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A sistemática de tratamento ao transexual: limitações e insuficiência

No documento Rogerio Volpatti Polezze.pdf (páginas 105-107)

5 ANÁLISE DE POLÍTICAS EXISTENTES PARA MINORIAS SEXUAIS Procura-se, doravante, exemplificar a fragilidade das políticas públicas no

5.3 A sistemática de tratamento ao transexual: limitações e insuficiência

A dependência de decisões judiciais, de forma a efetivar evidentes direitos fundamentais, traz algumas consequências. De um lado, demonstra que o direito brasileiro encontra-se na vanguarda mundial, tornando efetivo direitos vagos, princípios tão caros à humanidade, sem depender de formação, neste aspecto, da vontade da maioria (o que poderia nunca acontecer, relegando parte minoritária da população a uma espécie de classe inferior de detentor de direitos ou desvalidos de direitos, na verdade). Mas, por outro lado, implica a ausência de previsão normativa detalhada sobre os casos a reclamar determinado regulamento geral e abstrato.

Exemplo interessante é a Lei italiana sobre transexuais, datada de 1982, estabelecendo regras (por vezes, contestáveis, é verdade), mas que oferece parâmetros claros para a atuação estatal.

Em posição diversa, temos no Brasil o reconhecimento de cirurgia de adequação sexual253 (custeada por recursos públicos, por meio de decisão judicial acima referida), o que, claramente, representa um avanço inquestionável no tratamento esperado aos transexuais. No entanto, a política pública originada é muito demorada e impõe a espera de muitos anos para a realização da cirurgia. Igualmente problemático, mas que não foi objeto de questionamento naquele processo, são as consequências além da cirurgia: e o

253 Desde 1997, por meio da Resolução CFM nº1.652/1997 (Disponível em:

http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/1997/1482_1997.htm. Acesso em: 17 maio 2015), o Conselho Federal de Medicina autoriza a cirurgia de “transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia, neofaloplastia e ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento de transexualismo”. No entanto, naquele momento, a título experimental. Por meio da Resolução CFM nº1.652/2002 (Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2002/1652_2002.htm. Acesso em: 17 maio 2015), o Conselho retirou o caráter experimental da autorização para “cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualismo” (para adequação do fenótipo de masculino para feminino). Manteve, de qualquer forma, a título experimental, “a realização de cirurgia do tipo neofaloplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualismo” (para adequação de feminino para masculino). Atualmente, o Conselho regula o

tema por meio da Resolução CFM nº1.955/2010 (Disponível em:

http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2010/1955_2010.htm. Acesso em: 17 maio2015), mantendo a autorização tanto para adequação corporal de masculino para feminino (sem o caráter experimental) quanto para a adequação de feminino para masculino (com caráter experimental). Nessa última resolução, lê-se, ainda: “Art.3º Que a definição de

transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios abaixo enumerados: 1) Desconforto com o sexo anatômico natural; 2) Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto; 3) Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos; 4) Ausência de outros transtornos mentais.(Onde se lê “Ausência de outros transtornos mentais”, leia-se “Ausência de transtornos mentais”); Art.4º Que a seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo obedecerá a avaliação de equipe multidisciplinar constituída por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social, obedecendo os critérios a seguir definidos, após, no mínimo, dois anos de acompanhamento conjunto: 1) Diagnóstico médico de transgenitalismo; 2) Maior de 21 (vinte e um) anos; 3) Ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia.” (destaques do original) . E, a propósito da transcrição acima, observe-se ressalva constante do texto disponível na internet, no sentido de que deve ler-se “ausência de transtornos mentais”, o que acompanha posicionamento médico mais recente no sentido de que a transexualidade não é um transtorno psiquiátrico.

nome civil? O gênero resta modificado apenas após a cirurgia? E o tratamento social – por exemplo, uso de banheiro – como deverá ocorrer?

Às vezes, estas questões podem soar simplistas, mas têm uma carga emocional evidentemente intensa na população atingida, que, por óbvio, deixa de ser reconhecida pelos Poderes constituídos.

Ou seja, se é louvável a firme atuação do Judiciário na defesa irrestrita de direitos fundamentais, inclusive, fazendo valer estas observações frente a decisões possivelmente contrárias de maioria democrática, a persistência da omissão legislativa, ainda, repercute negativamente no Estado brasileiro. E, por consequência, a todo momento, faz-se necessário buscar a tutela jurisdicional especialmente para modificar registros civis e documentos.

Ou, então, como o transexual terá garantido o pleno exercício de seu direito ao trabalho e à vida digna? Não terá.

Nem se discute que o assunto seja estranho ao Parlamento. Não é. Há alguns projetos de lei relativos à população LGBT. Ainda, em âmbito de pesquisa e estudo, encontra-se o exemplo de análise pertinente do próprio Parlamento brasileiro, apontando a ausência de tratamento legal especificamente sobre a mudança de sexo e sua repercussão social.254

Pode-se concluir que o sofrimento, dor pessoal e psíquica do transexual será muito maior do que das demais pessoas constantes das minorias sexuais. As dificuldades enfrentadas serão de várias ordens: além da discriminação comum às minorias sexuais, terão a necessidade provável de procurar um acompanhamento médico (ao menos, hormonal e cirúrgico); e, mesmo após estes tratamentos, não terão a certeza da regularização de sua identidade civil (e normalidade de vida pessoal e produtiva).255 Tanto que a aceitação – social e estatal – parece mais forte em relação aos homossexuais, que, inclusive, em exemplos de menções (até legais, como o caso da lei paulista), percebe-se maior destaque (HOMOfobia). Até por esse aspecto, a população “trans” encontra-se em desvantagem.

254 A título de exemplo: ROCHA, Claudionor. Mudança de sexo e sua repercussão para o controle social. Estudo da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, Brasília, 2013. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/18823. Acesso em: 23 abr.2015.

255 Óbvio que não se defende condicionar realização de cirurgia de adequação sexual para modificação de registros civis.

Mas interessante observar que, nem nos casos de ter-se submetido à cirurgia de adequação sexual, haverá certeza de modificação dos assentos civis, pois inexiste lei regulando o tema.

6 PERSPECTIVAS: MEDIDAS A SEREM TOMADAS PARA O PLENO

No documento Rogerio Volpatti Polezze.pdf (páginas 105-107)