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As diferenças verificadas entre a cláusula penal e o sinal as destacadas acima são de certa forma normalmente apontadas pela doutrina, pelo que muitas vezes não são criadas grandes polêmicas ou discussões. Pelo contrário, a diferença quanto à forma de controle do valor das sanções relativas à cláusula penal e ao sinal parece ser aquela que mais interessa no presente trabalho. Trata-se de questão algo controvertida, mas que muitas vezes acaba recebendo respostas que parecem inadequadas. No tópico 3.4 do presente trabalho, ficou evidenciado que a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que os artigos dos diplomas civis de Portugal e do Brasil que regulam o controle da pena convencional referente à cláusula penal devem ser utilizados também para controlar o valor do sinal. Argumentou-se que tal solução parece inadequada, posteriormente sendo demonstrado como deve ser feito o controle de cada uma das espécies de sinal. Cabe agora, de forma mais substancial, tecer considerações que justifiquem a posição defendida. Importante, antes, porém, destacar que tais considerações se referem exclusivamente às espécies de cláusula penal e sinal típicas, ou seja, a cláusula penal como liquidação antecipada do dano, o sinal penitencial e o sinal confirmatório-indenizatório.

O principal defensor da utilização das regras de controle da cláusula penal para o sinal no Direito português é o professor PINTO MONTEIRO. O autor argumenta que há uma inegável analogia entre a cláusula penal e o sinal, principalmente quanto ao aspecto funcional, o que é suficiente para que a norma do artigo 812º do CCP (e consequentemente o artigo 413 do CCB) seja aplicável ao sinal626. Ao rebater as críticas daqueles que não concordam com essa aplicação analógica, o autor identifica o artigo 812º como a expressão de um princípio amplo, destinado a coibir abusos, não concordando que a norma tenha caráter excepcional, o que impediria sua aplicação analógica627. Além disso, o autor não enxerga que haja uma lacuna

deliberada do legislador que impeça essa aplicação analógica, não entendendo que o silêncio do legislador tenha sido deliberado a ponto de efetivamente desejar que não existisse a possibilidade de controlar o valor do sinal628. Para o autor, aliás, essa aplicação deve se dar

625 Para uma visão detalhada sobre a pluralidade de funções que a sanção pode ter, ver: ROSENVALD, Nelson. As Funções da Responsabilidade Civil: A Reparação e a Pena Civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 35-44. 626 MONTEIRO, António Pinto. Cláusula Penal e Indemnização, p. 195-196.

627 MONTEIRO, António Pinto. Cláusula Penal e Indemnização, p. 209-211. 628 MONTEIRO, António Pinto. Cláusula Penal e Indemnização, p. 213-215.

tanto para o controle do sinal confirmatório, quanto para o sinal penitencial629. Em sentido parcialmente idêntico, PINTO OLIVEIRA também defende a aplicação analógica do artigo 812º ao sinal confirmatório, afirmando que é um entendimento que se adequa ao princípio da proibição do abuso na definição dos direitos do credor630, afastando, contudo, a possibilidade de aplicação para o sinal penitencial631.

No Direito brasileiro o assunto foi de certa forma “uniformizado” do ponto de vista doutrinário, com a edição do Enunciado 165632, aprovado na III Jornada de Direito Civil do

Conselho da Justiça Federal. Segundo esse entendimento, que serve como orientação doutrinária de aplicação e interpretação do direito, o controle do sinal, seja penitencial, seja confirmatório, deve ser realizado segundo as regras do artigo 413 do CCB. Defendendo esse entendimento, SCAVONE JUNIOR633 destaca que o artigo em questão fala em controle da penalidade, e não em cláusula penal, devendo ser aplicado analogicamente ao sinal. TARTUCE634 também defende esse entendimento, ressaltando que a função social do sinal faz com que a figura possa ser controlada nos mesmos moldes da cláusula penal.

Em que pese todos os argumentos favoráveis, não parece ser esse o posicionamento mais acertado, não se cogitando a possibilidade de aplicação analógica dos artigos destinados ao controle da cláusula penal ao sinal, já que não se vislumbra a existência de uma lacuna. Como bem aponta LARENZ635, nem toda falta de regulação pelo legislador deve ser encarada como uma lacuna. O autor alemão evidencia que existem situações em que o legislador efetivamente não quis regular algo, o chamado silêncio eloquente. Isso significa dizer que muitas vezes o legislador deliberadamente deixará de regular certa questão, pois efetivamente entendeu que ela não merece tratamento legal, não sendo uma questão lacunosa, mas sim uma questão efetivamente sem regulação.

Na regulação do regime do sinal, é possível verificar que, tanto o legislador português quanto o legislador brasileiro nada falaram sobre o controle do valor, mesmo que em ambos os códigos a regulação da figura tenha sido de certa forma extensa. De forma diversa nos dois códigos, há regras específicas sobre o controle da “pena convencional”, que se encontram no

629 MONTEIRO, António Pinto. Cláusula Penal e Indemnização, p. 218-220. 630 OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. Ensaio Sobre o Sinal, p. 255.

631 OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. Ensaio Sobre o Sinal, p. 260.

632 “Enunciado 165: Art. 413: Em caso de penalidade, aplica-se a regra do art. 413 ao sinal, sejam as arras confirmatórias ou penitenciais.” (CONSELHO DE JUSTIÇA FEDERAL. Jornadas de Direito Civil I, II, IV e V – Enunciados aprovados)

633 SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Do descumprimento das obrigações: consequências à luz do princípio da restituição integral, interpretação sistemática e teleológica, p. 302-303.

634 TARTUCE, Flávio. Direito Civil, p. 262.

635 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução José Lamego. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, p. 525.

capítulo destinado ao regime da cláusula penal. Pergunta-se, então, por que o legislador estabeleceu regras para o controle da cláusula penal e não para o valor do sinal?

Não parece ser difícil verificar que o legislador foi eloquentemente silencioso quanto a essa questão. Nesse sentido, como bem aponta ANTUNES VARELA636, não se vislumbra a existência de uma lacuna no Código Civil português, que deliberadamente não regulou a matéria. Não parece ser possível, dessa forma, uma aplicação analógica do artigo 812º, já que não há uma lacuna, não sendo possível aplicar o artigo 10º do CCP. Tampouco se pode vislumbrar uma lacuna na lei brasileira, que, de forma aparentemente deliberada, tratou do controle da pena convencional no artigo 413, mas não disse nada nos artigos que regulam o sinal, que inclusive são tratados na sequência dos artigos sobre a cláusula penal. Não é correta a orientação doutrinária consagrada pela III Jornada de Direito Civil do CJF637. Não havendo omissão (lacuna), não se pode utilizar da analogia, conforme estabelece o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657, de 1942).

Além disso, a existência de uma lacuna pressupõe não só a falta de regulamentação, mas também a necessidade de regulamentação específica638. Já ficou evidenciado que o sinal não carece de normas para regulamentar o controle de seu valor. Este pode ser feito utilizando mecanismos existentes no sistema jurídico lusófono, como, por exemplo, o controle das declarações de vontade viciadas, o enriquecimento sem causa ou da alteração das circunstâncias639. O próprio PINTO OLIVEIRA640, um dos defensores da aplicação analógica da regra do controle da “pena convencional” ao valor do sinal, reconhece a existência de outras formas de controle. Ele reconhece que a redução do valor do sinal pode ser alcançada diretamente, através da aplicação do 334º e do 762º, n. 2, ou indiretamente, através da aplicação do 812º. Ou seja, utilizando-se da regra da proibição do abuso de direito, considerando os ditames da boa-fé, é possível alcançar o mesmo resultado que se alcançaria através do controle do valor pela regra da redução equitativa. Assim, mesmo que não se verifique uma alteração superveniente, uma hipótese de locupletamento ou um vício original na constituição do sinal, é possível controlar o valor do sinal, através da proibição do abuso de direito, conforme já foi defendido anteriormente no presente trabalho.

636 VARELA, João de Matos Antunes. Anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1º de Fevereiro de 1983. Revista Legislação e Jurisprudência, Coimbra, ano 119, n. 3742-3753, 1987, p. 347.

637 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, p. 380, nota 7. 638 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, p. 526.

639 BERNARDO, Nelson Raposo. Sinal da sua irredutibilidade por equidade: um problema de aplicação do artigo 812.º do código civil ao sinal, p. 418-419.

Mesmo que eventualmente se considere que as afirmações acima estão equivocadas, e que de fato existem lacunas nos ordenamentos jurídicos português e brasileiro, que merecem ser preenchidas com a aplicação analógica dos artigos 812º e 413, essa analogia deveria ser obstada. Isso porque as normas que regulamentam o controle da cláusula penal são excepcionais do ponto de vista material, o que significa dizer que não são suscetíveis de aplicação analógica641. As normas acima referidas se destinam ao controle do valor da sanção indenizatória estabelecida em cláusula penal. O controle do valor, diminuindo o valor da sanção, portanto, excepciona o direito do credor à indenização. Há, assim, um controle de um direito subjetivo à sanção definida na cláusula penal. É uma norma destinada a regular um grupo de casos específico, o grupo das obrigações que possuam cláusula penal.

O controle do sinal, por outro lado, pertence a outro grupo de casos. O controle do exercício do direito do sinal é diverso do controle do exercício da cláusula penal. Esse aspecto é ainda mais evidente no sinal penitencial, que não é destinado a sancionar uma conduta ilícita642, mas também é verificado no sinal confirmatório-indenizatório, que possui uma configuração, uma dinâmica diversa da cláusula penal como liquidação antecipada do dano. Em comum, ambos podem ser identificados como direitos subjetivos do “credor” da obrigação. Mas não se pode entender que os dois grupos de casos sejam idênticos. A utilização analógica desses artigos excepcionaria o normal exercício de um direito subjetivo das partes (o direito de arrependimento ou o direito à indenização previamente fixada), o que não pode ser admitido.

Defende-se no presente trabalho que não há uma verdadeira lacuna quanto à regulamentação do controle do sinal, o que impede uma aplicação analógica das regras de controle da cláusula penal. E ainda que tal defesa seja equivocada, e que efetivamente haja uma lacuna, verifica-se que as normas de controle da “pena convencional” têm natureza excepcional. Assim, não parece ser correta a defesa da aplicação analógica das regras de redução equitativa da pena convencional ao valor do sinal quando este for excessivo. Mais que isso, parece ser correto afirmar que seu controle deve se dar por mecanismos outros que não a redução equitativa da “pena convencional”, principalmente considerando as divergências estruturais que as figuras possuem e que foram acima destacadas.

A cláusula penal indenizatória possui uma dinâmica de controle própria, inclusive com normais legais para regulamentar e embasar esse controle, que, no Direito português e no Direito brasileiro, se restringe ao poder do julgador de reduzir a “pena convencional” de forma equitativa e quando for manifestamente excessiva. Como se trata de cláusula que estabelece

641 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, p. 502-503. 642 OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. Ensaio Sobre o Sinal, p. 258.

uma prestação futura e uma determinação antecipada do valor da indenização, a possibilidade de abusos e valores excessivos é bastante grande, o que faz com que o controle seja mais comum. Esse aspecto da cláusula penal também justifica que haja uma norma específica de controle, que, diferentemente do que defende PINTO MONTEIRO, não é uma norma que desencadeia um princípio de alcance geral, mas pelo contrário, é uma norma que absorve os ditames da boa-fé, sendo um exemplo de sua função corretiva do conteúdo contratual.643.

O sinal, por outro lado, tem regras esparsas e não exclusivas, possuindo uma dinâmica de controle diversa de acordo com sua espécie. Primeiramente é importante sempre considerar que o sinal possui um limite intrínseco, que de certa forma diminui os problemas relacionados a seu valor644. Ainda assim não se pode descartar a necessidade de reduzir esse valor. O controle

do valor do sinal penitencial será feito mediante a verificação do exercício do direito de arrependimento, ou seja, a verificação última que deve ser feita é se há abuso do direito de arrependimento. Já o sinal confirmatório-indenizatório será controlado quando houver vício de vontade em sua constituição, alteração das circunstâncias ou onerosidade excessiva, verificação de locupletamento ou abuso de direito.

643 MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-fé no Direito Privado, p. 581. 644 OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. Ensaio Sobre o Sinal, p. 245.

5 DOS PONTOS DE CONVERGÊNCIA ENTRE AS FIGURAS