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2.5 CONTROLE DA PENA CONVENCIONAL

3.2.1 Sinal Penitencial

O sinal penitencial tem como principal característica o enfraquecimento do vínculo obrigacional415, já que sua principal função é criar um direito de arrependimento para as partes em um contrato ou obrigação. A intenção das partes na constituição dessa espécie de sinal é, portanto, a criação de um direito de retratação, ou seja, a possibilidade de livre desvinculação da relação obrigacional, que será bilateral416 por causa da sua estrutura, como será detalhadamente evidenciado mais à frente. O tradens, ao entregar o valor ou objeto a título de sinal ao accipiens, o faz como forma de definir o preço de seu arrependimento417, aceitando que o sinal seja retido caso opte por se desvincular do contrato ou obrigação. Da mesma forma, fica definido que o accipiens poderá se arrepender caso devolva o sinal “em dobro” para o tradens. Importante notar que, caso o contrato seja definitivo, esse arrependimento significará a possibilidade de desvinculação durante o prazo do contrato, e, por outro lado, caso seja um contrato-promessa, significará a possibilidade de recusa na celebração do contrato prometido. Essa “vontade de desvinculação”, repita-se, é sempre constituída para ambas as partes. Em um contrato, o sinal penitencial usualmente virá previsto da seguinte forma:

Cláusula XX – Na ocasião da celebração do presente contrato, A entrega para B a quantia de €XXXXXX (xxxxxx euros) a título de sinal.

414 MARTINS-COSTA, Judith. Do adimplemento das obrigações, p. 504.

415 Aspecto destacado por OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. Ensaio Sobre o Sinal, p. 46; e RODRIGUES, Lia Palazzo. Das Arras, p. 54.

416 De forma diversa, PRATA, Ana Maria Correia Rodrigues. O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, p. 860, cogita a possibilidade de constituição de um sinal unilateral, o que não parece ser uma acepção muito correta. 417 MONTEIRO, António Pinto. Cláusula Penal e Indemnização, p. 171.

Parágrafo 1º. Caso A, a qualquer tempo, desista do presente contrato, B poderá reter a referida quantia dada como sinal.

Parágrafo 2º. Para que B, a qualquer tempo, desista do contrato, deverá devolver para A a quantia dada como sinal em dobro.

A noção de que o valor ou objeto dado como sinal penitencial é um verdadeiro preço do arrependimento das partes é fundamental para melhor entender as características dessa espécie. Isso porque, diferentemente da percepção de alguns autores418, a função do sinal penitencial não serve para compensar ou indenizar a parte que não desistir do contrato, mas sim para criar um verdadeiro direito de arrependimento para aquele que deseje se desvincular. Não há que se falar em indenização, pois não há conduta ilícita do arrependido, e também não há que se falar em descumprimento419, sendo o arrependimento uma manifestação lícita da vontade

da parte420. Não se busca uma compensação para aquele que não quis desfazer o contrato. Ao

contrário, se estabelece qual será o preço que cada parte deverá “pagar” caso queira “desdizer”421 o contrato.

Essa percepção de licitude do exercício do direito de arrependimento é fundamental para posteriormente se analisar o funcionamento e os efeitos do sinal penitencial. Com a constituição dessa espécie arral há também a constituição de um direito potestativo de desvinculação do contrato422. Cria-se, na verdade, um verdadeiro direito subjetivo para as partes, já que através de uma permissão normativa-convencional poderão exercer (aproveitar) esse direito (bem)423. Aquele que desejar se desvincular fará isso de forma lícita.

O sinal penitencial cria para as partes duas opções: cumprir o contrato ou livremente se arrepender424. Em última análise, a constituição de um sinal penitencial é efetivamente a constituição de uma obrigação com faculdade alternativa para o “devedor”425. Tal aspecto será melhor evidenciado quando forem analisados os efeitos e o funcionamento do sinal penitencial,

418 Como, por exemplo: RODRIGUES, Lia Palazzo. Das Arras, p. 55; SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Do descumprimento das obrigações: consequências à luz do princípio da restituição integral, interpretação

sistemática e teleológica, p. 213; SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das Obrigações: comentários aos arts. 389 a 420 do código civil, p. 298; VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, p. 381.

419 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. XXIV, p. 172.

420 OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. Ensaio Sobre o Sinal, p. 29. Interessante nota que RODRIGUES, Lia Palazzo. Das Arras, p. 55, também apresenta essa noção de licitude do arrependimento, mas acaba por se contradizer ao

apontar uma função compensatória inexistente para o sinal penitencial.

421 Utilizando uma tradução da interessante noção francesa, que aponta o sinal penitencial como um prix de dédit: MONTEIRO, António Pinto. Cláusula Penal e Indemnização, p. 172.

422 OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. Ensaio Sobre o Sinal, p. 93-94.

423 Conforme já explicitado anteriormente, a concepção de direito subjetivo para CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil, v. I, p. 893, é: “permissão normativa específica de aproveitamento de um bem”. 424 LOUREIRO, Francisco Eduardo. Arras, p. 774; e SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das

Obrigações: comentários aos arts. 389 a 420 do código civil, p. 312.

425 OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. Conceito e regime(s) do sinal no direito civil português. In: Estudos em homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida. Coimbra: Almedina, 2011. v. 2, p. 538.

mas desde já é importante destacar essa característica. Ao criar essa opção de cumprir ou desistir, o sinal penitencial acaba criando uma faculdade para a parte que quiser se arrepender, que poderá ou prestar a obrigação principal, cumprindo o contrato, ou prestar a obrigação alternativa, o sinal, extinguindo o contrato através da “dação em pagamento” do valor ou objeto constituído como sinal426.

O sinal penitencial inegavelmente, conforme o bom ensinamento de CALVÃO DA SILVA427, possui feição anormal, com caraterísticas diversas daquelas tradicionais do regime

geral do direito obrigacional. Sua função específica é criar um direito de arrependimento, oferecendo a possibilidade de desvinculação lícita pela parte que desejar exercer esse direito. Tendo essa noção clara, ficará mais fácil, à frente no presente trabalho, analisar os efeitos e o funcionamento dessa espécie de sinal. É importante ter em mente esse caráter anômalo do sinal penitencial, principalmente quando da identificação de sua constituição pelas partes, uma vez que, conforme será estudado mais à frente, essa espécie somente pode ser constituída pela vontade das partes ou quando a lei expressamente determinar sua constituição428. Certas vezes sua existência será presumida, mas na maioria das vezes somente poderá ser identificada caso as partes tenham assim acordado.