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A solidariedade gentílica e a ideia de vingança

CAPÍTULO II OS PRIMITIVOS GRUPOS GENTÍLICOS E O CONCEITO DE BANDO COMO ELEMENTO ORIGINÁRIO DA POLÍTICA

2.1 Os Primitivos Grupos Gentílicos

2.1.2 A solidariedade gentílica e a ideia de vingança

Os membros dos grupos gentílicos vivem na forma de um comunitarismo aplicado em grande escala. Talvez, a experiência do princípio socialista nunca fora realizada de forma ilimitada na humanidade como no exercício e domínio do direito gentílico.

A solidariedade gentílica é manifestada eficazmente tanto nas relações internas quanta nas relações externas dos grupos. Internamente, verifica-se que os grupos gentílicos, na maioria das vezes, possuem uma economia coletiva.

Dessa forma, o trabalho necessário para a satisfação das necessidades básicas da vida é feito em comum, compondo que o grupo deve buscar conjuntamente dar conta de todas as despesas necessárias para as necessidades tanto dos membros, seja individualmente ou comunitariamente.

A ideia de solidariedade gentílica evidencia as bases do direito gentílico que, apesar de não ter se desenvolvido muito, estabeleceu categorias de direitos e deveres mútuos de seus membros. Post identifica que estes

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Levi-Strauss define que em certos casos o incesto de confunde com a exogamia e que do ponto de vista mais geral o incesto exprime a pasagem do fato natural da consanguinidade ao fato cultural da aliança. Cf. LÉVI-STRAUSS, Claude. Estruturas fundamentais do parentesco, Petrópolis: Vozes, 1982, p. 69 e 70.

deveres e direitos são principalmente: a obrigação de vir em auxílio de outros membros do grupo em todas as circunstâncias da vida, e, particularmente, para ajudá-los caso eles se enquadrem em situação de miséria; para regatá-los, se são capturados em cativeiro, obrigação de pagar as suas dívidas, e; especialmente, para contribuir com o custo de casamentos, dever este que corresponde ao direito do grupo receber uma parte do preço pago pela compra de uma mulher que a este pertence ou mesmo na venda de alguma mulher para casamento. Em alguns casos, a solidariedade gentílica se manifesta também no cumprimento de funerais de membros do grupo e na regulamentação da caça, uma vez que, em relação a esta última função, quem normalmente abate uma presa deve compartilhá-la com os outros membros do grupo gentílico.96

Ademais, os membros de um grupo gentílico são intimamente ligados pela ideia de vingança. Eles têm o direito e o dever de exercer a vingança para com outro membro do grupo, e vice-versa. A vingança que um dos membros do grupo chamou para si atinge todo o grupo, de forma que, quando a composição admite vingança, os membros do grupo tem o direito de perceber igualmente uma parte, mas também são obrigados, se for o caso, de pagar para constituir o montante devido.97

A vingança nos povos primitivos só pode ser tratada de maneira correta quando a reação em tela é produzida com a intenção não só de desviar ou amenizar o mal, como também de infligi-lo, seja ao autor do primeiro ato ou a alguém relacionado com ele, a quem se considera responsável coletivamente.

A vingança, nesse sentido, é estabelecida como uma forma de justiça, segundo a qual o ofensor deve sofrer o mesmo mal que causou ao ofendido. Tal é o sentido explícito da Lei de Talião, que demonstra, mesmo nas

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POST, Alberto Ermanno. Giurisprudenza etnologica, vol. I, cit., p. 143-144.

97 Sobre o tema da vingança, cf. CARNIO, Henrique Garbellini. Direito e antropologia, cit., p. 150-164.

sociedades primitivas, certa moralidade que estrutura e rege as relações entre os membros dos grupos e os que com ele de alguma forma se relacionam.

Interessante notar como Kelsen propõe sua análise a partir da observação de Steinmetz98 sobre a origem da pena na qual se distingue entre

atos de vingança dirigidos e não dirigidos. Num sentido psicológico, não importa a direção da vingança, mas, sim, que a sensação desagradável recebida seja neutralizada pela sensação de causar o mesmo para outrem.

O sentimento de satisfação é fundamental para o conceito de vingança. A vingança contra o autor de um dano é mais que uma defesa instintiva, possui também um efeito preventivo, único na relação entre indivíduos que convivem socialmente. A sua reação se dirige contra um elo da cadeia causal, contra um elo específico que atacado pela reação se torna uma causa menos provável de repetição de ocorrência do dano.

Assim, a experiência da vingança só pode ser experimentada por um ser que vive em sociedade. Desse modo, a vingança, isto é, a retribuição, só é possível na sociedade e não na natureza.

Na verdade, não é possível estabelecer uma clara distinção entre a reação denominada vingança e a reação da ideia de retribuição. O dano sofrido é considerado como uma violação de normas sociais, e, por isso, deve ser neutralizado.

Como já demonstrado, há para o homem primitivo uma grande importância de socialização que tem, dentre várias funções, uma das mais importantes: a proteção da vida do grupo como um todo.

Marret apresenta três condições normativas básicas das relações primitivas: a proibição do incesto, a proibição de derramamento de sangue entre membros da tribo e a vingança de sangue em relação com outros membros de fora da tribo. A vingança de sangue é uma das mais antigas

      

normas sociais. Ela estabelece que, quem mata, deve morrer, e foi forjada sob exercício do princípio da retribuição.99

Outro interessante interlocutor sobre este tema nas comunidades primitivas que nos parece interessante abordar até mesmo pela proximidade - tanto pessoal quanto intelectual - com Post é Josef Kohler que, numa de suas obras, refere-se à ideia da vingança parental (Kin-Revenge).

A partir da noção de vingança parental Kohler chega à ideia de vingança de sangue envolvendo a interpretação animista e mágica das comunidades primitivas.

There are ages in which this element of punishment alone appears, or at least plays a principal part; thus it is in periods when kin-revenge is practiced […] The wrong that is thus expiated is especially the wrong that individuals have suffered; it is the injured individual, his family, his clan, that consider themselves wrong […] Periods of blood-revenge are so much the worse, because this revenge is carried out even when the member of the family has not in fact been killed. The idea is quite general, in such times, that death may be caused by a magic spell; and if a man dies unaccountably, efforts are at once made to find out from whom the evil influence came.100

A análise empreendida do estudo de Kohler representa uma hipótese interpretativa que acrescenta conteúdo à abordagem de Post, permitindo um esclarecimento complementar às noções que vêm sendo apresentadas no desenvolvimento dos objetivos deste trabalho.

A base etnológica de Post demonstra que o primitivo sujeito de direito não são pessoas individualmente consideradas, mas, sim, as comunidades de estirpe, representadas por tribos ou clãs, sociedades – como já pormenorizadamente demonstrado anteriormente – fundadas em laços de parentesco sanguíneo e praticantes da vingança privada, pois, nas relações

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MARRET, Robert Ranulp. Antropología, cit., p. 26-48.

100 KOHLER, Josef. Philosophy of law, New York: Augustus M. Kelley Publishers, South Hackensack: Rothman Reprints Inc., 1969, p. 268-270.

dessas comunidades, toda a responsabilidade é coletiva e a vingança é prerrogativa da comunidade.

L’organizzazione corporativa è sempre la forma più recente di organizzazione Che si presenti nella vita dei popoli. Nell’ordinamento gentilizio, territoriale e signorile la personalità giuridica individuale à pochissimo sviluppata, anzi può dirsi che l’individuo, soggetto di diritto, comò lo conosciamo noi ai dì nostri, non esiste. Soltanto col disgregarsi di quelle forme di organizzazione, che sotto ogni risguardo lo fanno quasi sparire nei gruppi sociali, l’individuo emerge comò centro indipendente della vita sociale. Dato il concepito della personalità individuala, è considerata base di questa responsabilità la colpa individuala; in questa maniera di pensare si ha nu contrapposto l’organizzazione corporative e le altre forme dia organizzazione sociale, sopra tutto quella gentilizia. Mentre Il diritto gentilizio, per un atto illecito commesso da uno dei membri di un gruppo chiama responsabile il gruppo intero, ammette rispettivamente che la violazione d’un membro di un gruppo sai vendicata dal gruppo intero, e considera come atto illecito ogni violazione obbiettiva della sfera giuridica offeso, senza dar peso al fatto che questa violazione si possa oppur no ricondurre ad umma colpa individuala, l’organizzazione corporative invece per regola non riconosce responsabilizza dia terzi per gli atti illeciti commessi da umma persona singola, me chiama responsabile questa medesima solamente101.

Além da noção tão bem determinada da vingança e sua projeção enquanto justiça nas organizações gentílicas, há de se ressaltar ainda a ideia de que os membros de um grupo gentílico são responsáveis solidários pelas dívidas, contratos e multas que um de seus membros tornou-se responsável; a pena também é pública, quem cometeu algo a ser apenado no grupo gentílico, também afeta aos demais integrantes e os membros são obrigados a testemunhar para ajudar uns aos outros como conspiradores.

Por tudo até aqui exposto, atinge-se neste momento a possibilidade de se compreender a complexão relação de ideia de bando no

      

grupo gentílico perseguido como ponto inicial fulcral de nossa análise neste trabalho.