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Vamos considerar a abordagem histórica da televisão como mídia, um passo atrás da instalação de emissoras mundo afora. Vamos iniciar no sonho pré-midiático que inebriou as sociedades antes do início do século XX, que viu nascer a invenção da “tele-visão”, o televisual como construção imaginária e tecnológica, bem como os usos imaginados para esta nova linguagem embrionária.

20 Conceito respaldado na abordagem de François Jost que se refere ao sonho pré-midiático da TV como espelhos que dariam ao homem o „poder‟ de estar em todos os lugares sem sair do lugar muito antes do surgimento da mídia (JOST, 2007).

Jost nos lembra que a televisão surgiu a partir de um sonho pré-midiático, que, segundo ele, se sustentou no desejo da humanidade de poder ver à distância.

Já no segundo século da nossa era, Lucien de Samosate (125 d.C. – 192 d.C.) descreve, em sua Histoire véritable, habitantes da lua que dispõem de um sistema de observação sonora e visual a distância. O explorador-narrador do romance conta que essa maravilha vive no palácio do rei: um espelho muito grande disposto acima de um poço, que não é extremamente profundo. Se alguém desce ao poço, ele entende tudo que é dito em nossa casa, sobre a terra e, se alguém olha esse espelho, vê todas as cidades, todas as nações, exatamente como se estivesse no meio delas. (JOST, 2007, p 41)

Vários relatos de ficção-científica produzidos no início do século XX dão conta dos “espelhos” que refletem e permitem ir além do visível. Narrativas ficcionais que abordariam o teletransporte humano por vários cenários e dimensões, pautadas na forma mágica da visão por meio do espelho. Estes espelhos mágicos dariam ao indivíduo o poder de ver à distância e, segundo afirma Jost, alimentaram o sonho pré-midiático da televisão.

Nessa linha, Jost propõe uma série de outros relatos históricos condensados a partir de 1890 que tratariam de um futuro após 1950, em que há previsões da figura imaginária do espelho como uma janela para o mundo, não apenas sustentando uma plataforma de produção de sentidos, mas considerando as possíveis inovações tecnológicas da época.

Em 1890, ou seja, cinco anos antes do aparecimento do cinematógrafo Lumière, surgiu um romance, intitulado Le vingtième siècle, La vie électrique. Nessa narrativa que supostamente se desenrola após 1950, o autor, Albert Robida, imagina o telefonoscópio, que consiste em uma simples placa de cristal, incrustada numa divisória de apartamento ou colocada como um espelho acima de uma chaminé qualquer (JOST, 2007, p. 41).

No fim do século XIX, a aliança de imagem ao telefone torna real o vislumbre imaginário do “telefonoscópio”, com a experimentação dos “teatrofones”, que colocaram um domicílio particular em conexão com um espetáculo vivo. Jost apresenta razões que levam a certa lógica de relação entre um meio e outro mais atual, e faz uma associação entre a evolução técnica dos meios para traçar um percurso inicial para a instalação da mídia televisiva.

Se o telefone está na origem do imaginário da invenção, a constituição da mídia passa por diversas aproximações com outros tipos de espetáculo ou mídias já existentes, como atestam as diversas denominações: sala de cinema a distância (sem fio), cinema doméstico (sem fio), receptor de som-imagem, fala televisada, atualidades televisadas e sala de cinema e de televisão. Cada um desses nomes encontra sua origem nas condições de difusão ou no conteúdo dos programas dessa televisão nascente. (JOST, 2007, p. 43)

Sendo assim, surgem, a partir de 1936, na França, os primeiros programas de TV, com estrutura hereditariamente associada ao veículo predecessor – o rádio. “As primeiras emissões da década foram herança direta dessa mídia: (...) o cuidado de realizar programas com palhaços, cancioneiros, cantores e atores da comédia francesa” (JOST, 2007, p. 43).

Dadas as condições tecnológicas pelas quais surgiram a televisão, o autor pondera o caráter agregador de audiências que desde o início foi atribuído à TV.

Os aparelhos receptores individuais são, no início, pouco numerosos, e sua tela é muito pequena, o que faz com que a recepção das emissões torne-se pública: faz- se fila para passar diante da minúscula tela de um aparelho colocado em uma sala. Depois, a televisão transforma-se em um espetáculo que reúne o público em um mesmo lugar. Durante a Exposição Universal de Paris, em 1937, um aparelho de 1m² foi instalado no pavilhão da rádio e da televisão e pôde-se assistir ao primeiro micropasseio ao vivo: uma câmera colocada a algumas centenas de metros, perto da ponte Alexandre III, enviava imagens de transeuntes interrogados, a quem se perguntavam impressões sobre a exposição (JOST, 2007, p. 43).

O berço da Televisão assegura uma interdependência e congregação de fenômenos tecnológicos e midiáticos que já estavam consolidados. Para Jost (2007), a TV é em sua origem o que denomina de “intermédia”. Uma estrutura que não poderia se afirmar mídia independente por ter, desde seu nascedouro, se apoderado de lógicas já existentes no rádio e no cinema, por exemplo.

Essa realidade se altera, a partir do momento em que a TV passa do estado de novidade técnica para uma estrutura de elaboração de programas que lhe conferem características próprias e dão conta da definição autêntica de canais televisivos.

A partir dos anos 1930, o processo de produção adequado exclusivamente para a televisão se dá início. A lógica foi desempenhada em diferentes sistemáticas e períodos por várias nações que se apoderavam, na época, da tecnologia da televisão.

As primeiras difusões experimentais ocorrem em 1929, na Alemanha e na Inglaterra; em 1932, na França; em 1950, no Brasil. Em 1935, a primeira estação de televisão é inaugurada em Berlim, e as emissões são difundidas regularmente até a guerra. A primeira emissão oficial da televisão francesa tem lugar em 26 de abril de 1935, ao vivo. (...) Em 1936, já existem emissões exibidas diariamente em Paris, entre 16 horas e 16 horas e 30 minutos; mas é somente em 1937 que passam a ser exibidos programas regulares, à noite: variedades, extratos de peças, documentários e, mesmo, uma primeira emissão literária semanal. (JOST, 2007, p. 44)

A mídia foi adquirindo, gradativamente, sua própria funcionalidade, níveis de operação e eficácia, representação social-simbólica, até alcançar o estabelecimento de uma linguagem televisual exclusiva e autêntica com operações distintas em cada sociedade.

Essa evolução amparou-se numa estrutura identitária e discursiva própria da televisão, inclusive sobre si mesma. Um percurso em que a TV, segundo Humberto Eco (1963), buscou amparo numa estratégia de negociação permanente com sua própria instância de recepção.

Eco nos aponta, em uma análise referente à história da televisão, que a evolução da mídia televisiva passou, inclusive, por alterações diretas em sua característica narrativa. É nesse lugar de projeção mutável que essa televisão primária, ou paleotelevisão, inicia a dinâmica de produção de discursos sobre si mesma.

Erase una vez la Paleotelevisión, que se hacía en Roma o en Milán, para todos los espectadores, y que hablaba de inauguraciones presididas por ministros y procuraba que el público aprendiera sólo cosas inocentes, aun a costa de decir mentiras. (...) De la Paleotelevision podía hacerse un pequeño diccionario con los nombres de los protagonistas y los títulos de las emisiones. (La estrategia de la ilusión – TV: la transparência perdida, Humberto Eco, 1983, p. 1)

Esse seria o cenário propulsor, anos mais tarde, da chamada “neotelevisão” (ECO, 1983). Esta nova TV endossada pelo autor manteve faladas constantes sobre si mesma e estabeleceu, ao longo do tempo, um diálogo cada vez mais próximo com o seu público.

É o público que pode definir qual o momento de trocar de canal. Eco deixa claro que, para sobreviver a esse “poder de comutação”, a televisão buscou assegurar, nesse processo de evolução histórica, a habilidade de dialogar com o público, afirmando constantemente seu potencial midiático como extensão do telespectador.

Ahora, con la multiplicación de cadenas, con la privatización, con el advenimiento de nuevas maravillas electrónicas, estamos viviendo la época de la Neotelevisión. Con la Neotelevision (...) los personajes y las rúbricas son infinitos, no sólo porque nadie alcanza ya a recordarlos y reconocerlos, sino también porque el mismo personaje desempeña hoy diversos papeles según hable en las pantallas estatales o privadas (La estrategia de la ilusión – TV: la transparência perdida, Humberto Eco, 1983, p. 1).

Esta abordagem de Eco (1983) se coaduna com os apontamentos de Jost (2007), que afirma a compreensão que a TV tem acerca do poder de decisão que reside em sua instância de recepção, conferindo a esta um caráter de relevância no processo operacional da mídia televisiva.

Sendo assim, Jost apresenta a abordagem pragmática desta nova televisão, ou neotelevisão, como apontou Eco, imprimindo à TV um caráter de manipulação discursiva, que autorregulasse as relações que se estabelecem em seu próprio processo comunicacional. Ele propõe que os processos de investigação da televisão devem estar além da análise das mensagens emitidas isoladamente.

Alguns veem na transmissão direta a possibilidade de uma transparência absoluta, da negação da mentira: nada de truques, de cortes, de montagens, de correções, nada de vida posta em conserva e servida fria e requentada! Enfim, a verdade toda nua e quente. Os menos otimistas ou mais lúcidos, não obstante, temem que o ao vivo anule a reflexão em proveito da emoção e crie um corte fundo entre aqueles que aprenderam a olhar as imagens e os outros. (JOST, 2007, p. 45)

A preocupação em analisar o fenômeno da televisão para além dos conteúdos e propriamente dos seus textos, também ocupou o pensador Marshall McLuhan. Ao se debruçar sobre a instalação da televisão na América do Norte, mais precisamente nos Estados Unidos da América, o autor abordou sua análise, mais especificamente, com base na centralidade do meio. McLuhan nos dará conta de uma semântica televisiva estruturada no caráter sinestésico e de atração da mídia, um pressuposto que nos garantirá o caráter de mobilização cognitiva da TV e a importância deste efeito no âmbito corporativo.