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A sistemática jurídica na transição para o direito nacional

A queda dos Felipes foi registrada no ano de 1640 quando intensas

manifestações afloraram no sentido de encerrar o domínio castelhano sobre

Portugal. Para unificar o sentimento ferido do povo dominado, agregar novamente

os valores nacionais e trazer novamente a segurança jurídica para os domínios

portugueses foi aclamado, em 1640, D. J

OÃO

IV como Rei de Portugal

401

.

Letrado e estudioso dos problemas da administração na Corte e nas colônias,

promulgou um grande aparato legislativo. Ao perceber o constante desconforto da

sociedade pelo fato de terem sido as Ordenações Filipinas concebidas por F

ELIPE

I,

de ascendência espanhola, D. J

OÃO

IV decidiu legitimá-las, fato este que ocorreu

399 Assim “subiu ao trono de Portugal FILIPE II, de Castela, em cujo reinado foram promulgadas as

Ordenações Filipinas, no ano de 1603, que guardaram o método, o espírito e as matérias das Ordenações Manoelinas, com acréscimo das leis posteriores. É esta a primeira legislação processual vigorante no Brasil, visto que a sua colonização foi muito posterior ao descobrimento” (BARROS, v. I, 1969, p. 58).

400 “Os seus efeitos sobre o organismo do Brasil-Colônia ou 1.º Império não foram impeditivos ou

contrariantes de nossa formação jurídica, mesmo porque ainda iniciamos, em estado de adolescentes, a elaboração da jurisprudência nacional. Não se poderia exigir das Ordenações mais do que em realidade elas foram: obra multissecular de um povo tão orgulhoso de suas legislações que as vinculou historicamente aos nomes dos seus outorgantes reais” (ALTAVILA, 1995, p. 229).

401 D. JOÃO IV (1604 – 1656) – o restaurador – reinou por 16 anos, restaurando a independência portuguesa.

Era letrado, músico e tinha profundos conhecimentos em teologia. No âmbito jurídico promulgou um vasto rol de leis para suprir carências das metrópoles e das colônias. Nesse sentido: ALMEIDA, 1926, t. IV, p. 149-153.

através da publicação de 29 de janeiro de 1643. Dessa forma, foi ratificada a

aplicação das Ordenações Filipinas

402

.

Com as dificuldades havidas para manter a independência portuguesa e

também devido às graves crises administrativas, fiscais e políticas da época, os

monarcas que sucederam D. J

OÃO

IV

403

não se empenharam em alterar o direito

vigente

404

. Assim, foram mantidas as Ordenações Filipinas, a Carta Régia de 1745

405

e as regras gerais de aplicação do Direito Romano até a época em que novo

movimento reformador da legislação ocorreu em Portugal

406

.

D. J

OSÉ

I

407

ascendeu ao trono português em 1750. Seu primeiro-ministro

S

EBASTIÃO

J

OSÉ DE

C

ARVALHO E

M

ELO

– o M

ARQUÊS DE

P

OMBAL408

influenciado pelo Iluminismo e tendo à frente uma grave crise administrativa,

402 “Com a restauração da monarquia portuguesa, em 1640, subiu ao trono D. João IV. Este, em 29 de janeiro

de 1643, revalidou e confirmou as Ordenações Filipinas, determinando uma nova publicação [...]. A realidade social havia determinado, entretanto, a edição de novas leis, que, em pouco tempo, viriam formar uma respeitável massa legislativa. São as chamadas leis extravagantes ou leis especiais. [...] As chamadas leis extravagantes, ou especiais, abrangiam as cartas régias, as cartas de lei ou cartas patentes, e, ao lado destas,

os alvarás, os decretos, as resoluções, as portarias e avisos” (PIERANGELLI, 1983, p. 69, grifo do autor). Nesse sentido: MARQUES, 1965, v. I, p. 90.

403 Dos tempos de aclamação da dinastia de Bragança, com D. JOÃO IV, até o período das reformas de D.

JOSÉ I, sucederam a este os seguintes monarcas: D. AFONSO VI (1643 – 1683) – o vitorioso –, D. PEDRO II (1648 – 1706) – o pacífico – e D. JOÃO V (1689 – 1750) – o magnânimo. Nesse sentido: ALMEIDA, 1926, t.

IV, p. 203-244.

404 Após assinar tratado de Utrecht (11 de abril de 1713) com a França, D. JOÃO V fez publicar o Alvará de

24 de julho de 1713, o qual continha novas regras para expedientes forenses. Nesse sentido: Ibid., p. 263- 265.

405 Dois importantes fatos de destaque ocorreram no Reinado de D. JOÃO V. O primeiro foi a publicação da

Carta Régia, em 20 de janeiro de 1745, redigida pelo Ministro ALEXANDRE DE GUSMÃO (1695 – 1753), brasileiro nascido em Santos, com regras de aplicação do processo. O segundo evento de ressonância, ocorrido em 1712, foi a declaração de independência do Poder Judiciário frente aos governadores gerais. Nesse sentido conferir as lições de ALMEIDA JÚNIOR, 1911, v. I, p. 137.

406“Outros diplomas abrangidos na designação genérica de leis eram as cartas régias [...]. Denominavam-se

resoluções os diplomas que o monarca respondia às consultas que os tribunais lhe apresentavam,

normalmente acompanhadas dos pareceres de juízes respectivos. [...] Recebiam o nome de provisões os

diplomas que os tribunais expediam em nome e por determinação do monarca. Cabiam, pois, no conceito amplo da lei” (COSTA, 2002, p. 297-298, grifo do autor).

407 D. JOSÉ I (1714 – 1777) – o reformador – reinou Portugal por 27 anos. Criou várias instituições de cunho

econômico e educativo alavancando a nação portuguesa ao status de berço cultural por excelência. No seu

governo atravessou várias crises econômicas e diplomáticas. Manteve-se rompido com a Igreja por vários anos. Esforçou-se para gerenciar um novo sistema de finanças para as colônias portuguesas. Nesse sentido: ALMEIDA, 1926, t. IV, p. 292-426.

408 O MARQUÊS DE POMBAL (1699 – 1782) foi um dos grandes responsáveis pela aproximação de Portugal

com os demais países europeus, com fins de aprimorar as bases econômicas e administrativas lusas. Nesse sentido: AZEVEDO, João Lucio de. O Marquês de Pombal e a sua época. 2. ed. com emendas. Rio de Janeiro:

Annuario do Brasil, 1922, p. 317-343.

Cf. DOMINGUES, Mario. O Marquês de Pombal: o homem e a sua época. Lisboa: Romano Torres, 1955, p. 25-

econômica e social, empreendeu uma grande reforma legislativa, religiosa e fiscal,

extinguindo o regime das capitanias hereditárias, todos os benefícios concedidos aos

donatários

409

no Brasil e expulsando os jesuítas de Portugal e das colônias

410

.

Nessa época a função jurisdicional era desempenhada por vários órgãos que

exerciam uma delegação do Poder Real. Logo, não havia um Poder Judiciário

estruturado da forma como se conhece hodiernamente. No entanto, é possível

identificar naquele momento a atuação dos seguintes órgãos: os tribunais da relação

(órgãos responsáveis pela análise recursal das decisões judiciais); os

ouvidores de

comarcas (magistrados togados nomeados pelo rei por um período de 3 (três) anos);

os juízes ordinários (juízes locais) e os juízes de fora (juízes externos à localidade e

nomeados pelo rei por um período de 3 (três) anos

411

.

A grande atividade reformadora levada a cabo pelo M

ARQUÊS DE

P

OMBAL

deixou como legado as primeiras compilações do direito civil, concebidas para

substituir o então direito eclesiástico. Destaque para o tratamento jurídico de temas

como a posse civil do herdeiro e sucessão testamentária. No âmbito da matéria

penal registra-se uma elevação na quantidade e rigor das penas para os crimes contra

a paz social e a liberdade sexual da mulher

412

.

Sucedeu D. J

OSÉ

I a sua filha, D. M

ARIA

I

413

. Muito piedosa e enferma

mentalmente nas duas últimas décadas de vida, foi pressionada a afastar o M

ARQUÊS

409 O Brasil tinha sido dividido em 12 capitanias hereditárias em 1534. A cada donatário a Corte portuguesa

concedeu privilégios “entre os quaes jurisdicção no civel e crime, limitada apenas em alguns casos. [...] Em 1549, vendo D. JOÃO III que este systema de colonisação não dava os resultados esperados, creou um

governo geral para o Brazil, com um governador geral, chefe do governo e centro administrativo; um provedor geral, dirigindo a fazenda; um capitão-mór da costa, encarregado da defeza do littoral, e mais tarde, um alcaide- mór, tendo o commando das armas; e um ouvidor geral, presidindo a justiça. A esse governo cuja sede era na

cidade de S. Salvador da Bahia, como o ponto mais central da costa, ficaram sujeitas todas as capitanias” (ALMEIDA JÚNIOR, 1911, v. I, p. 134-135, grifo do autor).

410 Cf. FRASCHINI NETO, M. O Marquês de Pombal e o Brasil: contribuições às comemorações do 2.° Centenário da

morte do Marquês de Pombal. Lisboa: Tipografia Minerva do Comércio, 1981, p. 10-16.

411 Cf. MALCHER, 1980, v. I, p. 44.

412 Leis de 19 de junho de 1755 e de 29 de novembro de 1755.

413 D. MARIA I (1734 – 1816) – a louca – foi a primeira rainha portuguesa a exercer de fato a monarquia. Muito

devota, ergueu templos para a Igreja e abraçou a causa eclesiástica com fervor. Com a saúde mental abalada passou os últimos 24 anos de sua vida impulsionando as obras sociais. Ainda quando monarca, teve grande destaque por abrigar perseguidos políticos de outras nações. Nesse sentido: ALMEIDA, 1926, t. IV, p. 427-472.

DE

P

OMBAL

da Corte. Dessa forma, suspendeu a vigência de boa parte da legislação

concebida no governo anterior como forma de reafirmação do poder e de retaliação

aos opositores.

Nessa empreitada a rainha ordenou a formação de uma comissão de letrados

com a principal incumbência de avaliar o corpo legislativo que estava em vigor para

que atualizações fossem produzidas

414

. Esse movimento reformador alterou, em

destaque, o procedimento referente ao sistema probatório no processo penal,

principalmente no que tange à produção de provas testemunhais e escritas no

processo penal aqui aplicado

415

. Nesse momento já estava em ebulição os ideais do

Iluminismo, estes que inspiraram boa parte da codificação posterior na Europa e nas

colônias.

Com a saúde abalada cedeu o posto ao seu filho, o príncipe-regente D. J

OÃO

VI

416

. Nesse período ocorreram substanciosas transformações na Europa,

principalmente aquelas oriundas da Revolução Francesa, do bloqueio continental e

da guerra entre Portugal e Espanha. Em seu reinado a Corte portuguesa foi

transferida para o Brasil

417

, em 1808

418

, quando começou a fase monárquica e o

primeiro Império

419

.

414 Destarte, o decreto de 31 de março de 1778 criou a junta revisional, cabendo a “PASCOAL DE MELO E

FREIRE, a confecção do trabalho sôbre direito público e criminal, obra que terminou em 1789. [...] Com a

vitória da Revolução Francesa e a proclamação dos Direitos do Homem, intensifica-se a propagação dos

ideais humanitários da Justiça Penal, e já se preparavam reformas nesse sentido, quando a invasão napoleônica fêz tudo abortar” (MARQUES, 1965, v. I, p. 95, grifo do autor).

415 Alvará de 30 de outubro de 1793.

416 D. JOÃO VI (1767 – 1826) – o clemente – foi monarca de Portugal desde 1816, primou pelo

desenvolvimento das instituições governamentais. No Brasil fundou a Academia Militar da Marinha Mercante, construiu hospitais militares, liberou a atividade industrial brasileira, instituiu o Banco do Brasil, criou o Jardim Botânico e a Biblioteca Real no Rio de Janeiro, além da Academia de Belas Artes. Nesse sentido: ALMEIDA, 1926, t. IV, p. 512-514.

417 “Chegando ao Brazil, D. JOÃO VI creou o Supremo Conselho Militar e de Justiça, o Tribunal da Mesa do

Desembargo do Paço e da Consciencia e Ordens, o lugar de Juiz conservador da Nação Britanica, a Intendencia Geral de Policia [...]. Foram ainda creados em 1808 lugares de juizes privativos do crime no Rio de Janeiro [...]. Assim, em 16 de dezembro de 1815, quando foi solemnemente declarada a elevação do Brazil á categoria de Reino, já estava de facto estabelecida a mais completa autonomia das justiças” (ALMEIDA JÚNIOR, 1911, v. I, p. 139-141).

418Espanha e França, em 27 de outubro de 1807, celebraram o tratado de Fontainebleau, dividindo Portugal.

Na tentativa de não ser aprisionado pelas tropas de NAPOLEÃO BONAPARTE que lutavam contra os

ingleses, D. JOÃO VI transfere a Corte portuguesa para o Brasil, chegando à Bahia em 18 de janeiro de 1808. Nesse sentido: ALMEIDA, 1926, t. IV, p. 467-512.

419 “Em 1815, o Brasil é elevado, pela lei de 16 de dezembro, à categoria de Reino Unido a Portugal, pondo em