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CAPÍTULO 03 DO SERVIÇO AMBULATORIAL PSICOLÓGICO AO

3.1 Campo da pesquisa

3.3.4 A saúde mental como campo de trabalho da equipe: a proposta de um

No ano de 1994, as discussões se intensificaram em torno de dois temas: a construção de um Centro de Referência em Saúde Mental, e a transição para este através do acolhimento dos casos de saúde mental nas UBS.

No trabalho de Costa (1993, p. 03-4), a autora, além de interpretar a maneira de atuar dos psicólogos na APS de Ipatinga como reprodutora do modelo médico organicista, esta pontuou alguns entraves para a atenção específica aos casos da Saúde Mental através dos equipamentos disponíveis na época.

Também é uma realidade apontada pelo serviço, o número insuficiente de profissionais nas Unidades Básicas de Saúde para atender à demanda. Este fato é ainda agravado pela forma de agendamento inadequado destes profissionais, o que dificulta o acesso da população ao serviço. Outro ponto crítico para o trabalho é a falta de espaço para o atendimento de usuários em crise nos serviços públicos, fato comprovado através das estatísticas de intervenção psiquiátricos do Hospital Márcio Cunha (junho/92) e de consultas ambulatoriais da Policlínica Municipal nos meses de agosto/dez de 1992 e janeiro e fevereiro de 1993. A partir dessas estatísticas podemos concluir que a demanda de tratamento feita pelos psicólogos tem sido intensa e persistente nos dois serviços. Seria a mesma clientela usuária dos dois serviços? Não temos ainda como sabê-lo. Porém, o fato já é indicativo da necessidade de um serviço que atenda com maior eficácia estes usuários na rede pública, uma vez que, inexiste um serviço com estas características e, como aponta as estatísticas do Hospital Márcio Cunha, a psicose se apresenta com um grande índice de internação.

41 Modelo gerencial conhecido a partir do Relatório-Projeto de Transformação do Modelo Tecno- assistencial do Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, de Campinas-SP, datado de novembro de 1991.

Tendo o grupo constatado que a saúde mental deveria ser campo de ação dos profissionais “psi”, após recorrentes discussões sobre o tema desencadeadas pela interação com o que estava sendo discutido em saúde mental e saúde coletiva em eventos da área e intervenções sanitaristas no município, era necessário criar maneiras de acessibilidade à pessoa em sofrimento mental, nos diversos estabelecimentos de sua circulação, especialmente nas UBS, onde estava lotada a maioria dos psicólogos. Não houve, nesse momento ainda, a intenção em delimitar uma clientela exclusiva dos psicólogos, mas que os casos de saúde mental pudessem estar mais presentes nos atendimentos dos psicólogos da APS.

Um dos primeiros questionamentos foi sobre a realização da triagem dos pacientes da saúde mental. A metodologia da “Porta-Aberta”42, motivada quando da presença do grupo de Campinas na rede, foi largamente discutida e de forma fragilizada pactuada pelo grupo da saúde mental. Três possibilidades de funcionamento da “Porta-Aberta” foram discutidas pela equipe: acolhimento da clientela em saúde mental apenas pela psicologia, acolhimento a ser realizado apenas pela equipe de saúde da APS, ou em conjunto “psicologia-equipe de saúde”.

Num comentário escrito sobre a maneira como os casos eram avaliados na APS, o psicólogo indica que a triagem para a psicologia começou a ser realizada pelo próprio profissional, de forma individual. Os funcionários responsáveis pela recepção dos usuários e marcação das consultas passaram a encaminhar diretamente ao psicólogo aqueles que procuravam este serviço.

A marcação das consultas era feita, até pouco tempo atrás, numa reunião. Todo [usuário] que quisesse marcar vinha no mesmo horário, no mesmo dia. Pedia-se para não citarem nomes quando comentassem lá fora as histórias das outras pessoas presentes. Tudo em grupo. Em geral, os relatos não passavam de enumeração de sintomas. Duas ou três vezes o aparato da reunião proporcionou o desencadeamento de eventos dissociativos histéricos. Atualmente os marcadores falam em separado, e quem procura o serviço é solicitado a falar diretamente com o psicólogo. Um paciente com dificuldade de

42 A metodologia da “Porta-Aberta” foi proposta no intuito de melhorar o acesso e disseminar a lógica do acolhimento humanizado nas Unidades de Saúde. “Acesso e acolhimento deixam de ser problemas de recepção e tornam-se objeto da prática de toda a equipe de saúde (...) A função da porta não é mais barrar e limitar o atendimento e, sim, responder aos problemas que ali aparecem de modo criativo, explorando ao máximo as tecnologias leves de que dispomos em nosso saber, em nossas relações” (MERHY, 2006, p. 138).

locomoção é atendido, provisoriamente, em casa (BORGES, entre 2001-2002, p.03).

A experiência do acolhimento da clientela da saúde mental através da “Porta-Aberta” começou a ser desenvolvida pelos psicólogos, separadamente da equipe de saúde de referência. Alguns membros da equipe apontaram para o “trabalho esfacelado” que estava acontecendo entre psicólogos e equipes de saúde, e que a prática de acolhimento em saúde mental específico da psicologia na APS fortaleceria esta fragmentação e possibilitaria a desresponsabilização dos técnicos das UBS do cuidado desta clientela. Além disso, os usuários da saúde mental teriam que ser “triados” por duas instâncias, diferentemente do restante dos usuários. Observa-se também que a equipe considerava que os outros técnicos de saúde da APS não eram qualificados para esta avaliação, além de estes não demonstrarem interesse no tratamento desta clientela. Para realizar a avaliação dos casos de saúde mental os técnicos da APS deveriam ser capacitados. Mesmo com estes questionamentos, a equipe iniciou a triagem em porta-aberta. “Quem cala, consente. O grupo fará essa experiência” (A6). A triagem em porta-aberta, num acolhimento direto dos usuários pelos psicólogos, foi indicada pelo Programa de Saúde Mental, anos mais tarde, como a principal via de entrada da pessoa em sofrimento mental na rede assistencial.

A equipe manteve o tema nas reuniões seguintes, marcando a possibilidade de um trabalho em saúde mental na APS. Com a prática, o público- alvo da equipe de saúde mental começou a ser mais bem definido.

Fábio explica o critério de “escolha” de pacientes para o serviço de saúde mental. “Os excluídos”, os que necessitam de liberdade e autonomia. Não “escolhe pelo diagnóstico”. Prioriza as pessoas que não percorrem o circuito social por causa da doença mental. Abrir um canal para receber estes pacientes. “O que atrai no serviço é a diversidade, a exclusão social, não a gravidade da patologia. Não se vicia num tipo de paciente” (Rita). Walter [psiquiatra] diz que uma boa quantidade de pacientes que ele atende seriam “dispensados” (A7).

Juntamente com experimentações no cotidiano de acolher pessoas em sofrimento mental na APS, grupos de medicação para triagem também foram

sugeridos e iniciados por um dos psiquiatras da Policlínica. O grupo de medicação contou com a participação de um psicólogo da rede primária. Na avaliação destes profissionais:

Acham que não deu o resultado esperado, mas achou pontos interessantes que os pacientes colocaram a vantagem de também ser atendido pelos clínicos; só que a dificuldade é o relacionamento clinico x paciente Saúde Mental (A12).

Percebe-se nestas iniciativas a dificuldade de se criar um programa de saúde mental efetivamente integrado com a rede primária principalmente pela recusa dos técnicos da APS de atendimento da clientela da saúde mental, em especial os médicos clínicos que mantinham a conduta de encaminhamento para a psiquiatria. Tal fato contribuiu para que parte da equipe de saúde mental fortalecesse a proposta de criação de um Centro de Referência em Saúde Mental no município.

3.3.5 O projeto do Centro de Referência em Saúde Mental e a definição de