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A cláusula penal e o sinal são, como já foi anteriormente evidenciado, cláusulas assessórias típicas de relações contratuais, inseridas em contratos em geral, ou mesmo relações obrigacionais, destinadas a certo fim. Também foi demonstrado que ambos os institutos são negócios jurídicos, já que são declarações de vontade destinadas a constituir obrigações e definir direitos, buscando o objetivo acima mencionado. Por serem negócios jurídicos muitas vezes destinados a fins comuns e com afinidade funcional, poderia ser cogitado que sua estrutura fosse a mesma. Mas não é o que acontece. Quando se faz uma análise detida das figuras e se as coloca em perspectiva, logo se verifica que do ponto de vista estrutural elas são consideravelmente diversas.

A diferença estrutural entre as figuras se relaciona com a forma como cada uma é constituída, sendo a cláusula penal uma promessa de prestação futura, enquanto o sinal constitui

uma entrega de coisa. Tal aspecto é particularmente destacado por ALMEIDA COSTA592, que, ao referir sobre as diferenças “formais” entre as figuras, aponta o modo de constituição diverso que cada uma possui. O sinal possui um caráter real que não é verificado na cláusula penal, aspecto que é ressaltado por certa doutrina593. Sendo ambas as figuras negócios jurídicos, essa referida diferença é verificada no plano da existência de cada uma e, mais especificamente, se relaciona com um dos elementos gerais do plano da existência594, qual seja, sua forma. JUNQUEIRA DE AZEVEDO595 bem evidencia que todos os negócios jurídicos possuem uma

forma, que é o modo como a declaração de vontade deve ser expressa para que o negócio jurídico exista, sendo que alguns possuem formas típicas e outros atípicas.

A constituição do sinal prescinde de certa solenidade, ou forma típica, a entrega do bem a título de sinal, fazendo com que este possua o caráter real acima referido, sendo um negócio jurídico real quoad constitutionem. O sinal depende de um ato material, a entrega da coisa, para ser constituído, somente existindo caso tal ato seja efetivamente praticado596. Por outro lado, a cláusula penal não possui forma típica, bastando apenas a declaração de vontade das partes para que seja constituída. Trata-se de negócio jurídico meramente consensual, não sendo identificado elemento específico para que este exista. Assim, é possível traçar uma separação bem nítida entre um negócio jurídico puramente convencional, a cláusula penal, e outro que tem natureza real, o sinal.

Para que as partes estipulem uma cláusula penal, é necessária uma declaração de vontade válida de cada uma delas. Uma das partes será o credor da obrigação, e terá o direito ao cumprimento ou “alternativamente” à sanção estabelecida na cláusula. A outra parte será o devedor, aquele que promete a realização de uma prestação “alternativa” caso não cumpra a obrigação acordada. Já na estipulação do sinal, não basta a declaração de vontade das partes, é preciso algo mais, que é a entrega do bem objeto do sinal. Uma das partes, o tradens, entrega para a outra parte, o accipiens, uma coisa a título de sinal, surgindo assim o negócio jurídico. É preciso, portanto, além da declaração de vontade das partes em constituírem o sinal, um ato jurídico material, que é a entrega do bem.

Da avaliação da forma de constituição de cada uma dessas cláusulas se observa outra diferença estrutural, relacionada com a classificação da obrigação gerada. O negócio jurídico

592 COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações, 12. ed., p. 796.

593 Como: GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, p. 380; MONTEIRO, António Pinto. Cláusula Penal e Indemnização, p. 185; OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. Ensaio

Sobre o Sinal, p. 79; e VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, p. 389.

594 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico - Existência, Validade e Eficácia, p. 31-32. 595 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico - Existência, Validade e Eficácia, p. 126. 596 ROSENVALD, Nelson. Cláusula Penal: A pena privada nas relações negociais, p. 174-175.

que constitui a cláusula penal usualmente irá criar uma obrigação unilateral, pois somente uma das partes será o credor da prestação “alternativa” prometida, sendo a outra o devedor dessa obrigação. Suponha-se que, em uma obrigação de entrega de coisa certa, por exemplo, um carro, as partes estabeleçam que, em caso de atraso na realização dessa prestação, aquele que deve entregar o carro tenha que pagar €50,00 (cinquenta euros) por dia de atraso. Nesse caso, somente uma parte é a devedora da cláusula penal, sendo a outra a credora.

É possível argumentar que essa possibilidade somente existiria quando houvesse relação paritária entre as partes, não podendo ser inserida uma cláusula penal unilateral em contratos por adesão ou de consumo. Nesse sentido, inclusive, vem decidindo o STJ-Brasil597,

ao determinar que, caso seja verificada uma cláusula penal unilateral em contratos ou relações “consumeristas”, ela deve ser interpretada como bilateral598. Porém, ainda assim a estrutura da

cláusula penal faz com que a obrigação nela contida seja unilateral. Isso porque ela é destinada somente a reforçar uma obrigação por vez. Ainda que em um contrato se estabeleça que “Em caso de violação de qualquer cláusula do presente contrato, a parte violadora deverá pagar o valor de €1.000,00 (mil euros)”, a obrigação oriunda dessa cláusula penal será unilateral. A cláusula penal em si será bilateral, pois é destinada às duas partes, mas no núcleo de cada obrigação assegurada a prestação futura é unilateral, pois somente haverá um credor e um devedor.

Por outro lado, o negócio jurídico (real quoad constitutionem) que constitui o sinal estabelece uma obrigação bilateral599. Ambas as partes são credoras e devedoras de obrigações ao mesmo tempo600. Tanto o tradens quanto o accipiens possuem um crédito e um débito simultâneos, existindo assim prestações recíprocas que são a tônica das obrigações bilaterais. Considerando um hipotético contrato-promessa de venda de um imóvel, em que uma das partes entrega para a outra €1.000,00 (mil euros) a título de sinal, a constituição desse sinal cria obrigações para ambas as partes. Aquele que entregou a quantia fica obrigado a “perder” o bem

597 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp 706499/RJ. Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira. DJe 16/06/2017; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 1.665.550/BA. Rel. Min. Nancy Andrighi. DJe 16/05/2017; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp 985690/AM. Rel. Min. Moura Ribeiro. DJe 03/04/2017; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. 1119740/RJ. Rel. Min. Massami Uyeda. DJe 13/10/2011.

598 Contudo, considerando a quantidade de demandas sobre o assunto, o Ministro Luis Felipe Salomão propôs uma afetação de todos os processos que versam sobre a possibilidade de inversão da cláusula penal em favor do consumidor, para que estes sejam decididos em conjunto por meio do rito dos recursos repetitivos. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. ProAfR no REsp 1614721/DF. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. DJe 03/05/2017; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. ProAfR no REsp 1631485/DF. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. DJe 03/05/2017.

599 Conforme já destacava PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. XXIV, p. 158, ao apresentar as diferenças entre as arras do Direito antigo e as arras contemporâneas.

caso não cumpra o contrato, enquanto aquele que recebeu o valor fica obrigado a devolvê-lo em dobro caso não celebre o contrato prometido.

Verifica-se, dessa forma, que a cláusula penal é um negócio jurídico voltado para o futuro, que somente irá funcionar e produzir efeitos caso certo fato ocorra, e que estabelece uma obrigação unilateral, destinada a somente uma das partes na relação obrigacional. Já o sinal é um negócio jurídico mais atual, que no momento de sua constituição já produz alguns efeitos e que acaba criando uma obrigação bilateral, voltada para ambas as partes da relação obrigacional. Há cláusulas penais que têm consequência bilateral para as partes, mas no geral a estrutura delas levará a uma unilateralidade natural, enquanto a estrutura do sinal, por outro lado, levará sempre a uma bilateralidade601.

Por fim, cabe mencionar que a divergência estrutural entre as figuras também é sentida na definição de seu objeto. A cláusula penal, por ser uma promessa futura, admite uma gama de opções bem mais alargada, podendo ser constituída como sanção uma obrigação de pagar dinheiro, de entregar certo bem ou mesmo a perda de determinado direito. Não haverá limite estrutural quanto ao objeto, que não precisa ter qualquer relação com o objeto da obrigação principal. Como visto, existem alguns limites legais para a cláusula penal, que dependem de sua espécie ou tipo de contrato em que foi inserida, mas as limitações existentes não estão ligadas a sua estrutura.

O sinal, diversamente, possui certas restrições quanto ao seu objeto, muitas das quais se dão por conta de sua estrutura. Como essa figura é constituída por uma prestação presente, com a entrega de um bem, usualmente será desejável que esse bem guarde relação com o objeto da prestação principal. Por ter aspecto de princípio de pagamento, inclusive, será de certa forma usual que o sinal seja dado em dinheiro. Além disso, o sinal encontra um limite intrínseco, natural, relacionado com sua estrutura. Não se cogita, como anteriormente foi demonstrado, que o sinal seja constituído por um bem ou valor que ultrapasse o valor da obrigação principal. Essa possibilidade não parece ser compatível com a estrutura e a forma de constituição do sinal, além de também não se harmonizar com seu funcionamento e produção de efeitos. Em um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, cujo valor seja de €100.00,00 (cem mil euros), não faz nenhum sentido que o comprador entregue como sinal para o vendedor a quantia de €150.00,00 (cento e cinquenta mil euros). Trata-se de algo alheio à natureza e à estrutura do sinal, existindo, portanto, um limite intrínseco que não é verificado na cláusula penal602.

601 OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. Ensaio Sobre o Sinal, p. 243-244. 602 OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. Ensaio Sobre o Sinal, p. 245.

Certo é que, apresentadas as diferenças estruturais, a afirmação de que o sinal é uma espécie de cláusula penal cai por terra, sendo efetivamente uma figura diversa603. A diferença estrutural das duas figuras acaba influenciando em sua constituição, definição de seu objeto e também na verificação de certos efeitos. Obviamente que os principais efeitos do sinal também são “condicionados”, sendo que sua eficácia, assim como a da cláusula penal, depende de certo fato para ser desencadeada (incumprimento da obrigação ou exercício do direito de arrependimento). Porém, essa característica não se prende muito com aspectos estruturais, e sim aspectos funcionais, que serão tratados mais adiante.