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Hipertrofia do ativismo judicial brasileiro

No documento Rogerio Volpatti Polezze.pdf (páginas 94-97)

4 POLÍTICAS PÚBLICAS E MINORAIS SEXUAIS

4.3 Ativismo judicial na defesa de direitos fundamentais

4.3.3 Hipertrofia do ativismo judicial brasileiro

Observe-se, na sequência, uma faceta muito própria do ordenamento jurídico brasileiro: o ativismo judicial mais robusto, mesmo em comparação com outros ordenamentos, tidos como avançados e, também eles, com constituições analíticas.

Com efeito, a Constituição recheada de termos com conteúdo de indiscutível carga valorativa, bem como o sistema híbrido de controle de constitucionalidade brasileiro (porque concentrado e difuso), somado às diversas ações disponíveis para a atuação jurisdicional, concretizando as normas constitucionais (por mais indefinidas ou principiológicas que possam parecer), tudo isso explica a enorme força atribuída à Corte brasileira. A propósito, retornamos ao exemplo do matrimônio homossexual no Brasil, promovendo uma rápida comparação com alguns países europeus, como Espanha, Portugal e Itália. Fazendo uma rápida menção, vê-se que o Brasil acompanha, em função da decisão judicial, Estados considerados avançados em direitos humanos,226 com a peculiaridade, contudo, de tal inovação, em nosso país, ter-se dado por decisão do Supremo Tribunal Federal.

A comparação exemplifica a extensão da decisão tomada pela Corte brasileira.

Como já assinalado, o Supremo Tribunal Federal, por meio de acórdão decidido à unanimidade, equiparou a união estável homoafetiva à heteroafetiva.227 Após dois anos do julgamento, uma Resolução228 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) garantiu a realização de matrimônio igualitário ou homossexual no Brasil. E, segundo dados do IBGE, em 2013, foram realizados 3.701 casamentos homossexuais no país.229

Isso tudo, a despeito de qualquer modificação legal anterior. Ou seja, não havia ocorrido qualquer inovação no ordenamento nacional a respeito da união estável ou casamento que tivesse sido analisada pelo Supremo Tribunal Federal.

226 Na Europa, por exemplo, apenas Itália, Grécia, Chipre e alguns ex-comunistas não dispuseram sobre o direito ao

matrimônio homossexual. (Disponível em: http://www.corriere.it/cronache/14_settembre_04/matrimoni-gay-16-paesi- mondo-dove-ci-si-puo-sposare-8a863bb0-3425-11e4-a3ec-50d128513f28.shtml. Acesso em: 26 jan.2015.)

227 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno, ADI 4277/DF, Rel.Min. AYRES BRITTO, DJe-198 Divulg13-10-

2011 Public 14-10-2011.

228 brac

comunicac

http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/resolução_n_175.pdf. Acesso em: 22.jan.2015)

229 Disponível em: http://www.sdh.gov.br/noticias/2014/dezembro/brasil-registrou-3-7-mil-casamentos-homoafetivos-em-

Todavia, em outras países, a discussão promovida diante das respectivas Cortes Constitucionais foi diversa: restringiu-se a análise da conformidade da lei, inovando o panorama jurídico local e trazendo a previsão de matrimônio igualitário.

Foi o que sucedeu na Espanha230 e em Portugal. Aliás, de início e na ausência de lei com previsão expressa, o Tribunal português foi contrário à instituição do matrimônio igualitário231, apenas passando a aceitá-lo quando houve uma modificação legislativa e a partir da análise da constitucionalidade da nova lei.232

Ou seja, nos dois casos estrangeiros, foi necessária uma atuação efetiva do Parlamento, de forma a inovar o ordenamento, com a inclusão expressa de lei com previsão de casamento igualitário.

Ainda, o caso italiano – país tão fortemente influenciado pelo religião (católica) – revela uma situação idêntica à portuguesa, quando da primeira decisão, ou seja: sem que tivesse havido qualquer modificação legislativa, a questão do casamento igualitário chegou ao Tribunal Constitucional, cuja corte decidiu contrariamente à pretensão de registro de matrimônio igualitário.233

230“Pleno. Sentencia 198/2012, de -

(Tribunal Constitucinal, Sentencia 198/2012, de 6 de noviembre de 2012. Disponível em: http://hj.tribunalconstitucional.es/HJ/docs/BOE/BOE-A-2012-14602.pdf. Acesso em: 22 jan.2015)

231Consta do acórdão: “14. Como se afirmou anteriormente, saber se as normas impugnadas violam o princípio da

igualdade é uma questão cuja resposta se encontra na concepção do casamento adoptada. Se se entender o casamento como uma instituição social que é apresentada aos cônjuges com um significado relativamente estável, enquanto união entre homem e mulher, designadamente assente na função que lhe cabe na reprodução da sociedade, pode fazer sentido reservar o casamento aos casais heterossexuais. Pelo contrário, apenas se se adoptasse uma concepção do casamento como relação puramente privada entre duas pessoas adultas, sem qualquer projecção na reprodução da sociedade, a exclusão dos casais homossexuais surgiria necessariamente como discriminatória. Ora, como se disse, não foi essa a opção legislativa. Em conjugação com estas considerações, existem ainda outras razões que afastam também a possibilidade de uma decisão de inconstitucionalidade das normas impugnadas. Tais razões são especialmente relevantes num caso, como o dos autos, em que está alegadamente em causa a concretização do princípio da igualdade. Na verdade, a decisão que julgasse inconstitucional as normas impugnadas teria claramente um carácter aditivo, de duvidosa legitimidade em face do princípio da separação de poderes. É certo que o Tribunal tem utilizado, por vezes, quer no âmbito da fiscalização abstracta, quer no da fiscalização concreta da constitucionalidade, este tipo de decisão para defender o princípio da igualdade contra discriminações de certas categorias de pessoas. Todavia, tal utilização restringe-se, por via de regra, aos casos em que está em causa a expansão de um regime geral, em virtude da eliminação de normas especiais ou excepcionais contrárias à Constituição, ou ainda a extensão de um regime mais favorável que seja de configurar como uma solução constitucionalmente obrigatória. Nenhuma destas hipóteses se verifica no caso em apreço, pelas razões apontadas.” (Tribunal Constitucional, 1ª Seção, Acórdão 359/2009, Processo nº779/2007. Disponível em: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090359.html. Acesso em: 22 jan.2015)

232 Tribunal Constitucional, Plenário, Acórdão 121/2010, Processo nº192/2010. Disponível em:

http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20100121.html. Acesso em: 22 jan.2015)

233Consta de parte do acórdão: “Infatti, come risulta dai citati lavori preparatori, la questione delle unioni omosessuali

rimase del tutto estranea al dibattito svoltosi in sede di Assemblea, benché la condizione omosessuale non fosse certo sconosciuta. I costituenti, elaborando l’art.29 Cost., discussero di un istituto che aveva una precisa conformazione ed un’articolata disciplina nell’ordinamento civile. Pertanto, in assenza di diversi riferimenti, è inevitabile concludere che essi tennero presente la nozione di matrimonio definita dal codice civile entrato in vigore nel 1942, che, come sopra si è visto, stabiliva (e tuttora stabilisce) che i coniugi dovessero essere persone di sesso diverso. In tal senso orienta anche il secondo comma della disposizione che, affermando il principio dell’eguaglianza morale e giuridica dei coniugi, ebbe riguardo

Apesar de bastante criticada a decisão italiana, parece autorizado concluir que está em consonância com a tradição de Separação de Poderes, e – a despeito da adoção inegável do controle jurisdicional da constitucionalidade naquele país234 – uma postura de respeito à primazia do Parlamento, enquanto voz apta a traduzir a vontade popular.

Pois bem, a despeito da semelhança ao contexto italiano (e inicial português), no Brasil, o Supremo Tribunal Federal seguiu em direção completamente oposta: fez valer os princípios caros ao caso e, portanto, deu efeitos concretos à plena igualdade entre as pessoas e à dignidade humana, independentemente de orientação sexual. Mesmo, frise-se, não havendo lei, regulando a união estável homoafetiva.

Nesse passo, bom destacar a notícia divulgada no sentido de que a Suprema Corte dos Estados Unidos analisará ainda este ano o cabimento do casamento homoafetivo, com efeitos a todos os Estados americanos.235 Ou seja, muito provavelmente, o Brasil não permanecerá isolado na instituição do casamento igualitária via decisão judicial.

Ainda que possa ser debatida a posição do Supremo Tribunal Federal (e recebe várias críticas, em especial, de representantes do Congresso Nacional), a decisão é paradigmática na defesa irrestrita dos direitos fundamentais, mesmo diante de uma eventual posição diversa da maioria da população236 representada no Congresso Nacional. Portanto, o Supremo Tribunal Federal fez valer o conceito mais relevante de direitos fundamentais. E, assim, evidenciou uma referência e característica próprias do Judiciário brasileiro, mesmo se comparado a ordenamentos jurídicos bastante atuais, conforme visto nos exemplos anteriores.

proprio alla posizione della donna cui intendeva attribuire pari dignità e diritti nel rapporto coniugale. Questo significato del precetto costituzionale non può essere superato per via ermeneutica, perché non si tratterebbe di una semplice rilettura del sistema o di abbandonare una mera prassi interpretativa, bensì di procedere ad un’interpretazione creativa. Si deve ribadire, dunque, che la norma non prese in considerazione le unioni omosessuali, bensì intese riferirsi al matrimonio nel significato tradizionale di detto istituto. Non è casuale, del resto, che la Carta costituzionale, dopo aver trattato del matrimonio, abbia ritenuto necessario occuparsi della tutela dei figli (art.30), assicurando parità di trattamento anche a quelli nati fuori dal matrimonio, sia pur compatibilmente con i membri della famiglia legittima. La giusta e doverosa tutela, garantita ai figli naturali, nulla toglie al rilievo costituzionale attribuito alla famiglia legittima ed alla (potenziale) finalità procreativa del matrimonio che vale a differenziarlo dall’unione omosessuale. In questo quadro, con riferimento all’art.3 Cost., la censurata normativa del codice civile che, per quanto sopra detto, contempla esclusivamente il matrimonio tra uomo e donna, non può considerarsi illegittima sul piano costituzionale. Ciò sia perché essa trova fondamento nel citato art.29 Cost., sia perché la normativa medesima non dà luogo ad una irragionevole discriminazione, in quanto le unioni omosessuali non possono essere ritenute omogenee al matrimonio.” (Corte Costituzionale, Sentenza nº138/2010. Íntegra disponível em: http://www.giurcost.org/decisioni/index.html. Acesso em: 22 jan.2015)

234 Com a peculiaridade de não haver tradição na análise na inconstitucionalidade por omissão. 235 Disponível em: http://www.bbc.com/news/world-us-canada-30855786. Acesso em: 26 jan.2015.

236 Mesmo pesquisas recentes apontam que a maioria da população ouvida é contrária ao casamento homossexual no

Brasil: “Entre os assuntos polêmicos, o casamento gay foi o que mais dividiu as respostas: 53% das pessoas se declararam contra e 40% a favor.” (Disponível em: http://oglobo.globo.com/brasil/maior-parte-dos-brasileiros-contra-casamento-gay- aborto-legalizacao-da-maconha-13821047?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=O%20Globo. Acesso em: 22 jan.2015).

5 ANÁLISE DE POLÍTICAS EXISTENTES PARA MINORIAS SEXUAIS

No documento Rogerio Volpatti Polezze.pdf (páginas 94-97)