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PERÍODO IMPERIAL

No documento AMPLAMENTE: SOCIEDADE EM (DES)CONSTRUÇÃO (páginas 107-111)

Trata-se o ano de 1808 como marco da chegada da família real portuguesa ao Brasil, desta forma o centro de poder se aproxima da realidade do território brasileiro, entretanto as instituições e a burocracia ainda levariam um tempo para se cristalizarem de forma definitiva.

As forças produtivas e o modo de produção permaneciam pautados na escravidão, o sistema penal do império seguia os moldes do período colonial. Os momentos introdutórios do império em terras brasileiras foram marcados pela vigência das Ordenações Filipinas, conforme já mencionado, tendo sido confirmadas pela Assembleia Constituinte e vigorando até a edição do Código Criminal do Império em 1830. Quanto as penas, Motta (2011) assim preleciona:

O arsenal das penas estabelecido pelo Código de 1830 compunha-se da morte na forca (artigo 38); galés (artigo 44); prisão com trabalho (artigo 46); prisão simples (artigo 47); banimento (artigo 50); degredo (artigo 51); desterro (artigo 52); multa (artigo 55); suspensão de emprego (artigo 58); perda de emprego (artigo 59). Para os escravos, havia ainda a pena de açoite, caso não fossem condenados à morte

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nem às galés. Depois do açoite, o escravo deveria ainda trazer um ferro, segundo a determinação do juiz (MOTTA, 2011, p. 78).

Em 1822 proclama-se a Independência no Brasil, com relação a Portugal e em 1824 promulga-se a primeira Constituição brasileira, a carta em comento apontava alguns direitos e garantias individuais, entretanto apresentava-se de forma contraditória, uma vez que diferencia os tratamentos dados aos ditos cidadãos brasileiros e aos escravos, para os quais continuavam a ser empregadas as penas mais severas e desumanas.

Ainda no que se refere a Constituição de 1824, sabe-se que trouxe a divisão do poder em quatro esferas, Legislativo, Moderador, Executivo, e judicial, sendo que em seu Artigo 179 estabelece a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, texto inovador para a época, contudo não teria um viés modificador do status social, que apresentava uma sociedade extremamente estratificada.

No que tange ao nosso objeto de estudo ora em desenvolvimento, observa-se que em seus incisos VII e VIII o Art. 179 estabelece que: VII - Ninguém será preso sem culpa formada, exceto nos casos previstos em lei; VIII - A exceção de flagrante delito, a prisão não pode ser executada, senão por ordem escrita da autoridade legitima. Tais incisos evidenciando a preocupação em tratar de forma institucional as questões penais.

Complementarmente, os incisos IX e X do dispositivo versam que: IX - A lei será igual para todos; X - Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis. Neste ponto evidenciando a contradição do texto normativo, visto que na prática o tratamento dado aos escravos da época, servia claramente aos interesses produtivos na manutenção do sistema escravagista, ficando evidente com a edição do Código Criminal de 1830. Como ressalta Ferreira (2009):

Além dos castigos corporais infligidos aos escravos pelos senhores e seus prepostos, após 1830, com a entrada em vigor do Código Criminal do Império – em caso de condenação à prisão – enquanto aos libertos e livres, pelo menos em tese, cabiam as então modernas formas de punir (reeducar e ressocializar), aos cativos continuava reservada a pena de açoites. Pena esta que, em casos extremos, de até oitocentos açoites, era caracterizada pelos práticos e cirurgiões que as acompanhavam como morte com suplício – típica punição do Antigo Regime (FERREIRA, 2009, p. 179-180).

Percebe-se, entretanto, que se iniciara um período de transição, no qual de forma lenta, gradual e progressiva, as penas deixariam seu caráter corpóreo e assumiriam o

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viés restritivo de liberdade, embora parte da população não fosse contemplada, parte outra já se beneficiaria das influências liberais que naquele momento histórico permeavam os pensamentos políticos por grande parte do mundo, mais evidentemente na Europa.

O Brasil se torna independente de Portugal, mas seu desenvolvimento como nação estava atrelado ao velho modelo de produção. Em outras palavras as novas tendências liberais surgem no cenário, porém encontram na monocultura e no sistema escravagista os maiores entraves para implantação e pleno desenvolvimento de um sistema judicial eficiente, moderno e justo, tudo apontando para os interesses tanto governamentais quanto dos poderes locais. Aguirre (2009) aponta:

Os governantes provinciais e as elites locais disputavam a primazia sobre o direito de punir. Mas no fundo, o que estava em jogo mesmo era a legitimação do monopólio estatal da violência, um dos princípios constitutivos do Estado moderno. Este é um dos motivos que, aliado à manutenção da escravidão, nos ajudam a entender as razões pelas quais a passagem da colônia ao império não coincidiu com a abolição dos castigos corporais. Aliás, a permanência das punições extrajudiciais aplicadas no período colonial e a manutenção jurídica das penas corporais, tais como açoites e desterro, foi uma característica do império brasileiro (AGUIRRE, 2009, p. 39).

Despontam as influências e tendências liberais, os defensores das mudanças em questão apontavam fervorosamente a necessidade de se desvencilhar das penas cruéis, abrindo espaço ao cárcere como medida mais humana e eficiente de controle social, apontando as vicissitudes do novo sistema prisional em relação ao antigo. Neste sentido, veja-se em que sentido se deram as argumentações da época, Motta (2011).

Quais são os fins da prisão segundo os reformadores? Os fins de uma prisão vêm a ser três: custódia segura, reforma e castigo. Os antigos calabouços e os grilhões são considerados como expediente dos tempos bárbaros, e a violência física como meio de punição deve ser substituída pelo sistema de uma contínua vigia sobre o preso, invenção de um destes filósofos ardentes pela causa da humanidade. Um desses “gênios beneficentes” era o “venerável J. Bentham” (MOTTA, 2011, p. 106).

Apenas a partir de 1850, duas décadas após entrar em vigor o Código Criminal do Império, é que começam a serem vistas as unidades prisionais construídas sob as novas diretrizes e tendências de se ter a pena privativa de liberdade como núcleo do sistema judicial brasileiro, mesmo assim a prática ainda destoava da teoria, e a legislação ainda andava ao largo do cotidiano em muitos aspectos.

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Observa-se que decorrem mais de três décadas, a partir de 1850, até que se tivesse a abolição da escravatura no Brasil, ao passo que os movimentos abolicionistas ganhavam força e suas ações frutificavam, o tratamento dado aos prisioneiros negros foi passando por mudanças, "é possível fazermos uma correlação entre as leis que aboliam gradativamente o tráfico e o sistema escravista e o recrudescimento da truculência e arbitrariedade da polícia e dos dirigentes carcerários" (SANTOS, 2009, p. 57).

Ao longo da segunda metade do século XIX, outro fenômeno foi registrado, o sistema carcerário começa a apresentar um contingente de reclusos muito maior que a capacidade de gerir do poder público. O sistema começou a se expandir e outras unidades, mesmo não tendo a mesma finalidade passariam a ser utilizadas, como por exemplo a unidade prisional existente em Fernando de Noronha.

O afluxo de prisioneiros se avoluma, o emprego de tal contingente em obras públicas por si não sanava a situação, o envio a outras unidades distantes não era suficiente, por fim a solução derradeira a ser utilizada foi deixar parte do contingente de encarcerados sob os cuidados do exército, assim por meio do serviço militar obrigatório, "milhares de suspeitos, majoritariamente pobres e negros foram recrutados à força, utilizando-se a conscrição como mecanismo de castigo" (AGUIRRE, 2009, p. 49).

Nesta nova etapa da História do Brasil ocorre uma reestruturação dos valores políticos, humanos e sociais, o Brasil se desenvolve sob o manto da liberdade social. O movimento iluminista europeu teve grande influência, na criação dos princípios fundamentais do nosso direito penal, como exemplo o princípio da irretroatividade, da pessoalidade da pena, dentre outras.

Em 1824 foi outorgada a primeira constituição. Esta trazia garantias a liberdades públicas e dos direitos individuais. O novo diploma legal previu a necessidade de um código criminal, que deveria ter pilares fundados na justiça e equidade (DOTTI, 1998, p. 50).

Em 1830 foi sancionado o Código Criminal, pelo imperador D. Pedro I. Este novo código reduziu os delitos que eram apenados com morte, bem como a extinção das penas infamantes. Surgiu a pena de privação de liberdade, na qual substituiria as penas corporais (DOTTI, 1998, p. 53).

A prisão passou a ter uma função de emenda e reforma moral para o condenado. Tempos de pois a inda na vigência do império, a pena de morte, se extinguiria por completo, devido ao um erro judicial, em que o fazendeiro Manoel da Mota Coqueiro, teria sido condenado à forca

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por homicídio, descobrindo-se posteriormente o equívoco (BUENO, 2003, p. 149).

Por fim, pode-se abstrair que as influências do Brasil Colônia estiveram presentes em praticamente todo o período Imperial, embora a pena de prisão, inclusive distinta entre prisão simples e prisão com trabalho, haja sido implementada, os destinatários eram distintos da maioria, e as condições continuavam sendo as piores.

Verifica-se desta forma, que o período imperial vivenciou várias tentativas de mudança do sistema penal do Brasil, a legislação avançou neste sentido e de forma tímida houve uma transição de um sistema que tinha o castigo corporal como principal meio de punição para uma realidade na qual a privação da liberdade seria a forma central de punir o infrator no sistema.

No documento AMPLAMENTE: SOCIEDADE EM (DES)CONSTRUÇÃO (páginas 107-111)