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CAPÍTULO 03 DO SERVIÇO AMBULATORIAL PSICOLÓGICO AO

3.1 Campo da pesquisa

3.3.3 Intervenções sanitaristas na rede local de saúde

Em meio às discussões para um consenso da equipe sobre o direcionamento a ser dado na constituição da rede assistencial em saúde mental local, em julho de 1992, uma equipe de Campinas esteve em Ipatinga para prestar assessoria à rede de saúde como um todo. O convite se deu por iniciativa da equipe de gestão da época, pertencente ao Partido dos Trabalhadores, que mantinha contatos com militantes da Reforma Sanitária. A relação desta gestão com a equipe de saúde mental era distante, não havia a referência explícita ao grupo de psicólogos e psiquiatras, por parte dos gestores, como uma equipe de saúde mental.

A equipe de Campinas era formada por sanitaristas e professores vinculados ao LAPA/UNICAMP, entre eles estavam Emerson Mehry e Gastão

Wagner de Sousa Campos, nomes significativos do movimento da Reforma Sanitária no país. Neste grupo estavam também técnicos atuantes no Movimento da Reforma Psiquiátrica. São eles: Florianita Campos, psicóloga sanitarista, autora de trabalhos sobre a inserção da psicologia no SUS e sobre modelagens de rede da cidade de São Paulo-SP; e o psiquiatra Roberto Tykanori, médico que participou, nos primeiros anos da década de 1990, do processo de desativação da Casa de Saúde Anchieta da cidade de Santos-SP.

Era um gestor do Partido dos Trabalhadores, que os quadros deles na época tinham contato não só com Campinas, mas com Manguinhos (...) era tudo mais ou menos do mesmo grupo, da Reforma Sanitária Brasileira, e por meio desses contatos eles chamaram o pessoal pra vir, né?! Eles já tinham a experiência do Paidéia, de São Paulo, tinham experiência do Ceará, em Sobral no Ceará, e me parece que em alguns outros lugares também, Rio Grande do Sul, e com isso vieram parar aqui, por via de contato político, não é que... Não é que Ipatinga, “puxa!”, se destaca como uma urgência de problemas sanitários, não. Era realmente porque as pessoas eram antenadas (...) (P1).

Anteriormente à chegada do grupo do LAPA/UNICAMP, a gestão em saúde de Ipatinga havia iniciado um projeto de reorganização da assistência, no ano de 1991, baseada em orientações do SILOS39 – Vigilância à Saúde do grupo OPAS – Brasil. Conforme Costa (1993, p. 01), este projeto teve duas características principais:

(...) basiconcêntrica, ou seja, é hierarquizado tendo seu início nas Unidades de Saúde (Existem 12 UBS). Outra característica que fundamenta o pensamento acerca do planejamento e organização de serviços de saúde na cidade é a idéia de Equipe, como coloca a Secretária de Saúde Leda L. Vasconcelos: “...é necessário entender

39 SILOS: Sistemas Locais de Saúde, conhecidos no Brasil como Distritos Sanitários. São estes, a exemplo do “Unitá Sanitarie Locali” da Itália “espaços processuais concretos de reorganização das práticas de saúde com base no principio da co-responsabilidade das instituições estatais e da sociedade civil sobre a saúde da população de um território sede de dinâmicas sociais, econômicas e demográficas que condicionam problemáticas especificas em saúde” (MEANA, F. R, 1991, p. 10). Neste livro, são apresentadas as discussões do encontro realizado no ano de 1991, em Santos-SP, em cooperação com a Itália, durante o qual foi abordado o tema da saúde mental no contexto dos SILOS.

que o trabalho de uma unidade de saúde é resultado do trabalho de uma equipe multidisciplinar e não privilégio de uma categoria ou outra.

A contribuição dessa intervenção na reorganização da assistência em saúde em Ipatinga contribuiu para a territorialização do município e diagnóstico da realidade sócio-sanitária, subsídio para o planejamento local do SUS (COSTA, 1993).

Também com o objetivo de contribuição na reorganização da assistência em saúde, a intervenção institucional na rede de saúde de Ipatinga proposta pelo LAPA/UNICAMP foi publicada por Emerson Mehry (2006) em capítulo do livro “Inventando a Mudança na Saúde”. Entre os problemas identificados e discutidos nos seminários realizados estava a formação de filas de usuários nos serviços (MERHY, 2006, p. 127-8). Esse levantamento foi realizado através de oficinas com os trabalhadores dos diversos setores ligados à Secretaria Municipal de Saúde. O grupo da Saúde Mental também foi convidado a se reunir e produzir relatórios que auxiliassem a produção de um Projeto de Saúde Mental para o município, baseado nos problemas específicos encontrados pelo conjunto dos trabalhadores.

(...) a metodologia especifica era de nós, nós estratégicos, era uma coisa assim, em que eles pegavam certos focos de problemas da saúde, reuniam os técnicos daquelas áreas e aí eles esboçavam então saídas possíveis para aquela situação. E foi chamada a saúde mental pra se meter nesse negócio (...) Não existia a saúde mental, foram chamados os psicólogos e psiquiatra e tal (P1).

Apesar das reuniões freqüentes em que emergiram temas relacionados às práticas extra-hospitalares na assistência psiquiátrica, o grupo efetivamente não era uma equipe de saúde mental. Na APS, os psicólogos mantinham a prática da psicoterapia tradicional, atendendo clientela de acordo com afinidades pessoais teóricas e práticas, e dos programas desenvolvidos na APS. Na Policlínica, observa- se atendimento à clientela da saúde mental, porém o trabalho também era realizado de maneira isolada, sem a intenção de interação em rede. Este trabalho desconexo, não contínuo entre os níveis de saúde, e não dialogado entre os psicólogos da APS, além da não definição de um público-alvo do serviço, propiciou o desenvolvimento de projetos particulares, em cada localidade, o que dificultou a definição de diretrizes

gerais da assistência em saúde mental para todo o município. Esta falta de coesão do grupo dificultou também a formalização administrativa de uma equipe de saúde mental. O único momento em que o grupo se percebe uma equipe é durante as reuniões, pois neste espaço a pertença ao campo da saúde mental é pactuada por todos, diferentemente do que sugere as ações realizadas principalmente na APS, onde os psicólogos mantiveram práticas especialísticas isoladas, sem propor concretamente o envolvimento de outros profissionais na assistência, na contra-mão das recomendações do trabalho interdisciplinar em saúde mental e em saúde coletiva. Desta maneira, o trabalho “psi” na APS permaneceu configurado como um ambulatório psicológico, e não como um ambulatório de saúde mental.

No período de intervenção do grupo de Campinas, quando começaram a acontecer reuniões motivadas pela administração direcionadas ao grupo completo de profissionais “psi”, tendo a equipe iniciado reflexões internas do grupo sobre o próprio trabalho desenvolvido quando do convite para a participação no Encontro Regional de 1992, surge um novo rompante no sentido de se conduzir o trabalho do grupo na perspectiva da saúde mental. Nas reuniões foram propostas pesquisas internas no intuito de conhecer a clientela atendida pelos profissionais “psi” na rede pública. Foram distribuídas responsabilidades de busca por dados nas UBS, Policlínica, INSS e Hospital. Apesar de o grupo não ter produzido um projeto de saúde mental para o município de acordo com a solicitação da Secretaria de Saúde na época, os encontros propostos contribuíram para o conhecimento da diversidade de práticas e perspectivas teóricas desenvolvidas isoladamente por cada profissional em seu local de trabalho, fato que dificultava a constituição de um equipe com o objetivo de promover a assistência em saúde mental e consequentemente a pactuação de diretrizes gerais para o município.

(...) cada técnico tinha uma referência, não havia nada que é, assim, como é que eu posso te falar, que integrasse, que condensasse, que focalizasse a saúde mental em certos princípios, em certos objetivos, em certas estratégias prioritárias, então, cada um puxava pra um lado de acordo com certo referencial, preferências particulares, valores, interesses, e esse troço foi um pega pra capar [risos]. Eu sei que esse negócio não resultou num projeto, não resultou nem mesmo num documento capaz de sintetizar o que tinha sido essa experiência que foi feita durante um ano [refere-se às oficinas com o grupo de Campinas], ou uma coisa nesse sentido (P1).

A administração prosseguiu o trabalho de reorganização da rede assistencial investindo em outros setores da saúde, sugerindo que a organização dos serviços em saúde mental não era demanda prioritária. Por essa razão, a administração suspendeu a autorização para que o grupo da saúde mental pudesse se reunir regularmente.

Teve um momento final nesse processo, depois da gente fazer várias reuniões e não chegar a nada [risos] teve um momento final que a secretária de saúde bateu o martelo e falou “ó, acaba com essas reunião aí de saúde mental! Vocês parem de reunir, porque vocês não estão produzindo, não nós.” (...) “Não deu certo, não funcionou, nós temos outras prioridades, temos outros interesses e tal”. Então, de um dia pro outro, nós deixamos de ter autorização pra nos reunirmos enquanto equipe de saúde mental (P1).

As reuniões, no entanto, havia se tornado a principal forma de encontro e de construção de uma equipe de saúde mental.

É consenso que as reuniões semanais estão sendo produtivas na medida que propostas estão dando frutos além de permitirem um maior entrosamento entre os profissionais, por isso este espaço não deve ser perdido (A4).

Até meados de 1993, a discussão em torno do tema da Saúde Mental se manteve estagnado. A gestão nomeou uma supervisora técnica específica para a área que contribuiu para o planejamento de intervenções num asilo da cidade, porém não se observou avanços significativos das ações da equipe em razão do movimento grevista de trabalhadores da saúde nos meses de abril e maio de 199340. Em junho deste mesmo ano, a Secretaria de Saúde convidou novamente os profissionais da saúde mental para a construção de um projeto. Segundo Costa (1993, p. 03), “esta nova tentativa vem marcada pelas discussões acerca da implantação de um novo modelo gerencial nos serviços de Saúde do município

(gestão colegiada)41”. Porém, como prossegue a autora, “a nova metodologia não nos fez ainda avançar muito, mas proporcionou novo anseio ao grupo de profissionais, no sentido de conseguir articular um projeto próprio à Saúde Mental” (COSTA, 1993, p. 03).

3.3.4 A saúde mental como campo de trabalho da equipe: a proposta de