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Cabimento de ações afirmativas para minorias sexuais

No documento Rogerio Volpatti Polezze.pdf (páginas 108-111)

6 PERSPECTIVAS: MEDIDAS A SEREM TOMADAS PARA O PLENO RESPEITO ÀS MINORIAS SEXUAIS

6.1 Cabimento de ações afirmativas para minorias sexuais

Inicialmente, bom notar que a ação afirmativa257 é um termo genérico, usado para indicar política pública, visando especificamente a diminuição ou a extinção de desigualdades sentidas. Ou seja, a partir de um certo momento histórico, pode ser o caso de extinguir estas medidas mais favoráveis: quando as desigualdades históricas deixarem de ocorrer. Tanto por isso, no caso de ações afirmativas para promover a igualdade racial, fala- se de um prazo, nos Estados Unidos, de 25 anos, após o qual as medidas mais benéficas perderiam a razão de existir. Verdade que existe uma grande controvérsia sobre a limitação temporal. Evidente que, após seu marco final, a discussão persistirá.258

Ora, o conceito de ações afirmativas, também, para outras hipóteses, como minorias sexuais, aqui, pode ser aproveitado igualmente. Na doutrina, Roger Raupp Rios chama a atenção para a dificuldade do conceito, tendo em vista sua conotação negativa. Em linhas gerais, o jurista afirma: quanto ao termo “discriminação inversa” (ou “invertida”), ou,

257 O Supremo Tribunal Federal, em várias oportunidades, já se pronunciou sobre a constitucionalidade da ações

afirmativas no direito brasileiro, inclusive, fazendo destaque para a experiência estadunidense, e observando temporalidade das medidas. Nesse sentido, anota-se precedente bastante relevante, inclusive, pela realização de audiência pública sobre “políticas de ação afirmativa para o acesso ao ensino superior público”, ampliando bastante a discussão: (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno, ADPF 186/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowiski, DJe-205 Divulg 17-10- 2014 Public 20-10-2014).

258 JOHNSON, Kevin R. The last twenty five years of affirmative action? Disponível em:

ainda, “discriminação de primeira ordem”, todos teriam o problema de trazer consigo o termo “discriminação”, com sua carga negativa respectiva; “tratamentos preferenciais”, por sua vez, deixam de informar que, em verdade, é uma compensação, de maneira a colocar a população vulnerável no mesmo nível de igualdade do restante das pessoas.259

Em seguida, Roger Raupp Rios apresenta seu conceito:

Menciono esta evolução para melhor enunciar o conceito de ação afirmativa, inicialmente entendido como conjunto de medidas, conscientes do ponto de vista racial, visando a beneficiar minorias raciais em situação de desvantagem social, decorrente de discriminação disseminada nas esferas social e estatal. Consoante a evolução referida, observou-se uma extensão do conceito. Ação afirmativa, então, passou a ser conceituada como o uso deliberado de critérios raciais, étnicos ou sexuais com o propósito específico de beneficiar um grupo em situção de desvantagem prévia ou de exclusão, em virtude de sua respectiva condição racial, étnica ou sexual.260

A definição legal do Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº12.288/2010), em linhas gerais, coincide com a posição do jurista: “VI – ações afirmativas: os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades. (art.1º)”

Ora, de forma a estender a definição legal para outros grupos vulneráveis, basta modificar o adjetivo relacionado ao termo “desigualdade”, que, assim, poderá alcançar qualquer outro grupo desfavorável261.

Apenas deve-se tomar a cautela de que, no caso de minorias sexuais, certamente, o prazo previsto (no exemplo americano de 25 anos), possivelmente, não seria suficiente para a mudança de um paradigma tão arraigado na sociedade.

Ou seja, diante de leis prevendo ações afirmativas a minorias outras, por exemplo, em função de gênero feminino ou em razão de raça, restará, em tese, possível, que, igualmente, minorias de outra ordem – como as sexuais – apresentem-se diante do Judiciário, pedindo respectiva atenção. E, reforça-se, defronte do Judiciário, sim, vez que,

259 RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2008, p.157.

260 RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2008, p.158.

261 O que, ao contrário da premissa ora adotada, em verdade, é questão que provoca muito debate: “The scope of

affirmative action’s coverage is the subject of persistent controversy. Since its inception in the mid-1950s as a remedy for discrimination against blacks, many of its programs have included women and a number of diverse racial and ethnic ‘minorities.’ Some critics maintain that the expanded coverage has been ‘overinclusive,’ that is, many of its group beneficiaries were not disparately impacted or disadvantaged, and hence not eligible to participate under a fairly administered equal opportunity standard.” (LEITER, William M.; LEITER, Samuel. Affirmative action in

antidiscrimination law and policy: an overview and synthesis. Albany, NY, USA: State University of New York Press,

2011. Disponível em: http://site.ebrary.com/lib/cjfbrasil/reader.action?docID=10574169#ppg=35. Acesso em: 20 maio 2015, p.19).

sendo gritante a carência de legislação protetiva em âmbito federal em benefício das populações LGBT, restaria ao Judiciário uma eventual solução concreta em virtude da judicialização, o que seria trabalho até simples diante do conteúdo constitucional já analisando sobre os direitos fundamentais e a previsão legal em casos semelhantes (dando a oportunidade de integração, aplicação de norma legal e utilizando a analogia).

A hipótese aventada de aplicação de regras protetivas – consubstanciadas em ações afirmativas – para minorias sexuais não é nova. Há menções em artigos jurídicos nesse sentido.262 Mas é verdade que o tema é pouco explorado, certamente, porque, em regra, exigiria o reconhecimento (e a respectiva previsão) legal. Ou, então, na ausência de lei (como se vê, na verdade), um nova discussão, dentre tantas pendentes em relação a estas populações, no Judiciário. No entanto, se persistem ações judiciais em discussão referentes a questões tão essenciais (como se verá a seguir), é de se compreender o motivo pelo qual não são promovidas discussões sobre ações afirmativas para as minorias sexuais.

Mas, além do caráter conservador do Parlamento brasileiro, outros fatores mostram-se óbices naturais ao desenvolvimento de ações afirmativas para as minoriais sexuais:263 tal suposta previsão legal não prescindiria de análises estatísticas – quem e quantas são as populações de minorais? Quais suas dificuldades de inserção socioeconômica? Qual seria o percentual de proteção sobre a população em geral? –, o que esbarra na escassez de dados estatísticos no Brasil; ainda, a pretensão de eventual aplicação de ação afirmativa exige, naturalmente, a identificação pessoal do interessado,264 impondo que se exponha abertamente.

Ou seja, muito provavelmente, eventual discussão judicial será bastante tormentosa.

Mesmo assim, nos casos além de orientação sexual, ou seja, especificamente sobre identidade de gênero, nos quais o eventual interessado em beneficiar-se de ação afirmativa, normalmente, não precise expor-se (pelo simples motivo de já se adequar e se apresentar ao gênero com o qual se identifica intimamente), tanto a previsão em abstrato numa lei quanto a discussão concreta numa ação judicial seriam, muito provavelmente,

262 NELSON, Ryan H. Practitioner´s note: affirmative action for LGBT applicants & employees: a proposed regulatory

scheme. Hofstra Labor & Employment Law Journal, p.179-217, Fall, 2012, p.179-217; BYRNE, Jeffrey S. Affirmative action for lesbians and gay men: a proposal for true equality of opportunity and workforce diversity. Yale Law & Policy

Review, v.11, nº1, p.47-108, 1993, p.47-108; VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Minorias sexuais e ações afirmativas. In:

(Org.) VIEIRA, Tereza Rodrigues. Minorias sexuais. Brasília: Consulex, 2012, p.29-53.

263 Discussão do contexto estadunidense, ver NELSON (op. cit.).

264Mediante autoidenficação ou heteroidentificação (identificação por terceiros), formas de identificação já aceitas e

entendidas constitucionais para utilização do critério étnico-racial (conforme se lê do precedente já apontado, ADPF 186/DF).

facilitadas. É que, afora eventual aproveitamento de regras afirmativas com destinação, por exemplo, às minorias raciais, seria imediato aplicar-lhe a proteção dada ao gênero feminino.

Em qualquer discussão judicial – possível, igualmente em controle concentrado (a exemplo do debate de criminalização da homo/transfobia, discutido no item subsequente) ou difuso de constitucionalidade –, todavia, seria indispensável desenvolver a análise de similitude, para, então, concluir pelo cabimento do uso da analogia e sua medida.265

No documento Rogerio Volpatti Polezze.pdf (páginas 108-111)