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CAPÍTULO 5 − DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

5.2 ANÁLISE DOS DADOS

5.2.1 A seleção do livro didático

Nesta seção, temos o objetivo de explicitar a resposta à primeira pergunta de pesquisa:

Quais critérios são utilizados na escolha do livro didático?

A partir dela, buscamos analisar o que orienta o professor no momento da escolha do LD, destacando, sobretudo, se os PCN e/ou o Guia de Livros Didáticos influenciam-no em algum momento, no ato de seleção.

Por meio das entrevistas, verificamos que os critérios para a escolha do LD pelas professoras são de natureza diferente, pois ora apontam para questões ligadas ao conteúdo, como gramática, texto e produção de texto; ora para aquelas de cunho ideológico: relação com a realidade local. No trecho abaixo, verificamos que a professora PEE2 considera critérios ideológicos e conteudísticos na seleção; e que a gramática, presente com freqüência nas 8 horas- aula assistidas, não é algo relevante nesse processo, pois a referida professora parece estar consciente de que as questões gramaticais já não são enfatizadas.

E: E como assim vocês escolhem um livro e não escolhem outro? P: O livro ele tá... quando nós escolhemos a gente vê se o perfil tá mais ou menos com a

realidade da nossa região... e o que nós consideramos dentro do do livro... o conteúdo

dele éh são os textos... trabalhando com os textos... a gramática hoje desses livros já são... é bem pouco assim eles não visualizam muito bem a gramática e sim eles trabalham em cima do texto... eles não puxam aquela gramática mesmo... eles

aproveitam pra... por exemplo... dá o adjetivo... eles já puxam do texto as palavras pra falar sobre a qualidade entendeu? (...)

E: E como você avalia esse livro em relação à proposta de interpretação de texto? Em

relação a essa.../ a avaliação que você faz do livro?

P: éh na questão do texto... os textos são bons mas eles são muito éh longos... isso

deixa... isso torna a aula muito cansativa... e alguns textos desse livro chama / é bom de trabalhar... que é a vivência do aluno... é educativo e outros assim tão fora assim da realidade deles. (...)

(Entrevista com PEE2, 31/05/07)

Identificamos também que os critérios são inconsistentes, uma vez que as respostas das professoras às perguntas sobre as propostas do LD demonstraram que não houve uma reflexão sobre as questões abordadas no livro e que a PEE1 não compreende de que forma o trabalho com o oral pode ser desenvolvido, pois o relaciona ao texto escrito e a PEM2 parece confundir leitura, provavelmente em voz alta, com oralidade, como verificamos nestes trechos:

E: Como você avalia o livro adotado em relação à proposta de produção textual? P: Olha... o livro é bem interessante... eu gosto do livro... o que falta mesmo é poder

fazer esse trabalho na sala de aula.

E: E as propostas de linguagem oral do livro?

P: São razoáveis... são razoáveis... a gente pode complementar com outras coisas... com

algumas coisas que a gente traz / textos prontos feito em cartolina / a gente pode melhorar através disso aí.

E: e a gramática?

P: a gramática não vejo nenhuma dificuldade porque a gente pode criar qualquer tema

da gramática em cima de qualquer texto que a gente vai trabalhar com o aluno.

(Entrevista com PEE1, 28/03/07) E: E o que você acha das propostas que vêm no livro? Você acha que são interessantes? P: Algumas são interessantes... outras a gente faz a parte dentro daquilo que nós

planejamos... além outros objetivos fora do que vão constar do livro.

E: E em relação às propostas de oralidade... como você as avalia? P: Em relação à leitura?

E: não... à oralidade mesmo... as propostas destinadas ao trabalho oral no livro. P: olha... do livro tudo nós utilizamos né? Essas propostas também são utilizadas.

(Entrevista com PEM2, 16/04/07)

Eles também se mostram inconsistentes porque, das seis professoras, cinco afirmaram priorizar o texto no momento da escolha, mas, quando consultadas sobre os pontos negativos do material, quatro delas citaram a presença de textos longos. Se o fator determinante para escolher um e não outro material é prioritariamente o texto, parece evidente que há intenção em utilizá-lo

em sala de aula. Todavia, percebemos, por meio das observações, que duas professoras (PEE2 e PEF2) não o utilizaram em sala de aula e que as outras usaram-no esporadicamente. Por exemplo, durante 12 horas-aula de observação na escola EE1, ele foi tomado uma única vez, exclusivamente, para identificação de questões gramaticais.

A partir das reflexões sobre as observações e entrevistas, podemos afirmar que os critérios utilizados são também de ordem subjetiva, porque as professoras não elencam questões passíveis de análise, como a presença de atividades reflexivas e de textos que contemplem a diversidade de contextos de usos da língua. Acreditamos ser isso um aspecto problemático na situação de ensino-aprendizagem, pois o LD exerce ou deveria exercer a função de material de apoio, requerendo uma seleção realizada a partir de critérios objetivos. Além disso, agindo assim poderiam ser escolhidos livros que atendessem, quiçá, os reais objetivos de aprendizagem. Acreditamos também que o Guia de Livros Didáticos e os PCN, como diretrizes, poderiam auxiliar as professoras na definição de critérios por meio dos quais os livros poderiam ser analisados, uma vez que o primeiro apresenta os princípios, a ficha de avaliação e as resenhas das coleções aprovadas pelo PNLD e o segundo os princípios norteadores do ensino de LP, indicando a unidade e o objeto de ensino. No entanto, o que percebemos é o não acesso ao primeiro e, praticamente, o desconhecimento da proposta veiculada no segundo.

Quanto ao Guia, não foi possível saber ao certo, por meio das entrevistas, se a escola não o recebeu ou se a diretora não o repassou às professoras. O fato é que elas não o consultaram e algumas confundiram-no com a ficha de seleção, como podemos confirmar nestes trechos das entrevistas com PEF1 e PEM1:

E: E:: durante essa seleção... vocês já tiveram acesso ao guia... o guia do LD? A escola...

(...)

P: Recorremos... nós recorremos sim. E: Ah... ta.

P: Porque quando eles lá... eles davam o livro pra gente já vinha... trabalhávamos de 1ª a

4ª série... assim todas as disciplinas... eles davam a coleção de português matemática história geografia por série... e aqui a gente trabalha já por série e a gente pega só o livro mesmo... eu pelo menos... peguei só esse livro que a outra professora me repassou.

E: O guia... eu falo de um documento... de um livro divulgado pelo Mec... distribuído

pelo Mec às escolas?

P: Ah não... nós não tivemos acesso a isso.

E: [Que traz resenhas sobre o livro didático... ah esse livro

é bom... esse livro é ruim... esse livro é recomendado... vocês não tiveram acesso?

P: Não... o que eles deram pra gente é tipo um... um cartaz né... só com... E: [Com os livros? P: Isso... mas não o livro em si... mas só as fotos deles pra gente ler e escolher.

(Entrevista com PEF1, 20/10/06)

E: /.../ o guia auxiliou vocês na escolha ou não? P: se ele?

E: sim... se ele auxiliou vocês na decisão de escolher um ou outro livro?

P: porque não tem um negócio de um código lá você pode escolher tem umas observações... mas não se preocupamos assim não

(Entrevista com PEM1, 31/10/06)

Sem consulta ao Guia, a seleção está sujeita a não ser a mais apropriada para o cumprimento dos objetivos gerais para o ensino de LP − principalmente quando as professoras não possuem um conhecimento mais aprofundado sobre que tipo de ensino pode favorecer o desenvolvimento das habilidades lingüístico-linguageiras − porque ele traz uma avaliação realizada por especialistas que buscam apresentar os pontos fortes e fracos do material, destacando a importância do trabalho com todas as competências. Dessa forma, as professoras poderiam se basear no Guia para avaliar o LD de modo mais objetivo e, por conseguinte, selecionar aquele que se mostrasse melhor para o desenvolvimento das habilidades lingüísticas e linguageiras dos alunos.

Em relação aos PCN, algumas professoras ressaltam aproveitar os objetivos, elencados nesse documento no momento do planejamento. Entretanto, sabemos que o simples estabelecimento deles não implica o sucesso no ensino, porque eles “só podem ser conquistados se os conteúdos tiverem um tratamento didático específico, ou seja, há uma estreita relação entre o quê e como ensinar” (BRASIL, 2001, p. 47).

Percebemos, por meio das entrevistas e notas de campo, que as professoras parecem desconhecer a proposta contida nesse documento, o que pode levá-las a continuarem seguindo o “velho” e repetitivo modelo de ensino prescritivo. Vejamos nestes trechos abaixo:

E: E você assim ainda não conhece a proposta pra língua portuguesa? P: Não... não... não conheço ainda a proposta dos PCN pra língua portuguesa.

(Entrevista com PEE2, 31/05/07) E: E em relação aos PNC... como você os avalia? ((neste momento, a professora dirige-

se a outra e pergunta sobre os PCN, demonstrando certa aflição. Quando percebe que a gravação ainda está em curso, fica preocupada com o registro das informações.)) (incompreensível)

P: Nós estudamos... nós estudamos todos os dias de PCNs... só que nós não temos... nós

não temos... se discute os PCNs. ((a professora sinaliza para que a gravação seja parada)).

(Entrevista com PEF2, 22/05/07) E: ta ok. Em relação aos PCNs, você os leu?

P: leio

E: Qual sua opinião em relação a eles?

P: é um apoio muito bom pra mim sabes? Eu busco nos PCNs as questões até mesmo

quando vou traçar os planejamentos, os meus objetivos em relação ao que é necessário pro ciclo que to trabalhando?

E: Você acha que eles auxiliam na utilização do livro e qual seria a maior contribuição

deles?

P: olha, ele traz muitas estratégias boas. Como eu te falei em relação aos objetivos, ele

esclarece muitas dúvidas que possa ter os PCNs ele traz.

(Entrevista com PEM2, 16/04/07)

Nesses três trechos, uma professora declara não conhecer os PCN de LP e as outras dão respostas evasivas − e até inviáveis, como ler os PCN todos os dias − que não informam sobre o conteúdo desses documentos, demonstrando que, embora eles estejam funcionando há 10 anos como referência teórico-metodológica para o ensino, muito ainda precisa ser feito para que as professoras possam analisar as suas propostas e, com base nelas, escolher aqueles LD que tomem o uso da linguagem como ponto de partida e chegada e a reflexão como uma prática a ser associada ao trabalho de compreensão e produção de textos orais e escritos.

Diante dessa constatação, podemos afirmar que a não consulta ao Guia e o desconhecimento da proposta dos PCN influenciam no momento da definição de critérios de seleção, porquanto faltam informações sobre os eixos que devem nortear o ensino e sobre os objetos a serem priorizados na sala de aula. Essa falta de informação, por sua vez, faz com que o ensino continue a ser regido por meio de normas de bom uso da língua.