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O avanço da tecnologia foi decisivo para que a televisão se consolidasse como mídia ao longo da história. As inovações tecnológicas permitiram um amplo crescimento das mídias de forma generalizada, sobretudo na televisão. Atualmente, o processo de digitalização dos meios é crescente e contínuo. Na televisão, esse processo é crucial para compreendermos a dinâmica de operação da mídia em nosso tempo.

Experimentamos nessa primeira metade do século a transição que vem substituindo, de forma gradual, os sistemas e processos de produção, distribuição e de acesso aos conteúdos antes realizados por meios analógicos e agora desenvolvidos também em meios digitais. Um fenômeno que, ao impactar nas lógicas de consumo, contamina paralelamente as possibilidades de leitura e apropriação, ampliando as variáveis de produção de sentido tanto na dinâmica midiática quanto na social. (KIELING, 2011, p. 15)

Nessa perspectiva, estabelece-se uma nova relação entre os agentes do processo comunicacional, conforme sugerimos no segundo capítulo (instâncias de produção e recepção), ocupando os agentes dessas etapas uma nova experiência relacional de convívio. Para além dessa perspectiva de digitalização das mídias que altera os papéis desempenhados pelos sujeitos integrantes do processo comunicacional, está o processo relacional das próprias mídias, umas com as outras, tensionado fortemente pela tecnologia.

Jenkins (2009) descreve as lógicas de uma nova cultura, a da convergência, e apresenta um cenário comunicacional emoldurado por uma perspectiva de interface das várias mídias. Um processo de convergência das mídias que transcenderia a uma mudança tecnológica, mas que incorpora alterações na relação entre tecnologias existentes, entre as indústrias, entre os mercados, entre os gêneros e entre os públicos.

A convergência altera a lógica pela qual a indústria midiática opera e pela qual os consumidores processam a notícia e o entretenimento. Lembrem-se disto: a Convergência refere-se a um processo, não a um ponto final. Não haverá uma caixa preta que controlará o fluxo midiático para dentro de nossas casas. Graças à proliferação de canais e à portabilidade das novas tecnologias de informática e telecomunicações, estamos entrando numa era em que haverá mídias em todos os lugares. (...) Prontos ou não, já estamos vivendo numa cultura da convergência. (JENKINS, 2009, p. 43)

Jenkins (2009) pressupõe a convergência de conteúdo impulsionada pela cultura participativa24, em uma lógica de percepção de oferta capilarizada e de

consumo ativo, animada por construções de inteligência coletiva (LEVY, 2007). Na apropriação que faz de Levy, Jenkins sugere que haveria, no eixo de consumo de conteúdos midiáticos, inicialmente, o processo de leitura do conteúdo; em seguida, dar-se-ia o processo de compartilhamento multimidiático que gera um consumo ativo e a participação ativa dos consumidores no processo de convergência de conteúdos. Haveria um compartilhamento de leitura sobre o conteúdo midiático feito pelo consumidor, o que caracterizaria uma construção em processos de inteligência coletiva.

Dessa forma, ao invés de ser compreendida como um processo tecnológico responsável por unir forças variadas dentro dos mesmos aparelhos, a convergência,

24 O autor compreende como cultura participativa a lógica do consumo ativo. Quanto mais o sujeito interage com o conteúdo, mais alimenta a possibilidade de que esse conteúdo ganhe fluxo midiático ou midiáticos.

em Jenkins (2009), representa uma transformação cultural, isto é, os consumidores são estimulados a procurar novas informações e realizar conexões em meio a conteúdos de mídias dispersos.

Assim, vemos que o que há, de fato, seria um hiperdimensionamento da cultura de convergências, pautado no ambiente de digitalização das mídias. Mesmo que o processo de participação, como vimos no caso estrito da televisão, sempre tenha ocorrido, observar-se-ia um fortalecimento do poder das audiências.

O público, que ganhou poder com as novas tecnologias e vem ocupando um espaço na intersecção entre os velhos e os novos meios de comunicação, está exigindo o direito de participar intimamente da cultura (midiática). Produtores que não conseguirem fazer as pazes com a nova cultura participativa enfrentarão uma clientela declinante e a diminuição dos lucros. (JENKINS, 2009, p. 53)

A abordagem de Jenkins é relevante para compreendermos o novo papel social imposto ao consumidor dos fluxos midiáticos e o seu papel na preservação do texto televisivo por meio do canal, como veremos mais adiante. Ao criar um sistema de consumo dependente de um consumo ativo por parte dos consumidores, gera-se uma mudança de comportamento. Ao chamar o indivíduo para atuar ele atende ao chamado e adere à nova dinâmica.

Nesse processo de participação e engajamento, Jenkins alerta para a ocorrência da convergência para além dos meios técnicos, mas, sobretudo, partindo dos cérebros de cada consumidor e de suas interações com outros consumidores. Surge, então, um novo paradoxo de atuações, o cenário atual que permite uma interação em tempo real entre emissor e receptor.

Além dessa confluência de papeis, há também o conceito de transmídia, que Jenkins define como sendo uma narrativa que pressupõe a mídia originária e perpassa a outras mídias, sofrendo as adequações de linguagem necessárias. Esse conceito é a base de sustentação do que ele define como economia afetiva25.

Nesse ambiente de interação, o processo transmídia é criado propositalmente pelas indústrias midiáticas como circuito para retroalimentação da narrativa e para manter o vínculo afetivo ou vínculo de consumo dos consumidores.

Relacionando suas proposições com a mídia televisiva, o autor aproxima a cultura da convergência a ações práticas tomadas por proprietários de grandes

25 Jenkins define economia afetiva como a relação afetiva que o consumidor estabelece com o conteúdo (retroalimentação entre produto, consumo e nova demanda de consumo).

canais de televisão na Europa, a fim de amplificar a participação dos receptores no processo de emissões da própria televisão.

Nesse sentido, do ponto de vista externo às operações midiáticas da TV, o cenário de convergência tecnológica sugerido por Jenkins (2009), se configurou ideal para que a mídia articulasse suas narrativas na estratégia transmídia e angariasse índices cada vez maiores de engajamento das audiências em seus próprios conteúdos. A perspectiva de Jenkins também referenda a ruptura dos limites regionais de operação dos canais de TV para uma estrutura transnacional de comunicação, iniciada bem antes da publicação de sua obra.

Esse fenômeno é também percebido pela economia política da comunicação que vai datar, inclusive, o momento histórico em que se migra da oferta concentrada de serviço de TV via radiodifusão aberta para outros serviços de televisão, conforme veremos no tópico a seguir.