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ANÁLISE E COMPREENSÃO DAS INFORMAÇÕES

EM BUSCA DE UMA METODOLOGIA DE PESQUISA COM CRIANÇA EM UM ESPAÇO DE VIDA PRIVADO/FAMILIAR

2.4 ANÁLISE E COMPREENSÃO DAS INFORMAÇÕES

Para a análise das informações produzidas em campo25, a busca da cientificidade e a

construção do conhecimento, entendemos que o texto final da tese deve “[...] expressar mais do que a compreensão pessoal do pesquisador, e sim, precisa descrever explicações e

25 Trabalhamos nesta pesquisa com a ideia de informações produzidas no campo, e não com “coleta de dados”, pois entendemos que, por se tratar de uma pesquisa qualitativa, os dados não são dados, mas sim foram informações construídas com a interlocução com um sujeito. Concordamos com Graue e Walsh (2003, p. 94) ao afirmarem que “os dados não ‘andam por aí’ à espera de serem recolhidos por investigadores objetivos”. Ao contrário disto eles provêm das interações do pesquisador em um contexto local, por meio das relações com os participantes da pesquisa e de interpretações do que é importante para as questões de estudo.

Sempre falamos de você, de sua intervenção e do quanto para nós foi importante sua presença na rotina de Capitão América. […] Sua chegada, uma adulta que parece uma criança, é como ele te definiu uma vez, fez minha culpa suavizar. Não pela ocupação do lugar, mas por fazer eu entender que também posso ser uma adulta que parece uma criança e junto com ele brincar ainda mais. Me preocupava tanto em estar junto (junto mesmo, abraçada) nos momentos de presença, que a brincadeira não ficava em primeiro plano, porque eu queria dar carinho…

(Mãe de Capitão América, mensagem de WhatsApp, em 19/10/2017)

Você alterou sim nossa rotina! Trazendo para nossa casa, nessa turbulência toda, uma energia leve, de paz, e pôde proporcionar para as minhas meninas uma tarde de diversão e alegria. Até eu, esperava com a mesma ansiedade que elas, o dia das suas visitas. A única alteração percebida é que você deixou saudades nas terças que deixou de vir... Interferência???? Sim, sua presença aqui se tornou desejada! E você para Elsa virou referência de uma tarde divertida.

(Mãe de Elsa, mensagem de WhatsApp, em 24/10/2017)

compreensões dos participantes, ainda que construídas pelo pesquisador.” (MORAES; GALIAZZI, 2011, p. 99). Isto é, para a “análise das informações em toda a sua riqueza, cada informação, observação, manifestação, omissão, precisa ser tomada como potencial para a compreensão do objeto de estudo.” (BONILLA, 2002, p. 34), o que significa fazer uso da descrição como forma de estabelecer relações e se aproximar dos processos que movimentam o contexto investigado.

Para descrever e analisar os processos vivenciados ao longo da pesquisa, nos fundamentamos na Análise Textual Discursiva. Com base em Moraes e Galiazzi (2011), entendemos que a análise textual se movimenta em um contínuo entre elementos de objetividade e subjetividade. Para os autores, a análise textual discursiva tende a valorizar elementos subjetivos, o que é evidenciado pela leitura do implícito e do uso dos conhecimentos tácitos do pesquisador e dos sujeitos de pesquisa na construção de novas compreensões.

O pesquisador, portanto, atribui significados sobre os conhecimentos e as teorias. Mas para a análise textual se concretizar, partimos de uma seleção e delimitação rigorosa do material produzido em campo, que integrou as escritas do diário de pesquisa, as transcrições das narrativas dos 17 encontros realizados com cada grupo de crianças, os questionários enviados às famílias, assim como algumas conversas realizadas com essas famílias via

WhatsApp. A partir desse material, que compõe o corpus da pesquisa, construímos

compreensões, analisando e expressando alguns sentidos e significados.

A primeira etapa foi transformar todas essas informações em texto, isto é, transcrevemos tudo o que aconteceu em cada encontro. Com esse material fizemos a desconstrução dos textos e a sua unitarização, que consistiu em um processo de desmontar as transcrições, assim como todos os documentos utilizados na produção das informações da pesquisa, atribuindo significados nesta desmontagem. Na desconstrução dos textos transcritos surgiram as unidades de análises.

Moraes (2003, p. 195) afirma que é “importante que o pesquisador proceda a sua análise de modo que saiba em cada momento quais unidades de contexto” e, a partir dessas unidades de contexto, possa construir as categorias. Neste trabalho, com um exercício de respeito e valorização das vozes das crianças participantes, buscamos organizar, ao longo da pesquisa, categorias que valorizassem as perspectivas e as construções de cada criança, articulando todo o material com os objetivos do estudo.

98 Os significados dessa desmontagem dos textos foram constituídos a partir de um processo de categorização. Este processo, além de reunir elementos semelhantes, ocorre por meio de um retorno cíclico aos mesmos, no sentido de construção gradual do significado de cada categoria. Para uma explicação mais consistente sobre tal processo, Roberto Macedo (2006, p. 138) afirma que, à medida que a leitura interpretativa dos “dados” ocorre, aparecem significados e acontecimentos, recorrências, índices representativos de fatos observados, ambiguidades marcantes. Isto é, emerge, aos poucos, o movimento de reagrupar as informações em categorias analíticas, o que o autor chama de noções subsunçoras.

Essas categorias abrigaram sistematicamente os subconjuntos das informações, e a sua construção emergiu da competência teórico-analítica do pesquisador e da apreensão da própria realidade pesquisada. A construção dessas categorias configura-se em um processo de análise, em um modo de “[...] aprender sobre os fenômenos investigados e a expressão e comunicação de novas compreensões.” (MORAES; GALIAZZI, 2011, p. 91). A complexidade desse processo de análise envolveu todas as informações, manifestações, articulações das leituras transversais no campo teórico com os documentos, registros do diário do pesquisador, todas as impressões, iniciando-se, assim, a compreensão do objeto.

A partir do material categorizado, para facilitar o trabalho com a organização dessas informações, fizemos uso do software proprietário26 Atlas.ti 7. Este é um software que, por

meio de um conjunto de recursos, possibilita ao pesquisador organizar, reagrupar e gerir as informações produzidas em campo. Importante destacar que esse software não processa e interpreta as informações, esta última é uma atribuição destinada ao pesquisador.

A sua principal função é favorecer uma maior sistematicidade para o trabalho de análise, por intermédio de uma melhor organização do material e fornecimento de recursos para otimizar a sistematização das informações. Isto é, ele nos ajuda a agilizar a organização das categorias, o que, por muitas vezes, marcando no texto ou usando outros meios tradicionais leva muito tempo para a sua realização, principalmente quando se trata de um grande volume de informações. Desta forma, o que fizemos foi lançar todos as transcrições e documentos que pretendíamos analisar, que totalizaram quase 600 páginas, e então sinalizamos nesses

26Esclarecemos que em nosso grupo de pesquisa GEC, existe a opção política e filosófica do uso de plataformas e ambientes desenvolvidos em software livre. Nós também somos adeptas a essa política, entretanto, por não encontrarmos nenhum outro recurso semelhante desenvolvido em código aberto, que faça essa tarefa de organização das informações e, por necessitar de uma otimização do nosso tempo para

documentos as nossas unidades hermenêuticas que emergiram em campo. Feito isso, o

software nos ajudou a filtrar as narrativas separando-as por categorias e subcategorias.

Com a definição e organização das categorias construídas a partir das informações produzidas em campo, demos início à sistematização e organização desse material empírico, com o intuito de fazer emergir as respostas às questões iniciais. Para essa sistematização, utilizamos a terceira fase (ou terceiro ciclo) da Análise Textual Discursiva, que consiste em um processo de explicitação de relações entre as categorias, objetivando a construção estrutural de um metatexto ou do texto da tese.

Com base nos argumentos parciais de cada categoria, buscamos descrevê-las e interpretá- las de modo a apresentar novas compreensões sobre o fenômeno investigado. Entendemos, assim, essa descrição como um esforço de expor os sentidos e significados a partir da aproximação mais direta com os textos analisados. Isto significa que a descrição utilizou de “processos de interpretação/compreensão/explicitação do contexto, o que implica a necessidade de compreender os mecanismos cotidianos, ordinários, pelos quais se organiza e se produz localmente as interações.” (BONILLA, 2002, p. 33).

Esse processo de descrição e interpretação na Análise Textual Discursiva culmina na produção de metatextos, os quais exploram as categorias finais da pesquisa. De acordo com Moraes e Galiazzi (2011), a elaboração dos metatextos é característica central do processo de desenvolvimento desta metodologia, tendo em vista possibilitar ao pesquisador expressar as principais ideias emergentes das análises e a apresentação de argumentos constituídos em sua investigação, trazendo novas compreensões. A partir dessas ideias emergentes, o objetivo foi “[…] construir ‘argumentos centralizadores’ ou ‘teses parciais’ para o conjunto de categorias, ao mesmo tempo em que exercitamos a elaboração de um ‘argumento central’ ou ‘tese’ para a análise como um todo.” (MORAES, 2003, p. 203). Acreditamos que a construção desses argumentos representaram a nossa contribuição para a produção do conhecimento sobre a discussão do brincar, culturas infantis e cultura digital.

Dessa maneira, buscamos a construção de um novo texto que, mesmo tendo a sua origem nos textos selecionados que formam o corpus da pesquisa, expressa o nosso olhar particular de pesquisador sobre os sentidos e significados percebidos no contexto pesquisado. Durante a construção dos metatextos, assumimos uma postura crítica em relação ao fenômeno analisado, pois entendemos que a escrita, assim como a leitura de um texto, são constantemente influenciadas por conhecimentos teóricos. Tais conhecimentos podem ser modificados durante

100 a elaboração dos metatextos, levando à necessidade de novas leituras e novas interpretações, o que justifica “um produto de final aberto” (MACEDO, 2006), pois:

A produção textual, mais do que simplesmente um exercício de expor algo já perfeitamente denominado e compreendido, é uma oportunidade de aprender. É um processo vivo, um movimento de aprendizagem aprofundada sobre os fenômenos investigados. Combina duas faces de um mesmo movimento, o aprender e o comunicar. (MORAES; GALIAZZI, 2011, p. 34)

Na combinação entre o aprender e o comunicar, tendo como base a descrição e a interpretação, buscamos, por meio da interlocução com as teorias adotadas neste estudo, produzir novos conhecimentos sobre o fenômeno investigado. Assim, entendemos que as descrições, as interpretações e as teorizações expressas como resultados das análises se constituíram em um esforço de construção intenso e rigoroso do pesquisador (MORAES; GALIAZZI, 2011).

Cabe acrescentar que a elaboração desse metatexto, por sua vez, se aproxima das características da pesquisa etnográfica, que enfatiza o processo do que está acontecendo e não somente do produto, o resultado final. Ainda precisamos considerar que, por utilizarmos a abordagem etnográfica com criança, assim como Macedo (2006), entendemos que a análise “[...] é um movimento incessante do início ao fim, que, em determinado momento, se densifica e forja um conjunto relativamente estável de conhecimentos” (p. 136). Ainda que houvesse a busca por delinear as escolhas metodológicas e os dispositivos para a produção das informações, entendemos que uma pesquisa é sempre permeada de surpresas, atravessamentos, rupturas epistemológicas, continuidades e descontinuidades, muitas vezes levando o pesquisador a seguir caminhos não previstos em seu “roteiro de investigação”. Portanto, a nossa pretensão não foi a de tornar a metodologia como algo enquadrado e fechado, até porque concordamos com André (2013) ao afirmar que o rigor metodológico é realizado a partir de uma “descrição clara e detalhada do caminho percorrido e das decisões tomadas pelo pesquisador ao conduzir seu estudo.” (p. 96). Assim sendo, tornou-se importante considerar e lidar com a ideia daquilo que foi apresentado pelas crianças, e contrapor com aquilo que trazemos, no contexto em que estamos inseridos, e que, em alguns momentos, nos obrigou a rever os conceitos sobre a necessidade de uma definição a priori do campo.

Sabemos que o processo de acontecimento da pesquisa não é decidido “apenas” pelo pesquisador, pois a direção que a pesquisa tomou passa a ser algo compartilhado a partir da sua mediação com os interlocutores. Sendo assim, a ideia inicial para esse capítulo foi

demarcar algumas escolhas, mas entendendo que a todo momento deixamos o campo nos mostrar o melhor caminho a seguir, considerando que uma investigação acontece “no percurso, na interação entre pesquisador e pesquisados, acreditando que não há neutralidade nessa relação, já que primeiro não consegue se desvincular de sua indagação.” (FREIRE, 2012, p. 37).

CAPÍTULO III

INFÂNCIAS, CRIANÇAS E CULTURAS INFANTIS: ALGUMAS