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A SOCIEDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES DA CONSTITUIÇÃO

No documento AMPLAMENTE: SOCIEDADE EM (DES)CONSTRUÇÃO (páginas 48-52)

O conceito de Sociedade Aberta dos Intérpretes surgiu após estudos desenvolvidos por Peter Häberle, que buscou, por meio deste conceito, uma interpretação pluralista e procedimental da Constituição.

Segundo Häberle11, “há a necessidade da adoção de uma hermenêutica constitucional adequada à sociedade pluralista ou à chamada sociedade aberta, pois todo aquele que vive a Constituição é seu legítimo intérprete”.

Verificamos que a primeira carta que, ouvindo o clamor de uma parcela da sociedade, garantiu direitos aos indivíduos foi a Magna Carta de 1215, isso na Inglaterra. É possível falar que nesse momento foi retirada, ainda que de forma precária, o poder absolutista do monarca para que se permitisse aos indivíduos manifestarem-se quanto aos seus direitos com a finalidade de vê-los assegurados.

10 Graduação em Direito, pela Faculdade Estácio de Macapá, Estácio Macapá, Brasil. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Administrativo, Previdenciário e Constitucional. ID Lattes: 9607686218148309. E- mail: taianny.vieira@gmail.com

11HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição.1ª edição. Porto Alegre: [s.n], 2002, p.14.

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O exemplo acima assegurou o que posteriormente seria o alicerce da democracia, a qual prevê a participação do povo e o considera como o titular do Poder. No entanto, uma das primeiras manifestações que podem ser consideradas como início de uma luta pela garantia de uma sociedade aberta dos intérpretes verificou-se durante a reforma protestante.

É sabido que no momento histórico do Iluminismo, a igreja católica possuía o domínio do poder e, para a tradição clássica da igreja, as obscuridades nos textos da Bíblia deveriam ser sanadas pela complementação com outras passagens paralelas das escrituras12.

Nesse período os textos sagrados eram escritos apenas em Latim, língua essa que não era de domínio público, o que dificultava o entendimento dos indivíduos acerca das palavras contidas nas escrituras sagradas.

O principal líder do movimento protestante defendia que para que houvesse uma interpretação justa era necessário que todos tivessem acesso ao ensino do latim, caso contrário as escrituras só poderiam ser interpretadas por um número limitado de pessoas.

Após, com a presença do chamado Constitucionalismo Social, surgido durante a revolução industrial, foram sendo assegurados novos direitos em decorrência dos constantes processos sociais vivenciados naquele período.

No entanto, apesar de grandes avanços vivenciados na época do Constitucionalismo Social, ainda havia o monopólio dos textos constitucionais. Nesse sentido, buscando afastar a ideia de acesso aos textos que regulam a sociedade somente por uma parcela desta, Peter Häberle desenvolveu o conceito de uma Sociedade Aberta dos Intérpretes.

Segundo a doutrina de Bernardo Gonçalves:

Na perspectiva de Peter Häberle, a assunção de uma perspectiva de um Estado Democrático de Direito, bem como de uma Hermenêutica Constitucional adequada, que visa à autocompreensão da Constituição, mostram-se inadequadas se forem construídas (forjadas) tendo como destinatárias uma sociedade fechada de intérpretes – que, segundo o autor, estaria preocupada e, sobretudo, direcionada à

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interpretação (constitucional) dada (apenas) pelos magistrados (principalmente os membros dos tribunais e das Cortes Constitucionais)13.

É notório que uma carta que regula a divisão dos poderes, os direitos fundamentais, as liberdades individuais, dentre outros, devem adequar-se ao momento vivido em uma sociedade. No entanto, as constituições são instrumentos elaborados em dado momento histórico, o qual pode sofrer mutação em decorrência das diversas faces de uma sociedade, não podendo tornar-se, nesse sentido, instrumento tangente à realidade social.

É importante ressaltar que no modelo de sociedade aberta dos intérpretes não participam apenas os indivíduos considerados per si, mas todos aqueles que são atingidos de forma individual ou coletiva pela norma, não sendo possível estabelecer um númerosclausus dos intérpretes da Constituição.

Buscando demonstrar os eixos sociais que fariam parte do processo de interpretação constitucional, Häberle exemplificou os seguintes grupos como legítimos intérpretes da Constituição:

(1) as funções estatais:

a) na decisão vinculante (da Corte Constitucional): decisão vinculante que é relativizada mediante o instituto do voto vencido;

b) nos órgãos estatais com poder de decisão vinculante, submetidos, todavia, a um processo de revisão jurisdição, órgãos legislativos (submetido a controle em consonância com objeto de atividade): órgão do Executivo, especialmente na (pré) formulação do interesse público;

(2) os participantes do processo de decisão nos casos 1º e 1º, que não são, necessariamente, órgãos do Estado, isto é:

a) o requerente ou recorrente e o requerido ou recorrido, no recurso constitucional (Verfassungsbeschewerde), autor e réu, em suma, aqueles que justificam a sua pretensão e obrigam o Tribunal a tomar uma posição ou a assumir um “diálogo jurídico” (“Rechtsgespräch”); b) outros participantes do processo, ou seja, aqueles que têm direito de manifestação ou de integração à lide, nos termos da Lei Orgânica da Corte Constitucional (v.g., §77,85, nº2, 94, nº 1 a 4, §§65, 82, nº 2, 83, nº 2, 94, nº5) ou que são, eventualmente, convocados pela Própria Corte Constitucional (v.g., §82, nº 4, da Lei do Bundesverfassungsgericht);

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c) pareceristas ou experts, tal como se verifica nas Comissões Especiais de Estudos ou de Investigação (§73, do Regimento Interno do Parlamento Federal);

d) peritos e representantes de interesses nas audiências públicas do Parlamento (§ 73, nº 3, do Regimento Interno do Parlamento Federal Alemão) peritos, nos Tribunais, associações, partidos políticos (frações parlamentares), que atuam, sobretudo, mediante a “longa manus” da eleição de juízes (NT 2)

e) os grupos de pressão organizados (§10, do Regimento interno do Governo Federal);

f) os requerentes ou partes nos procedimentos administrativos de caráter participativo;

(3) a opinião pública democrática e pluralista e o processo político como grandes estimuladores: media (imprensa, rádio, televisão, que, em sentido estrito, não são participantes do processo, o jornalismo profissional, de uma lado, a expectativa de leitores, as cartas de leitores, de outro, as iniciativas dos cidadãos, as associações, os partidos políticos fora do seu âmbito de atuação organizada (Cf, 2, d) igrejas, teatros, editoras, as escolas da comunidade, os pedagogos, as associações de pais;

(4) cumpre esclarecer, ainda, o papel da doutrina constitucional nos 1, 2 e 3; ela tem um papel especial por tematizar a participação de outras forças e, ao mesmo tempo, participar nos diversos níveis14.

Deste modo, para Häberle, os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralista for a sociedade15.

O conceito estudado e desenvolvido por Peter Häberle vem demonstrando-se de efetiva importância para a efetivação dos direitos considerados fundamentais que devem ser tutelados pelo Estado, pois regularmente vem sendo verificado que os órgãos jurisdicionais, utilizando-se de uma interpretação ampla do texto constitucional, vêm produzindo interpretações constitucionais visando efetivar ao maior número possível de direitos.

Ressalta-se que a efetivação da interpretação, de forma vinculante, sempre será realizada pela Poder Judiciário. Frise-se que aqui não há uma afronta ao princípio da separação dos poderes, pois como a muito defendido, o legislador, ao confeccionar a norma, não poderia prever todas as suas interpretações possíveis, sendo necessária a utilização da hermenêutica constitucional para que a norma alcance a proteção de todos os grupos.

14HÄBERLE, op.cit., p. 20-23. 15Ibid., p. 13.

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As contribuições desse modelo de interpretação constitucionais são inúmeras, inclusive no âmbito brasileiro, e que serão estudadas em tópico oportuno.

A SOCIEDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES E A FORÇA NORMATIVA DA

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