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2.4 FUNCIONAMENTO E EFEITOS

2.4.1 Cláusula Penal como Liquidação Antecipada dos Danos

2.4.1.2 A Sanção Indenizatória Cumulativa ou Moratória

A “pena convencional”, quando cumulativa, serve, conforme sua denominação tradicional (moratória), para compensar os prejuízos sofridos pelo credor em razão do cumprimento atemporal, defeituoso ou imperfeito199 da obrigação assegurada. Também pode

ser destinada a compensar os prejuízos causados pelo incumprimento de alguma obrigação acessória ou cláusula especifica200. Assim, diferentemente da modalidade acima analisada, sua exigência é possível assim que haja violação da obrigação. O funcionamento dessa modalidade de cláusula penal indenizatória, portanto, se dá no exato momento em que houver violação da obrigação201, pois o fato que está se tutelando não é o incumprimento total da obrigação, mas o incumprimento parcial (moroso ou imperfeito) da obrigação principal, ou a violação de alguma prestação lateral.

O fim buscado pelas partes é definir, de forma antecipada e invariável, o montante de indenização devido em caso de incumprimento pontual obrigação. Considera-se os prejuízos decorrentes dessa violação, que poderá ser exigida assim que for violada, já que seria nesse momento em que a indenização, considerando as regras gerais sobre responsabilidade civil, poderia ser exigida. Assim, considerando uma obrigação de dar coisa certa, cujo valor do objeto seja de €20.000,00 (vinte mil euros), em que as partes estipulem sanção indenizatória cumulativa, caso o devedor não entregue a coisa na data estabelecida, no valor de €200,00 (duzentos euros) por dia de incumprimento, que seria o valor dos danos moratórios esperados, o credor poderá exigir a pena assim que haja a violação, nesse caso, por exemplo, no dia seguinte à data estabelecida.

Além disso, o credor poderá exigir a “pena convencional” e, ao mesmo tempo, o cumprimento da obrigação de entrega da coisa acordada. O efeito do funcionamento dessa

198 Artigos 534º e seguintes do CCP. Sobre a dinâmica das obrigações com pluralidade de devedores no direito civil português, ver, entre outros: COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações, 12. ed., p. 666-684. 199 Como cogita MONTEIRO, António Pinto. Cláusula Penal e Indemnização, p. 281, nota 572.

200 RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Função, natureza e modificação da cláusula penal no direito civil brasileiro, p. 183; inclusive aponta que a maior parte da doutrina brasileira tem entendido que a cláusula para

reforçar alguma obrigação especial é moratória. Aqui, prefere-se denominar como cumulativa e não moratória, pelos motivos já explicitados acima.

modalidade de “pena convencional” não é substitutivo, mas sim cumulativo, podendo ser cumulado o pedido do valor da prestação alternativa com o pedido do cumprimento da obrigação principal202. Este aliás, é o ditame do artigo 811º, n. 1, do CCP e do artigo 411 do CCB, que determinam que, quando a pena for devida em razão da mora, seu pedido poderá ser cumulado com o da obrigação assegurada. Mas não só quando se estiver diante da compensação da mora é que a cumulação será possível, também quando a pena for direcionada a uma violação pontual da obrigação, como o cumprimento em lugar diverso do estabelecido, ou mediante forma diferente da que tiver sido acordada.

O enquadramento de uma cláusula penal indenizatória na modalidade cumulativa deve ser feito utilizando a concepção da “identidade de interesses” defendida por PINTO MONTEIRO203. É considerando essa concepção que se argumenta a favor da inclusão das cláusulas penais indenizatórias destinadas a assegurar uma obrigação acessória ou cláusula específica na modalidade cumulativa. Estas são as destinadas, por exemplo, a estabelecer uma indenização predeterminada caso o devedor viole uma obrigação de exclusividade, ou uma cláusula de confidencialidade. Nesses casos, o interesse protegido não é o mesmo da obrigação principal. Assim, caso haja violação desse interesse, será possível cumular o pedido do pagamento do valor da “pena convencional” com o cumprimento da obrigação principal, já que não há “identidade de interesses”.

Com o funcionamento da “pena convencional” em sua modalidade cumulativa, portanto, o efeito derradeiro não será a extinção da obrigação, pelo contrário, será a possibilidade de se exigir seu cumprimento forçado. E caso o devedor se recuse a cumprir a referida obrigação, será perfeitamente possível que o credor exija a indenização pelo não cumprimento definitivo da obrigação nos termos gerais. Além disso, interessante notar que decisões recentes do STJ-Brasil204, todas relativas à entrega atrasada de unidades habitacionais, apontam no sentido de ser possível que o credor receba além da “multa moratória”, que compensa os danos sofridos em razão da demora, uma indenização por lucros cessantes, que serviria para reparar outros danos que não são moratórios205.

202 ROSENVALD, Nelson. Cláusula Penal: A pena privada nas relações negociais, p. 58-59. 203 MONTEIRO, António Pinto. Cláusula Penal e Indemnização, p. 434.

204 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp 685199/RJ. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. DJe 02/03/2017; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp 1624677/DF. Rel. Min. Raul Araújo. DJe 13/12/2016; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1536354/DF. Rel. Min. Ricardo Vilas Bôas Cueva.

DJe 20/06/2016; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 1544333/DF. Rel. Min. Marco Aurélio

Bellizze. DJe 13/11/2015.

205 Contudo, considerando a quantidade de demandas sobre o assunto, o Ministro Luis Felipe Salomão propôs uma afetação de todos os processos que versam sobre a possibilidade de cumulação entre a cláusula penal e a indenização por lucros cessantes, para que sejam decididos em conjunto pelo rito dos recursos repetitivos. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. ProAfR no REsp 1635428/SC. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. DJe

No mais, as observações feitas acima quanto aos efeitos verificados, caso haja pacto de dano excedente, são mantidas. O credor, nesse caso, poderá optar por ter reparados todos os prejuízos sofridos em decorrência da violação da obrigação assegurada, mas para tanto ficará adstrito às regras gerais da responsabilidade civil, sendo necessária principalmente a prova do valor do prejuízo verificado e da culpa do devedor, que no caso do funcionamento da cláusula penal, repita-se, são presumidos.

2.4.2 Cláusula Penal Stricto Sensu

A cláusula penal stricto sensu, com índole coercitiva, é estipulada com o intuito de pressionar o devedor a cumprir a obrigação. Trata-se de espécie atípica de cláusula penal, não regulamentada no Código Civil português, e que em certas ocasiões não se encaixa no regime estabelecido no Código Civil brasileiro. Assim, as regras do CCP não se aplicam à figura, e as normas do CCB serão aplicáveis apenas de forma subsidiária e quando não contiverem regras especificamente relacionadas com a dinâmica indenizatória. Ou seja, como bem aponta LIMONGI FRANÇA, é uma cláusula que não possui bases legais206. Feitas essas ressalvas, é de se indicar que são três os efeitos imediatos verificados quando da estipulação da cláusula penal stricto sensu para assegurar a obrigação acordada, todos relacionados com sua função coativa e sua natureza de pena privada.

O primeiro, e principal, efeito mediato é o reforço da obrigação assegurada207. Como o valor estabelecido como pena é superior ao valor da obrigação, e também superior ao valor da indenização que seria devida em caso de violação da obrigação assegurada, o devedor assim sente-se pressionado, compelido208 a cumprir a obrigação, havendo um reforço no vínculo obrigacional209.

A função coercitiva, porém, não é completa se não for estabelecida uma consequência caso ela não funcione, sendo assim verificado o segundo efeito imediato, que é a criação de uma sanção pelo incumprimento, neste caso a pena convencional210. A cláusula penal possui efeito preventivo, de reforço. Por outro lado, é a pena em si que tem o sancionador, punitivo, que alerta o devedor para o fato de que será punido, penalizado, caso não realize a prestação

03/05/2017; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. ProAfR no REsp 1498484/DF. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. DJe 03/05/2017.

206 FRANÇA, Rubens Limongi. Teoria e Prática da Cláusula Penal, p. 205.

207 OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. Cláusulas acessórias ao contrato: cláusulas de exclusão e de limitação do dever indemnizar: cláusulas penais, p. 82.

208 MONTEIRO, António Pinto. Cláusula Penal e Indemnização, p. 609.

209 AZEVEDO, Álvaro Vilaça. Teoria Geral das Obrigações e Responsabilidade Civil, p. 226. 210 ROSENVALD, Nelson. Cláusula Penal: A pena privada nas relações negociais, p. 106.

assegurada. Essa pena é a prestação alternativa estabelecida na cláusula penal, que funcionará caso haja verificação do ilícito contratual, ou seja, do incumprimento.

Por último, cria-se um efeito de independência e irrelevância dos danos causados pelo incumprimento, sendo afastada a dinâmica e as regras da responsabilidade civil211. A pena convencional em nada tem a ver com os prejuízos sofridos pelo credor em decorrência do incumprimento, sendo direcionada apenas para sancionar o comportamento do devedor, e não as consequências desse comportamento. Nesse sentido, mesmo que não sejam verificados danos em decorrência da violação da obrigação212, a cláusula penal será devida, já que essa espécie

não possui função reparatória. Trata-se de sanção punitiva direcionada à conduta ilícita do devedor, qual seja, o não cumprimento da prestação assegurada pela cláusula. O que está se tutelando não é a proteção do patrimônio do credor, mas sim seu próprio interesse no cumprimento da obrigação, motivo pelo qual não há necessidade da ocorrência de danos para que seja legítimo que o credor exija o pagamento pelo devedor da pena convencional propriamente dita.

Por não se buscar a reparação do dano, mas sim punir o incumprimento da obrigação por parte do devedor, não há necessidade de existirem danos para que seja legítima a exigência do pagamento da pena, sendo esta a dicção do artigo 416 do CCB213. Necessário novamente ressaltar, porém, que a possibilidade de o credor exigir o pagamento da indenização integral, pela celebração de um pacto de dano excedente, nada tem a ver com a função indenizatória, não se aplicando a essa espécie. Como explicitado acima, a cláusula penal coercitiva é independente dos danos, por isso mesmo não cabe falar em verificação de danos excedentes. Se nem os danos ordinários são levados em conta, os excedentes muito menos, ficando afastada a aplicação do parágrafo único do artigo 416 do diploma civil brasileiro.

Entendidos os efeitos dessa espécie, não parece ser difícil apontar o momento em que a cláusula penal stricto sensu poderá funcionar. A pena poderá ser exigida logo que haja o incumprimento da obrigação. Nessa espécie não há necessidade de o credor constituir o devedor em mora ou demonstrar a perda no interesse pelo comprimento da obrigação214, já que o

interesse tutelado pela cláusula é o próprio cumprimento da prestação assegurada. O foco da

211 MONTEIRO, António Pinto. A pena e o dano, p. 677.

212 MONTEIRO, António Pinto. Cláusula Penal e Indemnização, p. 621. 213 Norma que pelo seu conteúdo pode ser aplicada subsidiariamente.

214 ROSENVALD, Nelson. Cláusula Penal: A pena privada nas relações negociais, p. 139-140. Em suas conclusões, o autor afirma sobre a questão que, “considerando que a cláusula penal em sentido estrito não é indenização prefixada, mas outra prestação de cunho sancionatório, basca que ocorra a mora para que se torne exigível a pena. O simples fato de o devedor não cumprir no momento convencionado já é razão suficiente para ativar a cláusula penal, sem a necessidade de o credor demonstrar a perda de qualquer interesse”.

cláusula penal coercitiva é no comportamento do devedor. Portanto, o incumprimento da obrigação é suficiente para desencadear a pena. Ainda assim, cabe ressaltar que o momento exato do exercício dependerá do tipo de obrigação (fazer, não fazer e dar) e de qual fato215 as partes quiseram reforçar.