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Lenta evolução nacional

No documento Rogerio Volpatti Polezze.pdf (páginas 75-78)

4 POLÍTICAS PÚBLICAS E MINORAIS SEXUAIS

4.2 Lenta evolução nacional

Do que se viu, fácil observar como é escassa a produção legislativa que trata de minorias sexuais no Brasil. Apesar de nosso Congresso ser, certamente, um dos mais produtivos do mundo.174 Isso, claro, apesar de a propositura volumosa não se manter em nível sempre alto, nem ser garantia de qualidade de projetos (nem da amplitude dos temas tratados).175

173 “Esse processo de ampliação de direitos, por demanda da cidadania, enseja um incremento da intervenção do estado no

domínio econômico. A intervenção do Estado na vida econômica e social é uma realidade, a partir do século XX. E apesar das alterações qualitativas dessa presença estatal, que foram realizadas em diversas ocasiões, a pretextos variados, ao longo desse período, o fato essencial é a indispensabilidade da presença do Estado, seja como partícipe, indutor ou regulador do processo econômico.” (BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006, p.5)

174 Pelo menos, no que se refere ao número de projetos de leis: “Ao comparar os dados sobre produc

brasileira, sobretudo da Camara dos Deputados, com a produc -se patente que

a alegac

-se que o parlamento -

apresenta-se menor do que a brasileira. Tomando-se o parametro da relac -se argumentar que a produc

agregadas parecem indicar. D

que segue abaixo demonstra, de um total de 16.217 projetos de iniciativa do Poder Legislativo apresentados entre 1989 e 1998, apenas 262 foram transformados em lei. Mas tais proporc

Congresso Nacional. Como Figueiredo e Limongi sugerem, ‘o Congresso norte-americano, que conta, como o brasileiro, com uma intensa atividade propositiva dos parlamentares, mos

Estudo comparativo sobre produção legislativa e remuneração parlamentar em países selecionados da Europa, América do Norte e América Latina. Camara dos Deputados Praca dos 3 Pode

http://www2.camara.leg.br/documentos-e- pesquisa/publicacoes/estnottec/tema3/pdf/005771.pdf. Acesso em: 22.jan.2015).

175 A título de exemplo, sobre o ano de 2014, consta a seguinte análise pelo DIAP (Departamento Intersindical de

Assessoria Parlamentar): “Em termos quantitativos, foi uma das menores, senão a menor, produção legislativa do Congresso nos últimos 20 anos. Quanto à origem, das 101 leis ordinárias: 1) 55 foram de iniciativa de parlamentar, sendo 37 da Câmara e 18 do Senado; 2) 35 de iniciativa do Poder Executivo, sendo 19 oriundas de MPs, 14 de projeto de lei ordinário e dois de projeto de lei do Congresso Nacional (PLN); 3) nove de Poder Judiciário; e 4) dois do Ministério

De qualquer maneira, apesar de a recente preocupação governamental (especificamente, por ações do Poder Executivo, inclusive, encontrando amparo no Judiciário) sobre tal população, de rigor anotar a ausência de dados estatísticos brasileiros bastante importantes: sobre evasão escolar, conflitos psicológicos (depressão, casos de suicídio, reflexos na saúde física) e óbice ao acesso ao mercado de trabalho.

E, no que se refere ao Congresso Nacional, mostra-se plausível concluir pela preponderância de um perfil conservador do Legislativo, forte ascendência de grupos religiosos organizados contrariamente às ações de tolerância a desigualdades sexuais. Tudo, como é cediço, a desestimular a concretização de ações legislativas sobre estes grupos da sociedade.176

Tanto por isso, ou seja, por uma nítida ascendência de linha conservadora compondo o Legislativo, o Estado brasileiro está, talvez, no limite do desrespeito à liberdade de crença. Direito, aliás, que não pode ser entendido apenas como o direito de escolher uma religião, mas, também, o direito da descrença e da liberdade de não adotar qualquer religião:

Acerca desse ponto, Jorge Miranda, após reconhecer que “a liberdade religiosa está no cerne da problemática dos direitos fundamentais”, explica que a “liberdade religiosa não consiste apenas em o Estado a ninguém impor qualquer religião ou a ninguém impedir de professar determinada crença. Consiste ainda, por um lado, em o Estado permitir ou propiciar a quem seguir determinada religião o cumprimento dos deveres que dela decorrem (em matéria de culto, de família ou de ensino, por exemplo) em termos razoáveis. E consiste, por outro lado (e sem que haja qualquer contradição), em o Estado não impor ou não garantir com as

leis o cumprimento desses deveres.”

José Afonso da Silva também é enfático ao abordar essa mesma questão e afirmar que, na “liberdade de crença entra a liberdade de escolha da religião, a liberdade

de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou o direito) de mudar de

religião, mas também compreende a liberdade de não aderir a religião alguma, assim como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo. Mas não compreende a liberdade de embaraçar o livre exercício de

Público. Em relação ao processo de votação, das 101 ordinárias e as cinco complementares, 76 foram aprovados em plenário e 30 conclusivamente nas comissões permanentes das duas Casas do Congresso. Além das 76 aprovadas em plenário, também foram aprovadas, em dois turnos em cada Casa do Congresso, nove emendas à Constituição. A qualidade, tal como a quantidade, também ficou muito aquém das expectativas da população, especialmente após as manifestações de junho de 2013.” (Disponível em: http://www.diap.org.br. Acesso em: 22 jan.2015).

176 A título de exemplo de postura evidentemente contrária a minorais, pode-se mencionar o projeto de lei sobre “Estatuto

da Família”, procurando limitar o casamento ou união estável tão somente ao casal formado por homem e mulher, ao arrepio de expresso reconhecimento anteriormente proferido pelo Supremo Tribunal Federal, em clara tentativa de retrocesso a direito fundamental no Brasil. (Disponível em: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS- HUMANOS/462211-ENQUETE-SOBRE-ESTATUTO-DA-FAMILIA-BATE-RECORDE-DE-ACESSOS-AO-SITE-DA- CAMARA.html. Acesso em: 26 jan.2015). Na mesma linha, oposição manifestada em relação à inclusão como

dependentes em Imposto de Renda de companheiro homossexual. (Disponível em:

http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/ULTIMAS-NOTICIAS/393741-DECISÃO-DA-RECEITA- FEDERAL-DE-INCLUIR-COMPANHEIRO-HOMOSSEXUAL-COMO-DEPENDENTE-NO-IR-PROVOCA- POLÊMICA-NA-CÂMARA-%2802%2719%22%29.html. Acesso em: 29 jan.2015).

qualquer religião, de qualquer crença, pois aqui também a liberdade de alguém vai até onde não prejudique a liberdade dos outros.”177

Da mesma forma, se é inegável a religiosidade no Estado brasileiro, mas não perdendo de vista sermos um Estado laico, não soa razoável sob qualquer argumento religioso expurgar algum direito, tão somente pela sexualidade do seu titular. Por isso, e aproveitando o exemplo eloquente de união homoafetiva, sequer soaria satisfatório (e condizente com o princípio da dignidade da pessoa humana e antidiscriminação) instituir, para casais homossexuais, uma união civil, distinta do casamento, que, assim, restaria restrito aos casais heterossexuais.

A propósito, observe-se o raciocínio perspicaz de Ronald Dworkin:

Há uma justificativa mais popular: que a sociedade não discrimina homossexuais se proíbe os casamentos homossexuais, mas cria as uniões civis do mesmo sexo que fornecem a maior parte ou todas as vantagens materiais do casamento. Esse argumento se anula. Se não há diferença entre o material e as consequências legais do casamento ou uma união civil artificial, então por que o casamento é reservado para os heterossexuais? Isso pode ser apenas porque o casamento tem uma dimensão espiritual que união civil não. Esta pode ser uma dimensão religiosa, que alguns casais do mesmo sexo querem tanto quanto os heterossexuais fazer. Ou pode ser a ressonância da história e da cultura que eu descrevi e que ambos os tipos de casais cobiçam. Mas seja o que for, se houver razões para restringir o status de casais homossexuais, então, estas também devem ser razões pelas quais união civil não é uma oportunidade equivalente.178

A posição de Dworkin traz a exata medida da discussão, vez que, positivado o casamento dentre os demais direitos, afasta-se (ou deveria restar distante) seu caráter religioso, assumindo o papel estritamente jurídico, estranho a qualquer discussão de natureza vinculada a qualquer religião.

E o tema relativo à união estável homoafetiva é apenas um exemplo de espaço tomado pelo Judiciário diante da fragilidade do Parlamento, que, efetivamente,

177 PIOVESAN, Flávia; SILVA, Roberto B. Dias da. Igualdade e diferença: o direito à livre orientação sexual na Corte

Europeia de Direitos Humanos e no Judiciário brasileiro. In: (Org.) VIEIRA, José Ribas. 20 da Constituição cidadã de

1988: efetivação ou impasse institucional? Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.356.

178“There is an event more popular justification: that society does not discriminate against homosexuals if it forbids same-

sex marriages but creates same-sex civil unions that provide most or all of the material advantages of marriage. That argument refuses itself. If there is no difference between the material and legal consequences of marriage or a contrived civil union, then why should marriage be reserved for heterosexuals? That can be only because marriage has a spiritual dimension that civil union does not. This may be a religious dimension, which some same-sex couples want as much as heterosexuals do. Or it may be the resonance of history and culture that I described and that both kinds of couples covet. But whatever it is, if there are reasons for withholding the status from gay couples, then these must also be reasons why civil union is not an equivalent opportunity.” (DWORKIN, Ronald. Is democracy possible here? Principles for a new political debate. Princeton and Oxford: Princeton University Press, 2006, p.87, trad. livre)

mostra-se incapaz de responder às demandas sociais.179 A consequência disto é um incremento claro da judicialização dos direitos fundamentais.

No documento Rogerio Volpatti Polezze.pdf (páginas 75-78)