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A título de conclusão e por uma justiça sanitária digna no

No documento IniciaçãoaBioética-LivroInteiro (páginas 76-79)

Brasil

A receita do Estado Mínimo faz parte do ideário neoconservador ou neoliberal que propõe um modelo elitista de democracia frente ao participativo. Estabelece limites drásticos ao papel do Estado, que se ocuparia tão-somente de obras e da ordem pública, ou seja, garantir a co- modidade e a segurança dos cidadãos, ao invés de intervir para assegurar a liberdade e a eqüidade. É óbvio que, nesse modelo, a aplicação do princí- pio da justiça ficou tributária da ética utilitarista que responde às leis do mer- cado. Os que defendem uma democra- cia participativa entendem a saúde como um bem tão fundamental que para ser eticamente aceitável deve ser oferecida para todos, e não para a maioria. Pretendem substituir o con- ceito de Jeremy Bentham de “o maior bem para o maior número” para o mais equânime “um adequado nível de as- sistência à saúde para todos”.

Na década de setenta, a Organi- zação Mundial da Saúde (OMS) lan- çou a campanha “Saúde para todos no ano 2000”. Esse projeto contava com o empenho de vários governos para que, no final deste milênio, fos- sem reduzidas as diferenças nos indi- cadores de saúde das populações po- bres e ricas em pelo menos 25%, o que significaria melhora sensível em favor dos países mais carentes. A dois anos do ano 2000, o índice de 25% prova- velmente será atingido, porém em sen- tido oposto, ou seja, mais se acentuou a diferença dos indicadores de saúde

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do Primeiro para o Terceiro Mundo. Lamentavelmente, constata-se que o mote da campanha da OMS está se transformando em “Saúde para pou- cos no ano 2000”.

Os países pobres apresentam uma expectativa de vida média 20 anos menor que a dos países ricos, e a morta- lidade infantil é 10 a 15 vezes maior. Quando se analisa os indicadores de saúde das classes altas dos países do Terceiro Mundo, verifica-se que os mesmos são comparáveis aos obser- vados nos países do Primeiro Mundo. Este fato deu margem a que fosse iro- nicamente proposto um nome mais apropriado para o nosso país, que passaria a ser conhecido como Belíndia. Pequena parte da população vivendo nas condições da rica Bélgica e a grande maioria na pobre Índia. Josué de Castro, em seu livro Geogra-

fia da Fome, identificou nesse contras-

te uma imensa população de insones. Alguns que não dormiriam de fome e outros que não dormiriam com medo daqueles que têm fome.

No Brasil já é passada a hora de definirmos se desejamos a saúde apre- sentada no balcão de negócios e me- diada pelas leis de mercado, onde os detentores dos recursos econômicos compram a melhor assistência médi- ca a qualquer preço, ou a saúde ofere- cida a todos como um direito univer- sal. Nossa Constituição, ao menos, estabelece no artigo 192 que “a Saú- de é um direito de todos e um dever do Estado”.

Infelizmente, vemos o Estado fu- gir de seu compromisso constitucional e entregar recursos a hospitais priva- dos, esquecendo as unidades públicas de saúde. Num artigo publicado na

revista Bioética do Conselho Federal de Medicina, o deputado federal e ex-se- cretário da Saúde do Estado de São Paulo, José Aristodemo Pinotti, faz a seguinte afirmação: “A realidade é que,

nestes últimos cinco anos, terceirizou- se caoticamente a saúde e, hoje, o se- tor privado contratado, que absorve cerca de 50% dos recursos da área, é mal remunerado, mal controlado, frau- da com freqüência e atende sem efici- ência ou eficácia”.

A Bioética, como foro privilegia- do por sempre expressar reflexões oriundas de saberes multidisciplinares, percebe que a assistência médica centrada no hospital e calcada nos úl- timos avanços tecnológicos é extrema- mente onerosa e pouco eficiente. No Brasil, gasta-se 30% dos recursos do Sistema Único de Saúde com métodos de investigação que envolvem alta tecnologia para o atendimento da estreitíssima faixa de 3% da popula- ção. Por outro lado, a região Sudeste, a mais rica de nosso país, recebeu em 1990, do Ministério da Saúde, aproxi- madamente 60% dos recursos para a prestação de atendimento ambula- torial. Em 1993, o Sistema Único de Saúde gastou, no atendimento ambulatorial de pacientes, US$ 25,71 por habitante em São Paulo e apenas US$ 14,43 na Paraíba, sabidamente muito mais carente. Se considerásse- mos os postulados de Rawls devería- mos inverter estas dotações fazendo, verdadeiramente, uma discriminação positiva para a Paraíba.

Nossas últimas linhas, pesarosa- mente, são para registrar que vivemos a triste realidade de uma Saúde dos três “i”: ineficiente, iníqua e injusta. Resta-nos o alento de saber que há

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muito o que fazer e que nossa respon- sabilidade é grande em buscar implan- tar princípios de justiça que transfor- mem nossa saúde em uma prática efi- ciente, equânime e justa. Afinal, é pre- ciso construir o Brasil sobre a Belíndia para que, sem medo, todos possamos dormir em paz.

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Léo Pessini Christian de Paul de Barchifontaine

Introdução

Nosso trabalho é contextualizado na rememoração histórica dos fatos e acontecimentos fundamentais, dos do- cumentos e protagonistas que deram origem à reflexão bioética princi- pialista: o Relatório Belmont, da Co- missão Nacional Para a Proteção dos Seres Humanos da Pesquisa Biomédica e Comportamental (1978); uma descrição rápida do conteúdo dos princípios apontados pela Comissão e a obra clássica, Principles of Biomedical

Ethics, de T. L. Beauchamp e J. F.

Childress (parte I). A seguir, nos pergun- tamos porque a bioética tornou-se principialista (parte II).

Nossa reflexão apresenta uma análise comparativa, tentando traçar

Bioética: do Principialismo à

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