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6 EXPERIÊNCIA BRASILEIRA NA UTILIZAÇÃO DO PMI

7.1 O risco da captura pelo setor privado

7.1.1 A teoria da captura

A intervenção do Estado na economia, regulando-a,395 justifica-se pela necessidade de garantir o interesse da coletividade, tendo em vista que a atuação livre do mercado pode ser danosa396. Contudo, a eficiência da regulação para garantir o interesse público tem sido questionada desde o século passado.

As explicações acerca da teoria da captura se originaram em estudos de ciência política e administração pública sobre o ciclo de vida das agências reguladoras. Samuel P. Huntington, em 1952, ao analisar o Interstate Commerce

393 RIBEIRO, Maurício Portugal. Concessões e PPPs: melhores práticas em licitações e contratos. São Paulo: Atlas, 2011. p. 11

394 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. p. 369-370.

395 O Poder Público interfere na atividade econômica, em primeiro lugar, traçando-lhe disciplina, e o faz mediante edição de leis, de regulamentos e pelo exercício do poder de polícia. (BARROSO, Luís Roberto. A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de preços. Fórum Administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 1, n. 6, ago. 2001.

Disponível em: <http://bid.editoraforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=464>. Acesso em: 29 abr. 2015.).

396 Para o bom funcionamento do mercado é preciso que não exista dominação dos mercados (qualquer agente econômico pode sair e entrar no mercado livremente) e que não haja externalidades (como os custos ou prejuízos involuntários causados por um agente econômico para produzir um bem ou serviço). (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatório. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 77).

Commission (ICC), organismo regulador do setor de transportes dos Estados

Unidos, verificou a interferência do setor ferroviário nas políticas adotadas pela agência, motivo pelo qual opinou pela sua extinção.397

Huntington percebeu que, inicialmente, a agência atuava de modo independente, possuindo apoio político dos transportadores e agricultores, que buscavam a redução das tarifas praticadas pelo setor ferroviário, mas, com o tempo, o ICC perdeu o apoio político dos dois grupos e “se aproximou do setor ferroviário, criando um ‘escambo’ entre os agentes econômicos e a agência”398.

Posteriormente, em 1955, Marver H. Bernstein analisou o problema da captura, estudando outras seis agências americanas,399 e também percebeu que ele estava associado ao ciclo de vida das agências, que poderia ser comparado às fases do crescimento humano.

Quando a agência inicia sua atuação tem apoio político e aceitação pública, atua em favor do interesse público, contrariando, caso necessário, os interesses do setor regulado: a fase da juventude é marcada pela energia e disposição.

No entanto, com o tempo, a atenção pública sobre a agência reduz e o setor regulado passa a influenciar cada vez mais as decisões, tendo em vista que “os interesses da comunidade são dispersos, difusos. Já as indústrias controladas organizam-se e atuam de modo sistemático para influenciar as decisões da agência”400. Em seguida, após perder apoio político e público, a agência curva-se aos interesses dos grupos regulamentados, “ao final da ‘vida’ da agência, estabelecem-se laços tão estreitos entre regulador e regulado que a agência não reúne condições para se impor em relação aos grupos regulados”401

O fenômeno da captura também é analisado pela teoria econômica da regulação, responsável pela sua difusão e notoriedade. Os economistas da

397 NOVAK, William J. A revisionist history of regulatory capture. Disponível em: <http://www.tobinproject.org/sites/tobinproject.org/files/assets/Novak%20Revisionist%20History%20of %20Regulatory%20Capture%20%281.13%29.pdf>. Acesso em 23 mar. 2015. p. 3.

398 BAGATIN, Andreia Cristina. Captura das agências reguladoras independentes. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 44.

399 Federal Trade Commission, Federal Power Commission, Civil Aeronautics Board, Federal Communications Commission, National Labor Relations Board, and the Securities and Exchange Commission.

400 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. p. 370.

401 BAGATIN, Andreia Cristina. Captura das agências reguladoras independentes. São Paulo:

Universidade de Chicago questionaram a regulação do mercado, afirmando que ela é, em regra, “adquirida pela indústria, além de concebida e operada fundamentalmente em seu benefício”402, não dos interesses da coletividade.

A teoria foi desenvolvida na década de 70 por George J. Stigler. Segundo ele, uma vez que as pessoas, sejam elas agentes políticos ou econômicos, procuram promover seus próprios interesses de modo racional, ocorre uma “espécie de utilização estratégica dos sistemas políticos por parte dos grupos de interesse e dos próprios responsáveis pela regulação”403 , que resulta na produção de uma regulação que privilegie esses grupos. Dessa forma:

Haveria uma espécie de “mercado político”, no qual as empresas poderiam adquirir determinados benefícios advindos da regulação. Os benefícios que o setor pode obter da instituição de regulação seriam quatro: (I) obtenção de subsídios e subvenções; (II) instituição de barreiras de entrada no setor; (III) regulação que atinja positivamente os produtos complementares ao setor econômico que busca a regulação e afete negativamente os produtos substitutos; (IV) fixação de preços.404

S. Peltzman desenvolveu a abordagem de Stigler, explicando que os setores regulados normalmente se beneficiam da regulação em detrimento dos usuários, pois são mais organizados e tem mais a oferecer ao regulador. Para o autor, o legislador ou regulador usa seu poder para favorecer tais agentes econômicos em troca de votos ou dinheiro.405 Dessa forma:

Sob o ângulo da teoria econômica, tem-se um regulador que, em termos genéricos, tende à captura. A regulação é fruto de diversas coalizões de interesses, que vão desde o legislador (que tutela os seus próprios interesses na busca de votos e dinheiro), passam pelos membros diretivos das agências reguladoras (que, por um lado, não pretendem se indispor com o legislador para manter intacto o seu espaço de atuação e que, por outro, não pretendem se contrapor à indústria regulada, por ver nela uma oportunidade para futura colocação profissional) e chegam aos grupos de interesses (especialmente, os grupos dos regulados), que têm condições de oferecer o que legisladores e reguladores pretendem. Estabelece-se um mercado político, em que a regulação é fruto do encontro da oferta e da demanda. Assim como os agentes econômicos, os agentes políticos empreendem, isto é, atuam proativamente na busca da maximização dos seus próprios interesses406.

402 STIGLER, George J. A teoria da regulação econômica. In: MATTOS, Paulo (Coord.). Regulação

econômica e democracia: o debate norte-americano. São Paulo: Editora 34. 2004. p. 23.

403 BAGATIN, Andreia Cristina. Captura das agências reguladoras independentes. São Paulo:

Saraiva, 2013. p. 51.

404Idem, ibidem, p. 50.

405 Idem, ibidem, p. 51.

406STIGLER, George J. A teoria da regulação econômica. In: MATTOS, Paulo (Coord.). Regulação econômica e democracia: o debate norte-americano. São Paulo: Editora 34. 2004. p. 23.

Outro fator que facilita a ocorrência da captura é a assimetria de informações entre os agentes envolvidos na regulação.

Pode haver níveis diferentes de informação com relação aos entes regulados e reguladores e o público em geral, facilitando o benefício de determinados grupos de interesse, tendo em vista a dificuldade de controle social da atividade regulatória, pela precariedade dos dados disponibilizados acerca do ambiente regulatório407.

A captura do interesse público também pode ocorrer em razão da assimetria de informações entre o regulador e o mercado regulado. Tendo em vista sua atuação direta na economia, a tendência é que o setor regulado detenha mais e melhores informações acerca do ambiente regulatório. Providos de informações, os agentes econômicos têm “condições de persuadir o regulador que a melhor forma de atingir as finalidades a que deve se voltar a regulação envolve o alinhamento da regulação com os interesses dos regulados”408. Ainda que o regulador não tenha consciência, sua decisão se dará de forma imparcial.

Sobre a captura pela assimetria de informações entre regulado e regulador, Andreia Cristina Bagatin leciona que:

Note-se que aqui, diversamente do que se passa na explicação econômica do problema e na “teoria do ciclo de vida das agências reguladoras”, não se põe em primeiro plano uma relação de troca entre regulador e regulado. O regulador não tem condições de detectar que o problema está a ocorrer, pois crê que está atuando com vistas a obter a melhor solução possível diante da situação que lhe é posta (e, objetivamente, não dispõe de meios para perceber que sua atuação foi, ao fim, ditada pelo regulado). É justamente nesse ponto que o problema da captura se põe de modo mais significativo, pois esse modo de atuação tende à não perceptibilidade e, portanto, a se manter incólume por tempo indeterminado.409

407Nesse sentido: “Se o público não possuir dados acerca do ambiente regulatório e do modo como se passa o exercício da regulação, torna-se mais fácil que haja um ‘concerto’ entre as pretensões de determinados grupos de interesse e a edição da regulação. Na medida em que não estão submetidos a um controle popular intenso, ter-se-ia um ambiente mais propício para que os agentes diretamente envolvidos no exercício da regulação (reguladores e determinados grupos de interesse) adotem condutas pró-ativas, visando a beneficiar tais grupos.” (BAGATIN, Andreia Cristina. O Problema da Captura do Regulador e o seu Controle pelo Poder Judiciário (Comentários a Acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região). Revista de Direito Público da Economia RDPE, Belo Horizonte, ano 3, n. 11,jul./set.. 2005. Disponível em: < http://bid.editoraforum.com.br/bid/PDIexibepdf.aspx? tipoConteudo=Normal&vw= S&pdiCntd=31159&idPublicacao=8 >. Acesso em: 29 abr. 2015.)

408 BAGATIN, Andreia Cristina. Captura das agências reguladoras independentes. São Paulo:

Saraiva, 2013. p. 85.

Por fim, observa-se que a ocorrência da captura é percebida em razão da insuficiência de controle no exercício de competências discricionárias. Isso porque a margem de discricionariedade conferida às agências reguladoras para a escolha de uma dentre as diferentes soluções para a mesma questão envolve temas de alta complexidade e tecnicidade, o que dificulta o controle sobre a decisão.410 Assim, esse espaço de liberdade, sem o devido controle, favorece a tomada de decisões contrárias ao interesse coletivo.