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CAPÍTULO 3 − O LIVRO DIDÁTICO

3.3 O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA

De acordo com Soares (1998, 2001, 2002), foram várias as mudanças no LD de português no decorrer dos séculos: quanto à forma, ao conteúdo, à metodologia, à durabilidade, ao prestígio social do autor do livro, à produção, ao perfil do professor subjacente ao LD, ao tamanho dos textos e do livro, à seleção de textos, à seleção de autores e à concepção de língua. Para a autora, essas transformações estão associadas, de certa forma, à democratização do ensino, principalmente a partir dos anos 60, e à alteração do perfil do professor.

Destacaremos aqui apenas algumas dessas mudanças em relação:

1) À metodologia

O LD, antes da década de 1960, em geral, apenas fornecia ao professor elementos básicos para o seu trabalho. Atualmente, os livros procuram dar-lhe uma orientação muito detalhada. Por exemplo, a Antologia Nacional, um livro usado durante 74 anos, era apenas uma coletânea de textos. Ao lado dele, usava-se uma gramática normativa. Esse livro não apresentava nem manual do professor, nem exercícios. Segundo Soares (2006), atualmente, não se concebe um livro sem o manual do professor que surgiu, tal como o conhecemos hoje, nos anos 60. A inclusão de um material dirigido ao professor se tornou uma necessidade principalmente a partir dessa época, em razão das condições de trabalho do professor, uma vez que a democratização do ensino trouxe à sala de aula alunos com pouco ou nenhum acesso à cultura letrada.

Soares (2001) acrescenta que, na primeira metade do século XX, nos cursos secundários, atuavam professores de LP selecionados entre intelectuais que demonstravam domínio da língua e das literaturas portuguesa e brasileira. A partir da década de 70, o professor já não é um intelectual, mas um indivíduo de classe menos favorecida, com menos contato com a língua padrão. Segundo a autora, a mudança do perfil do professor ocorreu em decorrência da multiplicação de alunos advindos de classes desfavorecidas, o que gerou o surgimento de escolas

para a formação de professores — muitas sem condições para proporcionar uma formação adequada.

2) Ao tempo de permanência do LD junto ao aluno.

Antes de 1985, o livro era usado por um único aluno, mas, a partir desse ano, foi editado o decreto nº 91.542, de 19/08, que previa a reutilização do livro (exceto para a 1ª série), implicando a extinção do livro “descartável”. Esse decreto também previa a escolha do LD feita pelo professor e a distribuição gratuita às escolas com recursos do Governo Federal. Atualmente, o PNLD propõe que o livro seja usado pelo menos durante três anos, exigindo a devolução deste à escola, para que outro aluno possa reutilizá-lo: “Confeccionado com uma estrutura física resistente, o livro deve ser reutilizado, no mínimo, por três anos consecutivos, beneficiando mais de um estudante nos anos subseqüentes, exceção feita à cartilha de alfabetização e aos livros de 1ª série” (MEC, 2006). Para incentivar o cuidado com o livro e a devolução deste à escola, o MEC iniciou, em 1999, a campanha de conservação do LD.

3) Ao prestígio social do autor do livro

Antes da década de 60, a produção do LD era considerada uma atividade de status, geralmente feita por cientistas, intelectuais, professores de universidades. Por exemplo, os autores da Antologia Nacional, Carlos de Laet e Fausto Barreto: este era filólogo, catedrático de Português do Colégio Pedro II; aquele era filólogo, membro fundador da Academia de Letras, jornalista e crítico literário. A partir da década de 60, a produção dele passa a ser considerada uma atividade menos prestigiada no campo de publicações científicas. Os autores passaram a ser professores do ensino elementar e médio e, em geral, desconhecidos. Segundo Soares (2002),

essa mudança deu-se em razão da intensificação da democratização do ensino, a partir dessa década, trazendo uma grande expansão da rede de escola e modificando as características dos professores e dos alunos. Mais recentemente, já aparecem professores-pesquisadores prestigiados, como Magda Soares e Carlos Faraco, envolvidos na produção de LD.

4) Ao perfil do professor-leitor subjacente ao LD

Antes da década de 70, o perfil social era o de um bom leitor e conhecedor da língua, capaz de criar situações para a aprendizagem da leitura e da escrita sem diretivas e orientações dos autores do manual didático. Segundo Soares (2001), da década de 70 até hoje, o perfil social é o de um professor com pouca familiaridade com a leitura e um leitor que apresenta deficiências, tanto na quantidade quanto na qualidade do que lê.

5) À seleção de textos

Nas primeiras décadas do século XX, de acordo com Soares (2001), era freqüente só se admitir gêneros da esfera literária e com temas voltados para a moralidade e honestidade. É, a partir aproximadamente da década de 80, que começam aparecer de forma mais clara outros temas e outros textos de outros campos de circulação social. Além disso, já há a preocupação de o texto não expressar preconceitos, como racial, feminino, homossexual, entre outros.

Segundo Soares (2006), a entrada abrupta de textos de outras esferas, por exemplo, a jornalística não pode reduzir o contato dos alunos com os da literária, pois eles precisam apropriar-se dos diferentes gêneros que circulam nos diversos campos da interação humana.

6) À concepção de Língua

Para Soares (1998), a concepção de línguapresente nos manuais era fundamentada, até a década de 60, no estruturalismo; dos anos 60 até o final dos anos 80, na teoria da comunicação; a partir dos anos 90, no sócio-interacionismo.

Discorremos, neste capítulo, sobre o LD como objeto de estudo e as principais mudanças pelas quais ele passou, bem como sobre a concepção de alguns estudiosos da área a respeito da função dele em sala de aula. O objetivo deste capítulo foi situar o LD em um contexto educacional onde diferentes elementos estão envolvidos, não sendo, portanto, válido atribuir a má seleção dos objetos de ensino ou, ainda, o fracasso escolar, quase que exclusivamente, a esse material.

Todos os aspectos até aqui discutidos são considerados relevantes para este estudo por fornecerem referenciais para a condução da análise de nossos dados, haja vista que temos a finalidade de diagnosticar o uso do LD em práticas efetivas e de refletir a respeito dos critérios de seleção do material, do objeto de ensino priorizado, das estratégias implementadas pelo professor na utilização do livro e da função deste material em sala de aula de LP, bem como propor procedimentos para um melhor aproveitamento do LD.