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O totem como elemento comum nas organizações gentílicas

CAPÍTULO II OS PRIMITIVOS GRUPOS GENTÍLICOS E O CONCEITO DE BANDO COMO ELEMENTO ORIGINÁRIO DA POLÍTICA

2.1 Os Primitivos Grupos Gentílicos

2.1.1 O totem como elemento comum nas organizações gentílicas

Um elemento comum nas organizações gentílicas, compondo sua originária base animista é a figura especial do totem. Em alguns grupos, verifica-se a atribuição de noções divinas aos elementos orgânicos da natureza, mas de forma especial aos animais, que efetivamente evidenciam o totem. A sua verificação é tão significativa que pode se afirmar que, na realidade, a universalidade da ideia do totem é praticamente incontestável.82

O animal que serve como um totem é, com toda probabilidade, sempre um antepassado mítico. Isto revela que a crença em um ancestral comum possui íntima conexão com o totemismo. O originário “pai” comum (genitor comum) é considerado como uma divindade que tomou a forma de um animal e, por consequência, este animal representa a insígnia da comunidade de estirpe.83

Algumas características significativas dos totens são comuns.

       82

POST, Alberto Ermanno. Giurisprudenza etnologica, vol. I, cit, p. 105. 83 POST, Alberto Ermanno. Giurisprudenza etnologica, vol. I, cit., p. 106.

O animal que serve como totem constitui um objeto de especial veneração e, acima de tudo, usualmente não é permitido que se coma sua carne.

Originalmente, os totens representavam grupos de parentes, mas o certo é que atualmente estes não possuem referido caráter parental e muitas vezes as figuras dos totens são exogâmicas, neste caso, as crianças seguem o totem do pai ou da mãe, dependendo da forma predominante do sistema de parentesco vigente no grupo.

Muitas vezes, os totens são independentes de subdivisões de tribos locais, isto quer dizer que pode haver pessoas de diferentes tribos com o mesmo totem, pode haver pessoas do mesmo totem que moram longe umas das outras e, na mesma aldeia, podem habitar pessoas pertencentes a totens diferentes, destacando-se, acima de tudo, a recorrência de se encontrar o mesmo totem em tribos diferentes.

Há, em certos casos, uma série de animais principais que caracterizam as linhas de sangue, e que, por sua vez, têm diferentes animais a eles subordinados. Toda verossimilhança com cada um desses animais é subordinada para indicar um determinado grupo de ações ordinárias, de forma que o que fica preservado nesta forma é a memória dos processos pré- históricos de desintegração.84

A grande questão é a de que pertencer a um totem, sem dúvida, traz a noção de certos efeitos de natureza social. Em especial, entre os membros do mesmo totem, há uma obrigação de proteger uns aos outros. Da

mesma forma, eles também possuem obrigação de hospitalidade.85

      

84 POST, Alberto Ermanno. Giurisprudenza etnologica, vol. I, cit., p. 108.

85 Segundo Post: I - Ci imbattiamo da per tuto sulla terra in alcuni gruppi di carattere essenzialmente gentilizio, i quali hanno per insegna un determinato ser organico, ordinariamente un animale (totem). L' universalitá di tale fenomeno è fuori di dubbio. II - L'animale che funge da totem è con ogni verosimiglianza sempre un capostipite mitico, giacchè è per lo meno certo che la credenza in un capostipite comune sta in intima connessione col totemismo. Il genitore comune originario è considerato come una divinità che ha assunto la forma di un animale. Per

Com bem nota Frazer, o totem é uma classe de objetos materiais que um selvagem se liga com um respeito supersticioso, crendo que ali existe entre ele e cada membro de sua estirpe uma íntima e geral relação especial.

O nome totem é derivado de uma palavra Ojibway e sua forma correta de falar é desconhecida. Quem primeiro a introduziu na literatura foi um indiano chamado L. Long na obra chamada Voyager and travels of an indian

interpreter. A palavra seria propriamente ote, significando família ou tribo.86

A conexão entre um homem e seu totem é sempre mutuamente benéfica. O totem protege o homem e o homem mostra a ele respeito de variadas formas, como, por exemplo, não o matando se for um animal e não cortando-o ou colhendo-o se for um planta ou outro objeto natural.

De forma distinta a do fetiche, o totem normalmente não representa um indivíduo isolado, mas sempre uma classe de objetos,

       conseguenza questo animale è l'insegna della stirpe. Portar quel contrassegno è la condizione necessaria per poter dirsi appartenente ad una stirpe, e l'usurpazione del contrassegno proprio di una stirpe diversa è una gravissima violazione del diritto intergentilizio. l'animale che funge da totem è sempre oggetto di speciale venerazione; sopra tutto no è permesso frequentemente mangiarne le carni. III - è ugualmente verosimile che in origine i totem fossero gruppi di parenti ma è certo che ora non hanno questo carattere ben sí presentano struttura più vasta. IV - Spesso i totem sono esogami; ed in tal caso figli, a seconda del sistema di parentela in loro predominante, seguono il totem della madre ovvero quello del padre. V - I totem sono spesso indipendenti dalle suddivisioni locali delle tribù. Vi possono esser persone appartenenti allo stesso totem delle tribù. Vi possono esser persone appartenenti allo stesso totem che dimorano lontanissimi l'una dall'altra, mentre ache in uno stesso villaggio possono dimorare persone appartenenti a totem diversi. Sopra tutto frequente è il trovare lo stesso totem in tribù diverse. Altrove i totem sembra invece siano soltanto suddivisioni di singole tribù. sovente presso una popolazione vi è una serie di animali principali, caratterizzanti le stirpi, che alla loro volta hanno una serie di altri animali subordinati. Con tutta verisimiglianza ognuno di questi animali subordinati sta ad indicare l'avvenuto distacco di un determinato gruppo dal ceppo comune; di modo che quel che si conserva sotto questa forma è la memoria di processi preistorici di disintegrazione. VI - L'appartenere ad un totem ha senza dubbio determinati effetti di carattere sociale. In ispecie tra i membri di uno stesso totem v'è obbligo di protezione reciproca. Allo stesso modo sembra che costoro abbiano l'uno verso l'altro notevoli doveri d'ospitalità. I rapporti reciproci di coloro che appatengono ad uno stesso totem non sono del resto ancora conoscitui con precisione nei loro particolari [...] POST, Alberto Ermanno. Giurisprudenza etnologica, vol I, p. 106-108.

geralmente representada por uma espécie de animal ou planta e, em raros casos, de objetos artificias. Tal fato demonstra a composição do totem para o próprio conceito de animismo.

Segundo Frazer, em relação ao homem, apesar de existirem outras formas menos encontradas, os totens podem ser considerados de três espécies: 1) o totem do clã, ou seja a existência de um totem comum a todo um clã; 2) o totem sexual, referente ao gênero sexual, ou seja, um totem comum para os homens ou um totem comum para as mulheres e 3) o totem individual, pertencendo a um único indivíduo e não passando aos seus descendentes.87

No clã totêmico, a representação que ocorre normalmente é feita na reverência ao corpo de um homem ou de uma mulher que se auto intitulam pelo nome do totem, acreditando que sejam do mesmo sangue, descendente de um ancestral comum, e que estão ligados por obrigações comuns, bem como na crença no mesmo totem.

Na forma indicada, tem-se que o totem é tanto um sistema religioso, quanto social. No sentido religioso, consiste em relações de mútuo respeito e proteção entre o homem e seu totem, no sentido social, consiste nas relações dos homens e do clã entre si e com membros de outros clãs.

Os membros de um clã totêmico chamam-se pelo nome do totem e, usualmente, acreditam que são descendentes dele. Um exemplo interessante citado por Frazer refere-se a um clã denominado pelos Iroquois como tartaruga. Eles que acreditavam ser descendentes de uma tartaruga gorda que sobrecarregada pelo peso de seu casco ao lutar para dele se livrar acaba conseguindo e se desenvolve num homem. Nesta mesma tribo, Frazer faz referência sobre a existência de clãs relacionados a ursos e lobos.88

       87

FRAZER, James George. Totemism and exogamy, vol. I, cit., p. 3 e 4. 88 FRAZER, James George. Totemism and exogamy, vol. I, cit., p. 5.

Importa ressaltar, ainda, que as regras de não matar ou comer o totem não são os únicos tabus. Em certos casos, os membros dos clãs são proibidos de tocar o totem e, em casos ainda mais excepcionais, são até mesmo proibidos de olhar para ele.89

Outro aspecto importante é como os clãs atuam na consecução da personificação de seus totens. Este fenômeno ocorre quando os membros vestem as peles dos totens, quando se os imita, fazendo pinturas rupestres, tatuagens e mesmo toda uma sorte de cerimoniais envolvendo eventos e datas importantes, como, por exemplo, aniversários, casamentos, mortes, enterros, ressurreições, sacrifício de animais sagrados etc.90

Já do ponto de vista dos totens individuais, há um importante elementos que nos importa: a já referida ideia de exogamia.91

A exogamia corresponde ao fato de que pessoas com o mesmo totem não devem casar ou possuir relações sexuais entre si. O descumprimento de tais medidas podia levar a sérias punições, que em alguns casos poderiam ser individualizadas, mas que na maioria das vezes, eram aplicadas por todos os membros do clã que castigavam, humilhavam e oprimiam seus ofensores, podendo, em algumas situações - como nos aborígenes australianos -, ocorrer até mesmo a morte.92

      

89 FRAZER, James George. Totemism and exogamy, vol. I, cit., p. 11. 90

FRAZER, James George. Totemism and exogamy, vol. I, cit., p. 25-46. 91 FRAZER, James George. Totemism and exogamy, vol. I, cit., p. 54.

92 Frazer estipula alguns exemplos de exogamias: “Exogamous Examples. — The Creek Indians are at present divided phratries […] about twenty clans (Bear, Deer, Panther, Wild-Cat, Skunk, Racoon, Wolf, Fox, Beaver, Toad, Mole, Maize, Wind, etc.), and some clans have become extinct. These clans are (or were) exogamous; a Bear might not marry a Bear, etc. But further, a Panther was prohibited from marrying not only a Panther but also a Wild-Cat. Therefore the Panther and Wild-Cat clans together form a phratry. Similarly a Toad might not marry a member of the extinct clan Tchu-Kotalgi; therefore the Toad and Tchu-Kotalgi clans formed another phratry. Other of the Creek clans may have been included in these or other phratries; but the memory of such arrangements, if they existed, has perished. The Moquis of Arizona are divided into at least twenty-three totem clans, which are grouped in ten phratries ; two of the phratries include three clans, the rest comprise two, and one clan (Blue-Seed- Grass) stands by

Com o desenvolvimento das relações sociais, os clãs - na representação da linhagem de um antepassado comum, já falecido, mas lembrado pelos vivos - tendem a se transformarem em fratrias.

As fratrias são um grupo de clãs cujo antepassado comum pode ser até em certos termos um mito. Nas fratrias, há uma mistura de clãs que sobre a influência das mudanças sociais fazem com que seus totens tendem a passar para a forma de deuses humanos com símbolos animais.

Por mais que as fratrias sigam a exogamia, estas referidas mudanças, em certos casos, provocam até mesmo um relaxamento da exogamia, demonstrando como o totem possibilita a investigação do estudo das formas iniciais de relacionamento entre os homens.

Essa indicação final é justamente o que afirma Andrew Lang, em especial na obra The secret of the totem. Segundo Lang, a investigação sobre o totemismo tem mais do que um curiosidade intelectual, pois representa a possibilidade de se estudar a estrutura das mais primevas formas da sociedade humana.93

Nas tribos, a ideia do direito costumeiro é mais antiga do que todas as diversas formas originais pelas quais estas se formaram, de modo que a forma mais antiga de direito que se pode encontrar é exatamente a que une a

       itself. The Choctaws were divided into two phratries, each of which included four clans; marriage was prohibited between members of the same phratry, but members of either phratry could marry into any clan of the other. The Chickasas are divided into two phratries - (i) the Panther phratry, which includes four clans, namely, the Wild-Cat, Bird, Fish, and Deer ; and (2) the Spanish phratry, which includes eight clans, namely, Racoon, Spanish, Royal, Hush-ko-ni, Squirrel, Alligator, Wolf, and Blackbird. The Seneca tribe of the Iroquois was divided into two phratries, each including four clans, the Bear, Wolf, Beaver, and Turtle clans forming one phratry, and the Deer, Snipe, Heron, and Hawk clans forming the other. Originally, as among the Choctaws, marriage was prohibited within the phratry but was permitted with any of the clans of the other phratry; the prohibition, however, has now broken down, and a Seneca may marry a woman of any clan but his own. Hence phratries, in our sense, no longer exist. Among the Senecas, though the organisation survives for certain religious and social purposes […] FRAZER, James George. Totemism and exogamy, vol. I, cit., p. 56 e 57.

93 LANG, Andrew. The secret of the totem, London, New York, Bombay: Longmans, Green and co, 1905, p. 3.

tribo pelo sistema do matrimônio que expressa a si mesmo no totemismo, em especial, pelo já indicado fenômeno da exogamia.

O direito em questão funda a base universal de seu sistema social com a regra que obriga as pessoas a não cometerem relações sexuais promíscuas, estipulando que nenhum membro da tribo pode se casar com outro membro da mesma divisão, podendo casar tão somente com um membro da divisão opositora, adversa.94

Essa reflexão permite uma aproximação com a ideia do mito concebido por Freud - apresentado no primeiro capítulo deste trabalho - que propõe o surgimento da religião, do direito e de tudo o mais que é da ordem da cultura, do humano e do simbólico, quando ao tratar do tema da exogamia explora a noção do incesto.

A vinculação da exogamia ao totem realiza mais do que a prevenção do incesto com a própria mãe ou irmãs, tornando impossível ao homem as relações sexuais com todas as mulheres de seu próprio clã, ou seja, com certo número e mulheres que não são parentes consanguíneos, tratadas, pois, como se fossem parentes pelo sangue.

Disso se interpreta que o papel desempenhado pelo totem como antepassado comum é tomado muito a sério, pois todos que descendem do mesmo totem são parentes consanguíneos e formam uma única família e, dentro dela, mesmo o mais distante grau de parentesco é encarado como impedimento absoluto de relações sexuais.

Por essa razão que, nessas organizações sociais, existe um horror excepcionalmente intenso ao incesto, ou, minimamente, estas se mostram muito sensíveis ao assunto num grau fora do comum.

Na tese mítica freudiana, na origem disso tudo estaria a ocorrência do primeiro crime: o assassinato de um “pai” por não ter partilhado e

      

limitado seu gozo, pois só ele era quem comandava e usava da horda primitiva em que vivam agrupados e esse primeiro contrato existente, um pacto de sangue, acabara não resultando em benefício para as partes contratantes, pois os “filhos” acabaram ficando sem quem os alimentava e protegia, além de ter despertado a reprovação das “mães” que também ficavam sem o “genitor fundamental”, fato que reforça a tese de estruturação de um matriarcado em que a primeira lei fundadora da sociedade, ao mesmo tempo natural e social, é a da proibição do incesto.95