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A inspiração etnográfica com crianças

EM BUSCA DE UMA METODOLOGIA DE PESQUISA COM CRIANÇA EM UM ESPAÇO DE VIDA PRIVADO/FAMILIAR

2.1 OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ORIENTADORES DA PESQUISA

2.1.2 A inspiração etnográfica com crianças

Ao realizar uma pesquisa com e não apenas sobre crianças, buscamos abordagens metodológicas que, efetivamente, nos ajudassem na escuta das suas vozes e no estar atento às especificidades desses interlocutores. Para dar conta da discussão na qual situamos a criança como atores/autores sociais, considerando as suas formas de agir nos cotidianos, encontramos em alguns trabalhos (BORBA, 2005; MONTEIRO, 2014; SALGADO, 2005; entre outros) a importância das metodologias participativas, principalmente, as etnográficas, sendo referenciadas por estudiosos como Corsaro (2009, 2011), Ferreira (2010), Graue e Walsh

(2003) e Sarmento e Pinto (1997), os quais estão refletindo sobre a pesquisa etnográfica com criança. Ao trazermos essa abordagem metodológica, estamos considerando que as crianças são centrais nas análises, uma vez que “[...] apenas [as crianças] podem nos dar acesso ao que elas sabem sobre o mundo e as pessoas, e o que elas sabem pode dar-nos elementos para uma compreensão analítica que não podem ser obtidos de nenhum outro modo.” (TOREN, 2002 apud FERREIRA; NUNES, 2014, p. 107).

Neste nosso estudo, adotamos a pesquisa de inspiração etnográfica. E essa escolha ocorreu por considerarmos que, diante do nosso contexto de pesquisa, relacionado ao ambiente familiar de crianças, tal perspectiva foi a melhor alternativa para obtermos uma observação mais natural possível dos momentos de brincadeiras e de interações com as tecnologias móveis – smartphone e tablet. Assim, traçamos, neste tópico, alguns princípios da pesquisa etnográfica – que tomamos como postura do pesquisador – em um diálogo entre a Educação, a Sociologia e a Antropologia.

Primeiramente, é oportuno observar que não poderíamos definir esta pesquisa como uma etnografia completa das práticas sociais e culturais do grupo de crianças que interagimos, uma vez que restringimos as observações aos momentos de brincadeiras, definidos na vida cotidiana familiar das crianças (os momentos em que elas não estão na escola e estão livres de atividades institucionalizadas, tais como inglês, natação, dança, futebol, judô, etc). Por isso, afirmamos que este processo de investigação assumiu uma perspectiva etnográfica com criança, ou melhor, adotou observações de orientações etnográficas. Mas o que isso significa? A etnografia tem sido apresentada por vários autores (ANGROSINO, 2009; CONH, 2009; CORSARO, 2009; FERREIRA, 2010; GRAUE; WALSH, 2003; MONTEIRO, 2014; SARMENTO; PINTO, 1997) como uma abordagem de pesquisa privilegiada para os pesquisadores que buscam “compreender ações e os conhecimentos culturais que determinados grupos utilizam para produzir e interpretar as suas atividades cotidianas nos diferentes contextos de participação social.” (BORBA, 2005, p. 90). Mas, para entender as infâncias e suas culturas, Corsaro (2011, p. 61) afirma que este é um viés metodológico que melhor se articula à pesquisa com criança, pois é especialmente adequado para documentar e apreciar relacionamentos de pares das crianças, e para demonstrar como elas constroem significado e contribuem para o processo de reprodução e mudança sociais. Aliadas a essa vertente, Ferreira e Nunes (2014, p. 107) argumentam que, nas pesquisas que se propõem a tomar as crianças como atores/autores sociais, a inspiração etnográfica permite à criança uma

66 participação e voz mais diretas na produção dos dados do que normalmente é possível através das pesquisas experimentais.

Para Angrosino (2009), a pesquisa etnográfica requer um compromisso de longo prazo, sendo conduzida por pesquisadores que pretendem interagir com as pessoas que eles estão investigando durante um longo período de tempo, podendo esse tempo variar durante meses ou anos. O ponto importante desse trabalho prolongado é possibilitar ao pesquisador “descobrir como é a vida cotidiana para os membros do grupo – suas rotinas diárias, suas crenças e seus valores linguísticos e outros sistemas semióticos que permeiam essas atividades e contextos.” (CORSARO, 2011, p. 63). Entre as principais vantagens das etnografias estão: 1) seu poder descritivo; 2) sua capacidade de incorporar a forma, a função e o contexto do comportamento de grupos sociais específicos aos dados; 3) sua captura de dados (em notas de campo e/ou por meio de gravação em áudio ou vídeo) para análise apurada repetida. (CORSARO, 2009, p. 83-84).

Seguindo as orientações dos autores acima citados, as nossas observações etnográficas indicaram para a necessidade de compreender os conhecimentos, ações, planos de ações, interpretações dos sujeitos nas suas construções dos eventos cotidianos de vida e no contexto do seu grupo social. Além desses aspectos, os elementos de inspiração etnográfica nos permitiram perceber o modo como as crianças atribuem significados ao brincar, a partir das interações com as tecnologias móveis, como elas próprias interpretaram essa experiência do brincar ou como esse movimento contribuiu para estruturar os processos de produção das culturas infantis. Para Coll Delgado e Müller (2005), o significado só pode ser compreendido em contexto, ou seja, como as crianças aprendem a orientar-se por entre os sistemas de significados das suas culturas, como operam em termos de crenças, valores e quadros de referências partilhados com os quais interpretam a experiência. As crianças, portanto, criam significados nas culturas infantis.

Entretanto, é oportuno observar que, como afirma Corsaro (2011), no estudo etnográfico com crianças, um dos aspectos fundamentais é a possibilidade de este estudo ser ao mesmo tempo microscópico e holístico. Isto é, para garantir que as interpretações etnográficas sejam culturalmente válidas, nós, pesquisadores, precisamos estar fundamentados no acúmulo das especificidades da vida cotidiana. Simplesmente descrever o que será visto ou ouvido não é suficiente, já que a proposta da etnografia se compromete com um processo de “descrição densa.” (GEERTZ, 2008).

A tessitura de uma descrição densa na concepção deste e de outros autores (CORSARO, 2011; GRAUE; WALSH, 2003) exige que a interpretação ultrapasse o exame microscópico das ações para uma contextualização em um sentido abrangente, a fim de capturar eventos e ações como são entendidos pelos próprios interlocutores. Isto é, nesta pesquisa etnográfica

com criança, tivemos, explicitamente, a intenção de relacionar os acontecimentos observados

com o contexto mais amplo, reconhecendo que as interações entre as crianças são marcadas pelos encontros entre o local e o global.

Considerando os princípios da inspiração etnográfica discutidos acima e os objetivos propostos para este estudo, articulamos e realizamos a observação participante durante a pesquisa de campo. Segundo Macedo (2007), este tipo de observação é um recurso fundamental na pesquisa de abordagem etnográfica, pois permite ao pesquisador se impregnar do sentir, lidando com seduções, manipulações, resistências, surpresas, ou seja, o pesquisador estará impregnado desses sentimentos/sensações, mas fazendo um movimento complexo.

Por sua vez, Corsaro (2009) destaca que a observação participante “[...] é sustentável e comprometida, e requer que o pesquisador não apenas observe repetidamente, mas também participe como um membro do grupo.”(p. 85). Corroborando com essa discussão, Ferreira (2010, p. 170) acrescenta que, na experiência da observação participante com criança, a noção de participante remete para a crescente competência sociocultural que o pesquisador tem de compreender sobre o conteúdo subjetivo das interações das crianças, assim como de dar sentido às ações e atos observados, o que reitera um processo intrínseco da etnografia.

Entendemos que a observação participante nos permitiu uma interação direta e contínua com as crianças, constituindo-se “uma alternativa rica e enriquecedora, para uma abordagem dos universos das crianças em si.” (CONH, 2009, p. 45). Na observação participante, segundo Barbier (1998), os pesquisadores e os pesquisados formam um corpus interessado na busca do conhecimento, em que a interação possibilita um processo mutuamente educativo na pesquisa, na medida em que o saber do senso comum e o saber científico articulam-se na busca da relevância científica e social do conhecimento produzido. Além de tudo isso, a observação participante permite também analisar “os gestos, silêncios e expressões que, traduzidos, [revelaram] valiosas informações e sentimentos vividos pelas crianças.” (PAULA, 2012, p. 229).

68 2.2 OS INTERLOCUTORES: UMA RELAÇÃO DE PROXIMIDADE ENTRE A

PESQUISADORA E AS CRIANÇAS

Como toda opção em pesquisa, a escolha e a delimitação do campo não ocorrem de forma casual, nem se constituem em procedimentos meramente protocolares. Concordamos com Pereira (2012a) que, mais do que a escolha de um lugar e de um grupo de interlocutores, trata- se da criação de um tipo de relação social e, portanto, de uma ética. Por isso, nos questionamos a todo tempo: quais seriam as crianças que constituiriam o grupo de interlocutores? Por que fizemos a opção dessas crianças e não de outras? Como chegaríamos ou como pretendíamos chegar a elas? Em que contexto se desenvolveria a pesquisa?

Para responder parte desses questionamentos, especialmente ao que se referiu à escolha das crianças que participaram da pesquisa, desde o início, entendemos que alguns critérios precisavam ser definidos. A ideia inicial foi trabalhar com um grupo de interlocutores, cujas famílias lhes proporcionavam a vivência na cultura digital, e que estavam fazendo uso espontâneo das tecnologias móveis – smartphone e tablet – como mais um elemento que compunha o seu cenário do brincar. A nossa opção era dialogar com crianças na faixa de idade de quatro e cinco anos, visto que tínhamos observado que os estudos que trazem resultados sobre o comportamento de crianças, especialmente, sobre a sua interação com as tecnologias digitais móveis, apresentam carência de pesquisas com as crianças mais novas, com preferência, na maioria das vezes, a investigar as crianças a partir de seis anos. Outra justificativa para tal escolha é que, de maneira geral, as crianças nessa faixa etária escolhida, embora ainda não tivessem, na ocasião desta pesquisa, iniciado plenamente o processo de leitura e escrita, já faziam uso das tecnologias móveis nos seus momentos de brincadeiras.

Como procurávamos analisar o brincar das crianças a partir do uso espontâneo com as tecnologias móveis, foi necessário pensar em um grupo de interlocutores infantis cuja rotina permitisse a nossa presença. Por esse motivo, desenvolvemos a pesquisa em um espaço privado/familiar, ou seja, observamos e dialogamos com as crianças participantes da pesquisa nos momentos em que as brincadeiras aconteciam e em seu ambiente doméstico.

A decisão de se realizar a pesquisa nesse ambiente se fortaleceu ao mapearmos os estudos que tinham como foco o brincar e encontrarmos a investigação de Monteiro (2014), que, em sua tese de doutorado, realizou um levantamento das pesquisas acadêmicas na área da Educação que consideraram o brincar das crianças para além dos objetivos pedagógicos e de

desenvolvimento e com foco na escuta dos seus pontos de vistas. Nesse estudo, a autora fez a seleção de Dissertações e Teses no portal da Capes, entre os anos de 2007 a 2012, que tinham como evidência os pontos de vistas das crianças em relação ao brincar. Monteiro analisou 15 pesquisas, sendo 13 dissertações e duas teses, e constatou que em todas elas existe um predomínio de investigações sobre o brincar no contexto escolar.

Ainda, em outro estudo, Spinelli (2012), em sua pesquisa de mestrado, traçou um panorama da produção acadêmica, no período de 1987 a 2010, tendo como objetivo específico identificar e caracterizar as tendências teórico-metodológicas a partir de procedimentos, técnicas e estratégias metodológicas, constando que, durante esses anos, houve uma ausência significativa de pesquisas que efetivamente problematizaram as condições sociais e culturais da infância na escola e na sociedade. Corroborando com essa mesma tendência de estudos, Pereira (2015b, p. 297) também realizou um levantamento no banco de Dissertações e Teses da Capes e dos trabalhos apresentados nos últimos anos nos Grupos de Trabalho “Educação e Comunicação” e “Educação e criança de zero a seis anos” da Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED).

Para definição dos trabalhos analisados, a autora classificou e selecionou as pesquisas a partir de filtros com termos tais como: “infância e internet”, “infância e cibercultura”, “criança e internet” e “criança e cibercultura”. Nesse estudo detectou que esse campo vem se construindo marcado pela perspectiva dos usos das tecnologias em uma vertente pedagógica. Para Pereira, ainda temos uma prevalência de realização de pesquisa nesse campo, realizadas eminentemente no espaço escolar.

Articulado a esse debate, pensamos também nas questões relacionadas às culturas infantis e, então, as encontramos no estudo do projeto de pesquisa de demanda universal15 de Oliveira

(2018), que teve como objetivo compreender o lugar e os tempos das pesquisas brasileiras que envolvem a temática dessas culturas. Nesse estudo a autora faz um levantamento bibliográfico a partir das Teses e Dissertações disponíveis no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), no período de 1990 a 2015.

Para a seleção dos trabalhos analisados, utiliza os descritores “cultura da infância”, “culturas infantis” e “cultura de pares” e, a partir da análise de 40 pesquisas, apresenta, como resultado parcial, que “a escola acaba por se constituir a territorialidade infantil por 15 O projeto de pesquisa “As contribuições teórico-metodológicas de Florestan Fernandes para as pesquisas com crianças no Brasil e as interfaces com a Sociologia da Infância” em desenvolvimento por meio de demanda universal da Fapemig (2015-2018).

70 excelência, confirmando a invisibilidade das crianças em outros espaços públicos” (OLIVEIRA, 2018, p. 73). Complementando tal ideia, afirma que os estudos que buscam analisar as culturas infantis o fazem por meio do brincar, porém sinalizando que é preciso também pensar as culturas infantis e sua manifestação, em outros ambientes, como, por exemplo, a presença e participação das crianças nos diferentes espaços que elas vivenciam.

De forma direta, todos esses trabalhos anteriormente citados nos apontaram pistas para algumas tendências de estudos nessa área – especialmente, quando articulamos com a questão do brincar na cultura digital – e que nos levaram a questionar: quando estamos pensando no brincar, nas culturas infantis, será que esses espaços indicados nas pesquisas, de fato, se constituem como únicos territórios das crianças? Que força imperativa é essa que leva os pesquisadores a priorizar esses territórios quando se estuda esses temas? Além disso, concordamos com alguns questionamentos que foram levantados por Pereira (2015b), a saber:

[…] em que medida, ao escolher o recorte dos usos pedagógicos e a escola como campo de pesquisa, tais investigações não contribuem para reafirmar à exaustão que lugar de criança é na escola, cristalizando sua condição de aprendiz? Será que não estamos engessando temas contemporâneos em perguntas e concepções modernas? Em que medida, ao fazermos essa escolha, negligenciamos a circulação de crianças em outros espaços sociais – inclusive virtuais? Onde circulam as crianças? Como habitam a cibercultura? (PEREIRA, 2015b, p. 298).

É curioso e interessante constatar – por meio desses estudos e, também, pelas pesquisas que se dedicam a pensar os usos que as crianças têm feito com as tecnologias digitais conectadas à internet, a exemplo, TIC Kids Online Brasil16 (2017), e os trabalhos pontuais,

como os de Freire (2012), Müller (2014) e Macedo (2014) – que o uso das tecnologias digitais na escola ainda está centrado no viés pedagógico – que, na maioria das vezes, está direcionado para fazer as tarefas escolares. Não podemos deixar de reconhecer que o potencial didático e pedagógico das tecnologias na educação é indispensável. Entretanto, ainda verificamos, através de pesquisas (MACEDO, 2015), que há um desencontro entre os usos que as crianças fazem com as tecnologias digitais na escola e os usos que fazem quando estão fora dela.

Os estudos citados acima, relacionados ao campo da Educação e Infância, nos levaram a indícios de que, em outros espaços, tais como o ambiente familiar, as crianças poderiam estar

16 Pesquisa realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), que apresenta resultados que contribuem para a análise de mudanças ocorridas nos padrões de uso da internet, mapeia as formas de uso das Tecnologias da Informação e Comunicação entre a população brasileira de 09 a 17 anos, e as estratégias de mediação desempenhadas por pais/responsáveis.

explorando as tecnologias de forma mais espontânea e menos dirigida para as questões pedagógicas. Também compreendemos que, a partir das diversas possibilidades de interação das crianças com as tecnologias digitais móveis, poderiam emergir novas experiências, diferentes estruturas de brincadeiras ou desenvolvimento de algumas em detrimentos de outras, assim como inéditas representações que marcam o brincar na atualidade.

Dado a isso, justificamos a nossa escolha pelo ambiente familiar, considerando que se a cultura digital ganha materialidade nas diversas alternativas de acesso às tecnologias, existem, também, novos ambientes de pesquisa a serem explorados que não somente aqueles institucionalizados e produzidos para a infância. Portanto, nesta tese, propomos estudar os espaços que, ao nosso entender, estão vinculados com os processos educativos das crianças, que é o brincar com as tecnologias digitais móveis no seu ambiente familiar.

Assim, ainda pensando no grupo de interlocutores infantis cuja rotina permitisse a nossa presença, fizemos a escolha de dialogar com crianças com as quais tínhamos uma relação de proximidade prévia com a família, ou seja, que estavam na minha rede pessoal de amizade, assim como com outras indicadas por essas crianças que na época da pesquisa eram seus pares – “grupos de crianças que passam seu tempo juntos quase todos os dias.” (CORSARO, 2011, p. 127). Essa escolha se deu, principalmente, pela necessidade de “adentrar” no cotidiano dessas famílias. Para tanto, precisávamos ter alguma familiaridade com uma das crianças do grupo, e, do mesmo modo, certa intimidade com seus pais e/ou responsáveis.

Dessa forma, como primeiro encaminhamento para a seleção ou reconhecimento dessas crianças, foi feito um mapeamento da nossa rede pessoal, especialmente, na rede social

Facebook, a fim de identificar amigos e/ou conhecidos com filhos na faixa etária definida

(quatro e cinco anos) para realizar a pesquisa. No entanto, destacamos que a primeira criança escolhida – Elsa, com então cinco anos –, já fazia parte, muito antes do nosso foco de observação, na medida em que, como o desejo de realizar esta pesquisa envolvendo crianças pequenas e tecnologias digitais era antigo, sempre conversávamos com seus pais, pessoas há muito tempo próximas do nosso convívio, sobre o interesse de tê-la como interlocutora. Isso pelo fato de que, ao encontrá-la em festas de aniversários, passeios, visitas a sua família, já reparávamos que, desde novinha, aos dois, três anos, Elsa já interagia com dispositivos móveis. Nesse sentido, logo que definimos os critérios de escolha dos sujeitos desta nossa pesquisa com crianças, conversamos com seus pais, convidando-os a participarem, e o convite foi imediatamente aceito.

72 Após o consentimento dos pais de Elsa, continuamos a procurar pelo outro brincante para participar da investigação na mesma rede social. Assim,

buscamos ter acesso às práticas lúdicas de crianças com tecnologias móveis, visto que diversos pais têm o hábito de compartilhar as descobertas, as experiências e o brincar de seus filhos nesse ambiente. Foi então que encontramos o perfil de uma amiga de trajetória acadêmica, colega do Grupo de Pesquisa que, desde o nascimento do seu segundo filho até os dias atuais, vem postando suas brincadeiras, inclusive, mostrando que, mesmo ainda muito pequeno, já tinha um fascínio para explorar e interagir com os

dispositivos móveis. Percebendo que o movimento da família e da criança no Facebook evidenciava uma vivência na cultura digital, entramos em contato com a mãe por meio de mensagem instantânea, explicando-lhe a nossa intenção com a pesquisa de doutorado e expressando o nosso desejo em integrá-los como interlocutores no estudo. A resposta foi imediata e positiva: “Oi, que lindo! Interage muito! Ontem mesmo eu dizia isso… Que ele não sabe ler, mas, sabe buscar jogos no Google Play e instala eles sozinhos” (Mãe de Capitão América, inbox Facebook, em 04/05/2017).

Ao assegurarmos a participação do Capitão América (4 anos) e de Elsa (5 anos) como crianças brincantes da nossa pesquisa, atendíamos o que havíamos planejado anteriormente no que diz respeito à questão de gênero: contemplar, na investigação, a presença de ambos os sexos. Desse modo, após a identificação e convite das famílias para integrar a pesquisa, enviamos-lhes uma carta de apresentação (Apêndice A) para que tivessem conhecimento de como planejamos desenvolver as etapas da pesquisa, pois entendemos que precisaríamos deixar claro as propostas pensadas, afinal estávamos “adentrando” as suas rotinas.

Da semelhante maneira, conversamos e entregamos a carta de apresentação da pesquisa, bem como os termos de consentimento a todas as famílias das demais crianças dos grupos de pares que foram se integrando ao estudo no seu percurso. Compreendemos a partir desses encaminhamentos iniciais que também era preciso deixar demarcado o(s) lugar(es) em que nos colocamos – criança e adulto pesquisador –, no desenvolvimento da pesquisa. Dessa forma, por entendermos o ato de pesquisar como responsável, responsivo, tal entendimento nos levou a refletir na pesquisa de campo sobre a ética da pesquisa com criança

Oi, tudo bem? Tenho acompanhado seus diálogos com seu filho pequeno e cada dia fico mais encantada. Não sei se ele integra