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2.10 O júri na fase republicana

2.10.1 Da República Velha

Instalada a República Velha, o governo de transição empreendeu meios

ditatoriais e fez publicar uma série de decretos para estabelecer uma nova estrutura

social no país. Nesse contexto, em 11 de outubro de 1890, foi publicado o Decreto

n. 847, instituindo o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil

562

. Tal diploma não

caiu nas graças dos políticos e, desde o início de sua vigência, foi alvo de ácidas

críticas

563

.

Ainda no referido governo foi publicado o Decreto n. 848, em 11 de outubro

de 1890

564

, sistematizando a Justiça Federal no Brasil e seus órgãos

565

. O citado

decreto previu o júri federal

566

destinado ao julgamento dos crimes sujeitos à

jurisdição federal

567

.

561Cf. WHITAKER, 1923, p. 14.

“Proclamada a República, o legislador constituinte, com muito idealismo e pouco senso da realidade, deu ao Brasil, país de analfabetos, uma das constituições mais liberais do mundo. Vestiu-o de casaca e cartola: esqueceu-se de que permanecia descalço” (AZEVEDO, 1958, p. 184).

562 O Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 –Promulga o Codigo Penal –, continha 412 artigos dispostos na

seguinte estrutura: Livro I (Dos crimes e das penas), contendo 6 Títulos; Livro II (Dos crimes em especie),

contendo 13 Títulos; Livro III (Das contravenções em especie), contendo 13 Capítulos e Livro IV (Disposições Geraes), contendo as rubricas do Marechal DEODORO e do Ministro CAMPOS SALLES.

563 Cf. SIQUEIRA, 1937, p. 13.

564 O Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890 –Organiza a Justiça Federal –, continha 387 artigos dispostos

em duas partes. Assinam tal diploma o Marechal DEODORO e o Ministro CAMPOS SALLES.

565 “A organisação judiciaria criminal da justiça federal é esta: juizes de secção, que são juizes de direito e

jurados, que são juizes de facto; Supremo Tribunal Federal para recursos, appellações, revisões e habeas corpus; ministerio publico, composto de um procurador geral da Republica e de um procurador em cada

secção; secretarios, escrivães e officiaes” (ALMEIDA JÚNIOR, 1911, v. I, p. 210).

566 O júri federal estava previsto no Decreto n. 848/1890, Parte I, Título II, Capítulo IX (Do jury federal), ao

longo dos artigos 40 a 44.

567 “Estavam afastados da competência do Júri os processos e julgamentos de crimes políticos” (MARQUES,

O juiz da seção deveria ser o presidente do júri, o qual era composto por

doze jurados, sorteados de uma lista de trinta e seis nomes

568

. As decisões dos

jurados seriam tomadas pela maioria de votos, sendo que o empate nestes favorecia

o acusado

569

, desafiando o recurso de apelação

570

.

O Decreto n. 848/1890 previa regras específicas para o processo criminal

571

,

estabelecendo aos juízes federais, após o recebimento da queixa ou denúncia, a

competência por sua condução

572

. Ao final da instrução criminal, caso o crime

estivesse plenamente provado e houvesse indícios suficientes da autoria, o juiz

federal deveria pronunciar o acusado

573

, sendo que esse despacho desafiava recurso

ao Supremo Tribunal Federal

574

. Após a pronúncia o réu era encaminhado a

julgamento pelo plenário.

No fecundo ano legislativo de 1890 começaram os debates visando à

elaboração de uma nova Carta Política para o país. E, em 24 de fevereiro de 1891,

foi decretada e promulgada a Constituição da República dos Estados Unidos do

Brasil

575

, formal

576

e inovadora aos padrões da época

577

, com larga inspiração nos

568 Na disciplina disposta no artigo 41, do Decreto n. 848/1890. 569 Na disciplina disposta no artigo 42, do Decreto n. 848/1890.

570 Orientando pela appellação voluntaria, a redação ofertada ao artigo 43, do Decreto n. 848/1890.

571 Matéria estabelecida no Decreto n. 848/1890, em sua Segunda Parte, Título III (Do processo federal),

Capítulo XI (Do processo criminal) ao longo dos artigos 50 a 96.

572 Na disciplina disposta no artigo 50, do Decreto n. 848/1890.

573 Artigo 63 do Decreto n. 848/1890. Si das peças do processo resultar pleno conhecimento do delicto e

indícios vehementes, que devam convencer o juiz de quem seja o delinquente, assim o declarará aquelle em seu despacho, pronunciando o réo especificamente e obrigando-o á prisão, nos casos em que esta tem logar e sempre a livramento, arbitrada a fiança, si for caso della.

574 Na disciplina disposta no artigo 65, do Decreto n. 848/1890.

575 A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 24 de fevereiro de 1891,

continha 91 artigos, sendo estruturada na seguinte ordem: Título I (Da organização federal); Título II (Dos Estados); Título III (Do município); Título IV (Dos cidadãos brazileiros) e Título V (Disposições Geraes). O

presidente do Congresso à época da promulgação da Carta era PRUDENTE JOSÉ DE MORAES BARROS

(1841 – 1902), advogado paulista.

576 Há de se notar que a Constituição de 1891 “constituíra-se formoso arcabouço formal. [...] Faltara-lhe,

porém, vinculação com a realidade do país. Por isso, não teve eficácia social, não regeu os fatos que previra, não fora cumprida” (SILVA, 2005, p. 79).

577 Dentre suas principais características, podem ser destacadas: a descentralização dos poderes, fato que

proporcionou maior autonomia aos municípios e às antigas províncias (as quais passaram a ser denominadas de Estados); adotou o modelo federalista estadunidense, permitindo que cada Estado se

organizasse de acordo com suas metas, respeitando a peculiaridade existente, desde que não contradissessem a Constituição; consagrou a existência de apenas três poderes independentes entre si (Executivo, Legislativo e Judiciário); adotou o regime presidencialista como modelo para o governo brasileiro; realizou a separação entre Igreja e Estado, admitindo ser o Brasil um Estado laico; o instituto do habeas corpus ganhou a amplitude de garantia constitucional.

ideais norte-americanos, instituiu a federação e estruturou os Poderes da República,

revigorando várias garantias processuais

578

.

Ao passo em que instituiu o sistema federativo, o texto constitucional cindiu

a unicidade do direito processual nacional, uma vez que proporcionou a cada

unidade federativa a competência para legislar sobre processo civil e criminal

579

,

além da organização das próprias justiças

580

. O reflexo disso foi a orientação de

parte dos códigos estaduais

581

por princípios diversos

582

, enquanto que a grande

parte se manteve fiel aos postulados adotados na legislação federal

583

.

Após várias discussões no sentido de sua supressão ou alteração

procedimental, o júri foi preservado através de uma sucinta redação ofertada pela

Constituição da República de 1891

584

, permanecendo como uma instituição

essencial à nova organização política do Brasil

585

, além de configurar uma das

garantias fundamentais

586

. Contudo, apesar da redação da Carta Política de 1891

utilizar a locução é mantida a instituição do júri, este não recebera o mesmo tratamento

outorgado pela Constituição de 1824

587

.

578 Na linha desse pensamento, o registro de que uma vez “promulgada a Constituição republicana, em 24 de

fevereiro de 1891, ficaram revigoradas as garantias processuais existentes” (SOARES, 1977, p. 91).

579 Critério da exclusão de competências do âmbito do Congresso Nacional.

Artigo 34 da Constituição da República de 1891. Compete privativamente ao Congresso Nacional:

[...] 23. Legislar sobre o direito civil, commercial e criminal da Republica e o processual da justiça federal; [...].

580 “O golpe dado na unidade processual não trouxe vantagem alguma para nossas instituições jurídicas; ao

contrário, essa fragmentação contribuiu para que se estabelecesse acentuada diversidade de sistema, o que, sem dúvida alguma, prejudicou a aplicação da lei penal” (MARQUES, 1965, v. I, p. 102).

581 Constatou-se que foram “postos em vigor vários Códigos estaduais, mas em 1934 a Constituição

reunificou a competência da União para legislar sobre processo. Após alguns projetos e a Lei n. 167/38 sobre o júri, em 03 de outubro de 1941 foi promulgado o Código de Processo Penal ainda em vigor” (GRECO FILHO, 2009, p. 67).

582 “O regime pluralista de leis processuais, em que vivemos na República durante meio século, trouxe, como

conseqüência, a multiplicidade de leis estaduais sôbre a organização, competência e julgamento pelo Tribunal do Júri. [...] o Tribunal do Júri regulado pelas diversas e variadas leis estaduais, e daí a diversidade de competência do Júri de um Estado para outro” (FRANCO, 1956a, p. 29-32).

583Cf. GRINOVER, 1982, p. 41.

584 De acordo com a Constituição da República de 1891, no seu Título IV (Dos cidadãos brazileiros), Seção II

(Declaração de direitos).

Artigo 72. A Constituição assegura a brazileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade nos termos seguintes.

[...] § 31. É mantida a instituição do Jury.

585 Cf. BARROS, 1969, v. I, p. 67.

586 Cf. ALMEIDA JÚNIOR, 1911, v. I, p. 205. 587 Cf. BARBOSA, 1950, p. 51-55.

Essa brevidade na disposição constitucional sobre o júri

588

gerou muitas

discussões acerca do procedimento que deveria ser adotado, da forma pela qual seria

disciplinado na prática e, o ponto mais sensível, qual a sua competência, uma vez

que pela quebra da unidade processual cada Estado-membro possuía autonomia

ampla para legislar quanto à temática de processo e organização judiciária.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal à época sopesou todas as

divergências existentes e firmou o posicionamento de que o intuito de fundo da

Carta Magna de 1891 foi a de conservar a instituição do júri como um direito

constitucional, não podendo aquele ser excluído do sistema jurídico pátrio. Em via

paralela, a mesma Corte permitiu que as legislações estaduais alterassem a

organização, competência e atribuições do júri.

A matéria do júri federal recebeu nova regulamentação com a edição da Lei

n. 221, em 20 de novembro de 1894

589

, a qual alterou o citado Decreto n. 848/1890.

O novo diploma disciplinou regras para o júri federal

590

, tornando o corpo de

jurados federais menos dependente daquele formado pelos jurados estaduais da

comarca

591

e agilizando a formação das listas com os nomes dos jurados.

Estabeleceu, também, o rol de crimes que deveriam ser julgados pelo júri federal

592

.

Nada disciplinou acerca da pronúncia.

588“O Preceito da Constituição Republicana é laconico. [...] Ha quem sustente que o legislador constituinte da

Republica, com esse preceito, se referiu apenas ao jury federal, pois sendo a legislação sobre o jury matéria de processo e organisação judiciária, e sendo certo que aos Estados compete a formação do direito adjectivo, não podia elle estabelecer preceitos que fossem ferir a autonomia que a federação creava; e que, portanto, os Estados podem acceitar, modificar ou repudiar a instituição, livremente, quanto á forma, processo e competencia. [...] Outras duas interpretações têm sido dadas ao referido preceito. Quer uma que o jury actual seja continuação do antigo, sem qualquer modificação [...]. Quer outra que se distinga a parte material da formal, constituindo aquella o direito que a Constituição mantem e que por isso não póde ser supprimido ou restringido, e esta a fórma do exercicio, desse direito que póde ser modificada e alterada conforme os costumes e adeantamento do povo” (WHITAKER, 1923, p. 15-16).

589 A Lei n. 221, de 20 de novembro de 1894 – Completa a organisação da justiça federal da Republica – foi

sistematizada 89 artigos dispostos em 4 Títulos. Levou a assinatura do Presidente do Senado MANOEL

VICTORINO PEREIRA (1853 – 1902), médico baiano.

590 Na Lei n. 221/1894, ao longo da redação ofertada aos artigos 20 e 21, dispostos no Capítulo II (Do jury

federal), do Título II.

591 Cf. MARQUES, 1963, v. I, p. 20.

Artigo 11 da Lei n. 221/1894. A lista dos jurados de cada uma das capitães servirá de base para a composição do jury federal, devendo ser remetida uma cópia authentica ao juiz seccional pelo presidente do jury local.

Nova disciplina no âmbito do júri se deu com a edição da Lei n. 515, de 3 de

novembro de 1898

593

. Esse diploma alterou a competência do júri, exlcuindo de sua

alçada determinados crimes

594

. Na fase de formação da culpa até a pronúncia atuava

o substituto do juiz da seção.

Pronunciando ou não o acusado, os autos seriam remetidos ao juiz da seção,

o qual confirmaria ou não tal julgamento, cabendo dessa última decisão o recurso

para o Supremo Tribunal Federal

595

. De resto seguiam as regras gerais do Código de

Processo Criminal.

As reformas ganharam uma consolidação com a edição do Decreto n. 3.084,

de 5 de novembro de 1898

596

, a qual constituiu por um considerável período o

Código de Processo Civil e Criminal da Justiça Federal

597

. Reconheceu o Tribunal

do Júri como órgão do Poder Judiciário

598

.

Atribuiu ao juiz da seção a responsabilidade pela formação da culpa e pela

pronúncia, nos casos dos crimes da alçada do júri federal

599

. Não poderia mais o juiz

substituto proferir sentença de mérito, interlocutória com força de definitiva ou

despacho de pronúncia, exceto quando a substituição fosse plena em um ou mais

feitos, ou seja, no caso de impedimento do juiz efetivo

600

.

593 A Lei n. 515, de 3 de novembro de 1898 –Providencia sobre o julgamento dos crimes de moeda falsa, contrabando,

peculato, falsificação de estampilhas, sellos adhesivos, vales postaes e outros, qualificados nos arts. 221 a 223, 239 a 244, 246, 247, 250 e 265 do Codigo Penal – foi estruturada em 15 artigos e teve a assinatura de PRUDENTE JOSÉ DE MORAES BARROS.

594 Artigo 1.º da Lei n. 515/1898. Fica competindo ao juiz de secção no Districto Federal e nos Estados da

União o julgamento dos crimes de moeda falsa, contrabando, peculato, falsificação de estampilhas, sellos adhesivos, vales postaes e cupons de juros dos titulos da divida publica da União, qualificados nos arts. 221 a 223, 239 a 244, 246, 247 e 265 do Codigo Penal e do uso de qualquer destes papeis e titulos falsificados, qualificados no art. 250 do mesmo Codigo.

595 Na disciplina disposta no artigo 2.º, da Lei n. 515/1898.

596 Decreto n. 3.084, de 05 de novembro de 1898 –Approva a Consolidação das Leis referentes á Justiça Federal –

com a assinatura de PRUDENTE JOSÉ DE MORAES BARROS, estava organizado no seguinte eixo: Parte

Primeira (Organisação e funcções da Justiça Federal) – do artigo 1.º ao 281; Parte Segunda (Processo Criminal) –

do artigo 1.º ao 437; Parte Terceira (Processo Civil) – do artigo 1.º ao 844; Parte Quarta (Processo Commercial)

– do artigo 1.º ao 216; Parte Quinta (Processo nas causas civeis de ordem publica ou administrativa) – do artigo 1.º

ao 185.

597 Cf. MARQUES, 1963, v. I, p. 21.

598 Na disciplina disposta no artigo 1.º, do Decreto n. 3.084/1898. 599 Na disciplina disposta no artigo 60, do Decreto n. 3.084/1898. 600 Na disciplina disposta nos artigos 68 e 69, do Decreto n. 3.084/1898.

O Decreto n. 3.084/1898 ordenou a composição do júri federal

601

com doze

jurados sorteados dentre 48 pessoas

602

, arrolando todos os crimes de sua alçada

603

.

Previa que o despacho de pronúncia

604

teria como efeitos principais a sujeição do

acusado ao julgamento pelo júri e sua prisão, quando dos crimes inafiançáveis,

suspendendo-o de suas atribuições funcionais, se funcionários públicos.

A interposição de recurso atacando a pronúncia, não tinha o condão de

suspender todos seus efeitos, evitando apenas o julgamento do acusado pelo júri.

Percebe-se aqui uma contradição com os ideais liberais, vez que com essa medida

antecipavam-se os efeitos de uma provável condenação futura para o âmbito da

pronúncia

605

.

Em 27 de dezembro de 1923 foi editado o Decreto n. 4.780

606

, o qual

declarou a incompetência do júri para o julgamento de determinados crimes que

eram cometidos contra o patrimônio do Estado brasileiro. Dessa forma, restou para

a alçada do júri os crimes que a legislação não havia subtraído de sua competência

607

e destinado ao juiz singular

608

.

O supracitado diploma, em sua porção processual, confirmou a competência

do substituto do juiz da seção para o procedimento de formação da culpa e para o

despacho de pronúncia do acusado, devendo remeter os autos para o juízo da seção

para a confirmação ou não do referido despacho

609

, renovando, nesse ponto a

disciplina da Lei n. 515/1898.

601 A matéria referente ao júri estava disposta na Parte Primeira (Organisação e funcções da Justiça Federal),

Capítulo IX (Jury Federal), ao longo dos artigos 80 a 91.

602 Na disciplina disposta no artigo 80, do Decreto n. 3.084/1898. 603 Na disciplina disposta no artigo 83, do Decreto n. 3.084/1898.

604 A Parte Segunda do Decreto n. 3.084/1898, que tratava do processo criminal, Título IV (Processo ordinario),

disciplinava regras para a pronúncia em dois segmentos, quais sejam: Capítulo I (Formação da culpa) e

Capítulo II (Dos effeitos da pronuncia).

605 Na disciplina disposta nos artigos 193 e 195, do Decreto n. 3.084/1898.

606 O Decreto n. 4.780, de 27 de dezembro de 1923 – Estabelece penas para os crimes de peculato, moeda falsa,

falsificação de documentos, e dá outras providencias – estava estruturado em 56 artigos. Recebeu a chancela do

então Presidente da República e advogado mineiro ARTHUR DA SILVA BERNARDES (1875 – 1955).

607 Cf. MARQUES, 1963, v. I, p. 21.

608 Na disciplina disposta no artigo 40, § 2.º, do Decreto n. 4.780/1923. 609 Na disciplina disposta no artigo 41, do Decreto n. 4.780/1923.