exclusões, seus silenciamentos, suas contradições.” (p. 652). Além disso, favoreceram, também, a hierarquia social propiciada pela distinção social e provocada pelo domínio, ou não, de uma concepção de cultura.

O antropólogo Clifford Geertz (2008), quando se propõe a falar de culturas, no plural, nos orienta na compreensão desse termo, pois, considera as diferenças de cada população, não abordada como igual, mas, ao invés, como recriada e reestruturada de acordo com o tempo, a região, o grupo social, entre outros fatores. Geertz (2008) defende que o conceito de cultura é semiótico. O autor, apoiando-se nas ideias de Max Weber, argumenta que o “homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu” (p. 4), e, então, Gertz assume o termo cultura como essas teias e as suas análises.

Em consonância com essa discussão, Clarice Cohn (2009) nos ajuda na compreensão do significado do termo, na medida em que sinaliza a cultura não apenas como produto dos indivíduos, mas, sobretudo, considera que o mais importante não está tão explicito, isto é, para a autora não são os valores e crenças que são os dados culturais, porém “[...] aquilo que os conforma. E o que conforma é um sistema simbólico acionado pelos atores sociais a cada momento para dar sentido as suas experiências.” (p. 19). É nesse sentido que, para esta pesquisa, adotaremos o significado de cultura, levando em consideração as abordagens de Cohn e Gertz, especialmente, ao defenderem que esta é fundamentalmente simbólica, podendo ser considerada como teias de significados, assim como “[...] mitos, religião, escrita, linguagem, arte e hábitos em que o comportamento das pessoas geram formas culturais diferenciadas, de acordo com distintos fatores.” (GEERTZ, 2008). Isto é, adotamos essa ideia

de cultura, entendendo aquilo que Geertz (2008) nos apresenta, ao sinalizar que a dimensão simbólica está fortemente relacionada à interpretação dos significados das diferentes culturas.

Dessa forma, entendemos que, ao falar de cultura(s) infantil(is), já não é mais suficiente pensá-las a partir de uma noção totalizante e universal, ao invés, é fundamental, principalmente, considerar diferentes noções de culturas que são construídas tendo em vista o reconhecimento da pluralização das sociedades. Nessa perspectiva, os estudos realizados pela Sociologia da Infância vêm mostrando que a interpretação das culturas infantis não ocorre no vazio social, mas sim consideram as condições nas quais as crianças vivem e interagem; isto é, a maneira como as crianças se organizam não acontece de forma separada dos acontecimentos sociais. Entende-se, ainda, que as crianças, com base nas ressignificações que fazem do seu cotidiano, “[...] manifestam jeitos próprios de organização de seu tempo, do espaço e de suas vidas a serem materializados nas regras, nas brincadeiras, nos jogos e nas relações de interações que criam com seus pares.” (CUNHA; SANTOS, 2014, p. 356). Adotando tal perspectiva, esses autores abrem, assim, a oportunidade de se discutir as culturas infantis, de modo a compatibilizar o que as crianças fazem e pensam com aquilo que os outros – que com elas compartilham a cultura, mas que não estão mais na faixa etária infantil – fazem e pensam.

Essas reflexões têm sido mais fortalecidas no campo das Ciências Sociais, principalmente, ao abordar as crianças e suas práticas em si mesmas. O campo da Antropologia, desde a década de 1960, se insere nessa discussão ao trazer os estudos da infância como um subcampo específico. Segundo Cohn (2009), quando se fala em Antropologia da Criança, remete-se à abordagem que analisa o significado de ser criança em culturas diversas, entendendo o lugar que elas ocupam na sociedade em que vivem. Ou seja, os antropólogos passaram a se engajar em grande esforço de rever seus conceitos, permitindo que as crianças sejam estudadas de maneira inovadora – com o uso de um modelo analítico que possibilite entendê-las por si mesmas.

As revisões dos conceitos-chaves da Antropologia permitiram romper com os argumentos de que as crianças são seres incompletos, sendo preparadas para a vida adulta, apenas encenando papéis sociais. Ao contrário disso, na definição de sua própria condição, a criança passa a ser vista como ser social pleno e ganha legitimidade como sujeito nos estudos que são realizados com/sobre ela. Clarice Cohn (2009), com base na Antropologia da Criança, nos leva a pensá-la como um sujeito atuante, “que tem um papel ativo na constituição das relações

128 sociais em que se engaja, não sendo, portanto, passivo na incorporação de papéis e comportamentos sociais.” (p. 28).

A Antropologia da Criança, portanto, considera a capacidade das crianças de dar significado aos elementos da realidade que a rodeiam e de agir em função do significado construído. Também questiona se esses significados se consolidam ou se estruturam simbolicamente, e, ainda, se as culturas elaboradas por elas são construções autônomas independentes da cultura adulta, já que é nessa cultura que estão estabelecidas suas bases.

Articulado a essa discussão, outro campo que tem contribuído com as reflexões sobre essa temática são os estudos da Sociologia da Infância. Para Marchi (2010), a ideia da construção dessa área do conhecimento surgiu desde os anos de 1930, com Manuel Maus, que exortava a comunidade científica a constituí-lo. De acordo com Abramowicz (2011), o movimento da Sociologia da Infância na Europa criou uma nova paisagem científica a partir da década de 1980, e teve um caráter renovador no cenário teórico. Esse movimento tomou as crianças em suas infâncias como o lugar de suas pesquisas; ao mesmo tempo, criou um campo no qual os sociólogos e outros pesquisadores que aderiram a essa vertente fizeram um esforço para compreender o significado ideológico e o valor social atribuído à infância. Na realidade, o que se entende é que a Sociologia da Infância “alargou as possibilidades teóricas de pensar a criança para além de paradigmas teóricos hegemônicos, tal como a psicologia.” (p. 25).

Esse campo buscou desconstruir o tradicional conceito de infância, que entendia como uma fase “natural e universal” da vida e percebia as crianças como objetos passivos de socialização em uma ordem social adulta. Em oposição a essa concepção, Santos (2014, p. 121) sinaliza que os estudos da Sociologia da Infância surgem negando as visões biologicistas e/ou desenvolvimentistas que carregam uma concepção de infância como devir (período transitório para a vida adulta) e a de criança como ser social sem historicidade, admitindo a argumentação da infância como categoria social e a criança como sujeito social de plenos direitos, reformulando, assim, o posicionamento sobre o lugar social que a criança ocupa na produção e na circulação da cultura.

De acordo com Barbosa (2014b), em meados dos anos de 1980, a Sociologia abandonou a tentativa de conhecimento das crianças apenas por meio das análises sobre as instituições que as educavam, tais como as famílias e as escolas. Este campo do conhecimento, a partir desse período, passou a dedicar suas pesquisas de modo a “reconhecer as crianças pelo contato direto com elas e por sua condição social específica.” (BARBOSA, 2014b, p. 650). Com isso,

vê-se surgir diferentes olhares para os estudos relacionados aos campos da criança e da infância, levando-se em consideração as falas e representações de mundo desses seres, ou seja, percebendo-as não apenas como um “objeto a ser conhecido”, mas como sujeitos que apresentam saberes a serem reconhecidos e legitimados.

Em suas observações sobre o campo da Sociologia da Infância, Sarmento (2008) enfatiza que, apesar de essa área do conhecimento científico nunca ter excluído as crianças de suas pesquisas, sendo estas abordadas tanto pela Sociologia da Educação quanto pela Sociologia da Família, os estudos relacionados ao entendimento da criança enquanto sujeito social, demarcados por um campo de conhecimento específico, somente passam a ser desenvolvidos mais fortemente a partir da década de 1990. Para o autor, a criança e a infância ganham maior notoriedade na Sociologia devido ao fato de existir uma preocupação crescente para as dimensões sociais do espaço privado e da individualização. Evidenciam-se, portanto, nesse campo de estudo, as reflexões sobre socialização da criança e, de certo modo, uma negação do conceito de socialização como imposição adulta à criança, e esta como mera receptora passiva da cultura adulta. Nesse sentido, emergiu um novo campo para os estudos sociológicos da infância, pelo qual as crianças passaram a ser vistas como atores sociais nos seus mundos.

No Brasil, de acordo com Quinteiro (2002), as primeiras produções na área da Sociologia da Infância foram apresentadas a partir do relatório elaborado por Sabóia Lima (1939), sob o título “A infância desamparada”. A autora sinaliza que, na década de 1970, surge mais um relatório de pesquisa realizado com o objetivo de subsidiar a definição de políticas e programas sociais, mediante análise da criança em situação de risco. Encomendada pelo Tribunal de Justiça da cidade de São Paulo e realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), a pesquisa “A criança, o adolescente, a cidade” teve por objetivo contribuir para a ação dos juizados de menores, em um período em que a criança pobre, denominada como “menor”, era colocada como um problema social grave.

Quinteiro (2002) socializa essas pesquisas para demarcar a entrada dos estudos do campo disciplinar da Sociologia da Infância no Brasil, mas indica que a grande contribuição ou o marco referencial que trouxe o estudo folclórico e sociológico da cultura e dos grupos infantis aconteceu a partir do trabalho realizado por Florestan Fernandes. Escrito, originalmente, em 1944 para o concurso “Temas brasileiros”, instituído pelo Departamento de Cultura do Grêmio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, o trabalho

130 foi publicado, em 1979, sob o título “As 'trocinhas' do Bom Retiro: contribuição ao estudo

folclórico e sociológico da cultura e dos grupos infantis” (FERNANDES, 2014).

Tratou-se de um registro inédito de elementos constitutivos dos folclores infantis, analisados a partir da observação de um grupo de crianças residentes no bairro operário Bom Retiro, na cidade de São Paulo que, depois da escola, juntava-se nas ruas para brincar. Neste trabalho, o pesquisador trouxe uma descrição detalhada de tudo o que as crianças mostravam quando interagiam entre elas, e analisa o modo como se realiza o processo de socialização das crianças, como constroem seus espaços de sociabilidades, quais características dessas práticas sociais e como se constituem as culturas infantis.

Após a publicação de Florestan Fernandes, somente em 1990 emerge um segundo estudo que aborda sobre as culturas infantis, realizado pelo sociólogo José de Souza Martins (1993). O pesquisador organizou a coletânea de textos sobre “O massacre dos inocentes: a criança

sem infância no Brasil”, no qual “elegeu a criança como testemunha da história por

reconhecer que são elas, os principais portadores da crítica social.” (QUINTEIRO, 2002, p. 152). A partir da análise desse material, Quinteiro (2002) observa que Martins desafiou a tendência, até então presente entre os cientistas sociais, de interessar-se por informantes que estavam no centro dos acontecimentos. Nesse desafio, ele junto com outros autores, escreveu sobre o que sentem, pensam e dizem as crianças das remotas regiões das frentes de ocupação da Amazônia.

Os estudos de Fernandes e Martins foram pioneiros no Brasil e os que começaram a abordar mais especificamente sobre esse campo disciplinar. Após esses trabalhos, a notabilidade da chamada Sociologia da Infância, no país, ocorreu mais fortemente a partir do final do século XX, “quando os estudos sobre as crianças ocidentais passam por significativas mudanças no campo conceitual.” (REIS, 2015, p. 169). Para a autora, os estudos sociológicos como os de Fernandes (1979), Kramer (2000, 2002, 2007), Martins (1993), Fazzi (2007), Quinteiro (2002), entre outros, auxiliaram na compreensão do significado social atribuído a infância. Esses autores, embora associados a diferentes concepções teóricas, reconhecem que “[...] a distribuição desigual de poder entre adultos e crianças tem razões sociais e ideológicas, com consequências no controle e na dominação de grupos.” (REIS, 2015, p. 170).

Na realidade, tanto as discussões antropológicas e sociológicas quanto as revisões de conceitos nos permitiram perceber as crianças de uma maneira nova, atentando para a necessidade de entendê-las e de compreender o seu mundo a partir do seu próprio ponto de

vista. O que se observa é que a Sociologia se apropria dessa discussão, procurando conhecer as crianças pelo contato direto com elas e por sua condição social específica. Ou seja, buscou- se seus “próprios conceitos, da formulação de teorias e abordagem distintas e de constituição de problemáticas autônomas.” (SARMENTO, 2008, p. 18).

A partir dessas vertentes de estudos, as crianças passam a ser percebidas não apenas como seres determinados pelas culturas, mas, sobretudo, contribuem para a sua transformação. Corsaro (2011) defende que “as crianças são agentes sociais, ativos e criativos, que produzem suas próprias e exclusivas culturas infantis, enquanto, simultaneamente, contribuem para a produção das sociedades adultas.” (p. 15). Também em consonância com esse autor, Conh (2009) aborda a cultura enquanto sistema simbólico, negando a ideia de que as crianças somente a incorporam gradativamente. Ao contrário disso, para a autora, a questão está em como as crianças atribuem um sentido ao mundo que as rodeia. O nosso entendimento é que elas são ativas na construção de sentidos, buscam elaborá-los para os contextos nos quais estão imersas e evidenciam suas experiências compartilhadas plenamente na cultura.

Dessa forma, as culturas infantis passam a ser abordadas a partir desses sistemas simbólicos com os quais as crianças elaboram sentidos e significados. Entretanto, é preciso considerar que “[...] esses sentidos têm uma particularidade, e não se confundem nem podem ser reduzidos àqueles elaborados pelos adultos, as crianças têm autonomia cultural frente ao adulto.” (COHN, 2009, p. 35). Isso significa dizer que elas criam suas culturas a partir das suas participações em contextos em que estão inseridas – nos mundos naturais e simbólicos – e com os quais interagem. Mas elas não criam do nada, essas culturas estão atreladas a outras manifestações culturais.

Nessa compreensão, temos visto que enquanto a Antropologia da Criança trabalha com a cultura infantil, reconhecendo que as crianças formulam um sentindo frente ao mundo que as rodeiam, portanto, se constituindo como produtoras de culturas; para a Sociologia da Infância, a questão fundamental é a interpretação da autonomia das culturas da infância em relação aos adultos. Isto é, para a Sociologia as culturas da infância possuem “[...] dimensões relacionais, constituem-se nas interações de pares e das crianças com os adultos, estruturando-se nessas relações formas e conteúdos representacionais distintos.” (SARMENTO, 2004, p. 12). Dessa forma, a vida cotidiana das crianças e as diversidades dos contextos sociais nos quais estão inseridas são aspectos principais para compreender as possibilidades das culturas infantis.

132 Apoiadas nessa discussão, concordamos com Florestan Fernandes (1979) ao afirmar que as culturas infantis emergem do conjunto da dinâmica social, sendo essas culturas reconhecidas nos espaços de brincadeiras e permeadas pela cultura do adulto. Para o autor, tais culturas (infantis) se formam na capacidade de as crianças estabelecerem múltiplas relações com seus pares, com crianças de outras idades e com os adultos, criando e inventando novos significados no interior das relações sociais. Assim, as culturas infantis são entendidas, no âmbito desta pesquisa, considerando o surgimento desse vai e vem das próprias representações de mundo das crianças, como sendo geradas nas interações entre seus grupos, nas brincadeiras, na utilização de suas expressividades (gestuais, verbais, iconográficas), mas em articulação com a cultura adulta, ou seja, atreladas a outras manifestações culturais. Em outras palavras, entendemos que as culturas infantis surgem nas práticas cotidianas, são elaboradas e reelaboradas nas práticas sociais e culturais de cada grupo de criança.

É oportuno observar que as culturas infantis não nascem de um universo simbólico exclusivo da infância, ao contrário, este é um universo, “mais do que qualquer outro, extremamente permeável, e nem lhes é alheia a reflexibilidade social global.” (SARMENTO; PINTO, 1997, p. 21). Nesse contexto, consideramos que as crianças estão em contato com diversas realidades, e que é a partir delas que encontram elementos para a construção de sua identidade pessoal e social, nas relações que estabelecem entre as diferentes situações onde se relacionam com a família, a escola, os amigos, a comunidade (SARMENTO, 2004). Assim, levamos em conta que as culturas infantis transportam marcas dos tempos e expressam a sociedade, frente as suas contradições e complexidades. Com essa compreensão, reconhecemos as crianças como atores/autores sociais de plenos direitos, com capacidade de produção simbólica e constituição das suas representações e crenças em sistemas organizados, isto é, em culturas.

Daí a importância de se reputar que não podemos pensar a criança sem ter como pano de fundo o contexto cultural, e que “os elementos simbólicos que compõem essa cultura não são apropriados pela criança de forma estática e mecânica, uma vez que são passíveis de transformações e interpretações.” (SALGADO, 2015, p. 388). Portanto, nas reflexões sobre as “culturas infantis”, temos observado manifestações tais como: de um lado, as culturas elaboradas por adultos com a finalidade da transmissão para as crianças (culturas para criança e culturas sobre criança), e, por outro lado, a ideia de culturas sendo constituídas ou produzidas pelas crianças. O que consideramos nesse contexto entre culturas geradas,

conduzidas e dirigidas pelos adultos para as crianças e culturas construídas a partir das interações entre as crianças é que se têm constituído os mundos culturais da infância.

Dessa forma, na contemporaneidade, as crianças são percebidas como criadoras de culturas, mas, para a compreensão acerca desta cultura no campo infantil, é necessário refletir sobre as formas culturais criadas por elas nas interações que realizam entre si, com os adultos e com o meio, natural e social. Assim, as culturas infantis encontram nos diferentes grupos de pares o contexto social em que se constituem e se estruturam através de um processo histórico, de aprendizagem e de ressignificação que as vão refazendo continuamente.

Corsaro (2011) faz uso do termo “pares”, especificamente, para se referir a grupos de crianças, de idades aproximadas, que se reúnem diariamente, geralmente em contextos semelhantes e que passam seu tempo juntos – conversando, compartilhando artefatos, brincadeiras, movimentos. Isto é, elas estão no seu cotidiano, nos espaços onde se encontram, desenvolvendo atividades ou, ainda, rotinas ou rituais culturais.

Nessas rotinas ou rituais culturais, as crianças produzem uma série de culturas locais que “[...] se integram e contribuem para as culturas mais amplas de outras crianças e adultos a cujo contexto elas estão integradas.” (CORSARO, 2011, p. 127). Para o autor, as crianças estão envolvidas em processos que variam ao longo do tempo e entre culturas, e a compreensão dessas variantes tem sido o tema central da “nova Sociologia da Infância”.