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2 O PROCEDIMENTO DE MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE

2.4 O PMI e as formas tradicionais de modelagem de projetos públicos

O PMI não se iguala aos meios existentes de elaboração de projetos públicos e também não os substitui. Constitui diferente ferramenta de que pode dispor a administração pública, a ser utilizada de acordo com as circunstâncias do caso concreto e observância à legislação aplicável.

Tradicionalmente, os projetos são elaborados pelo corpo técnico da própria administração ou por consultores externos, contratados para essa finalidade.

Em razão da complexidade dos projetos necessários à atividade administrativa, sobretudo em se tratando de concessões tradicionais de serviços públicos e parcerias público-privadas, seria necessário que a administração mantivesse em seu corpo técnico uma diversidade de profissionais especializados, o que não é eficiente e viável.

Conforme leciona Bruno Ramos Pereira, na maioria dos casos:

Não é eficiente ao poder público manter permanentemente contratada uma equipe de servidores especialistas em estruturação de projetos. Por exemplo, se não há muitos projetos a serem estruturados, a referida equipe ficaria ociosa e aos poucos perderia sua expertise. Além disso, os desafios na estruturação de projetos são diversos e evolvem múltiplas áreas do

134SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. Procedimento de manifestação de interesse (PMI). Rio

conhecimento, de modo que seria um desafio manter uma equipe de servidores em prontidão para dar conta da estruturação de projetos peculiares. Como regra, o que parece mais razoável é que o poder público se esforce para ter em seus quadros servidores especialistas na gestão de processos de estruturação de projetos (e, quando necessário, especialistas na estruturação propriamente dita)135.

Assim, em razão da insuficiência técnica dos quadros administrativos faculta-se à administração contratar consultores externos para prestação de serviços técnicos profissionais especializados (elaboração de estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos, pareceres, perícias e avaliações em geral) com fulcro na Lei 8.666/93, por meio da realização de licitação e, eventualmente, da contratação direta, com fundamento, por exemplo, no artigo 25

caput e inciso II136 e no artigo 24, incisos I e II137 da mencionada lei.

Observa-se que, nas contratações de consultoria mediante Lei 8.666/93, há exigência prévia de disponibilidade orçamentária138, uma vez que os valores relativos aos estudos selecionados serão pagos pela administração em sua integralidade.

135 PEREIRA, Maria Marconiete Fernandes. Procedimento de manifestação de interesse (PMI) e

assimetria de informação: uma perspectiva dialógica. Disponível em: <https://dl.dropboxusercontent.

com/u/18438258/PMI%20e%20assimetria%20de%20informa%C3%A7%C3%A3o%20-%20PPP %20Brasil.pdf>. Acesso em: 29 abr. 2015.

136 Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: [...] II para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;[...] (BRASIL, 1993).

137 Art. 24. É dispensável a licitação: I - para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente; II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez; [...] (BRASIL, 1993).

138 Nesse sentido: Art. 7o As licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços obedecerão ao disposto neste artigo e, em particular, à seguinte sequência: [...] § 2o As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando: [...] III - houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma; [...]. Art. 38. O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente: [...]. Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte: [...] XIV - condições de pagamento, prevendo: [...] b) cronograma de desembolso máximo por período, em conformidade com a disponibilidade de recursos financeiros; [...] Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam: [...] V - o crédito pelo qual correrá a despesa, com a indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica; [...] (BRASIL, 1993).

O PMI, por sua vez, é um procedimento prévio à licitação que tem por objetivo a contribuição da iniciativa privada para a modelagem do projeto de futura concessão ou parceria público-privada. O PMI reflete uma “aproximação consensual e voluntária”139, não um mecanismo de contratação de serviços técnicos especializados.

Embora sejam institutos diversos, algumas semelhanças são observadas entre o PMI e o procedimento tradicional a que se referem as Leis 8.666/93 e Lei 10.520/02:

(I) ambos são procedimentos administrativos que guardam espírito de competição entre os particulares interessados no objeto de uma contratação pública (no caso do Procedimento de Manifestação de Interesse, o interesse não necessariamente se traduz pelo ímpeto de assumir a prestação do objeto, pois pode verter a defesa de interesses comunitários, por exemplo); (II) ambos se sujeitam às regras de direito público e, por isso, requerem a observância dos princípios administrativos, o cumprimento de formalidades, regras e prazos. Com mais destaque, ambos exigem transparência, isonomia, critérios objetivos de julgamento e motivação legítima das decisões; e (III) ambos são instrumentos que visam à satisfação do interesse público pelo compartilhamento de interesses entre a Administração Pública e os particulares.140

O PMI visa instituir um diálogo com a iniciativa privada. Nele a administração acompanha a elaboração dos estudos e não escolhe apenas o melhor trabalho. Na realidade, pode ser que nenhum trabalho seja escolhido ou que todos os trabalhos apresentados sejam selecionados parcialmente141.

Dessa forma, tanto o PMI quanto a formatação tradicional da licitação coexistem no ordenamento jurídico brasileiro, cabendo ao poder público a escolha

139 SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. Procedimento de manifestação de interesse (PMI). Lúmen Juris, Rio de Janeiro: 2014. p. 123.

140Idem, ibidem, p. 281.

141 A título de exemplo, pode-se citar o PMI para os estudos de viabilidade para a PPP da Linha 6 Laranja do metrô de São Paulo, Chamamento Público 1/2011 do Estado de São Paulo. Três empresas interessadas apresentaram estudos de viabilidade. Foram aproveitados, para a modelagem final da PPP, 67,80% dos estudos apresentados na seguinte porcentagem: 20,29% dos estudos apresentados pela Galvão Engenharia S.A. e Somague Engenharia S.A.; 35,65% dos estudos apresentados pela Construtora Queiroz Galvão S.A. e 44,05% dos estudos apresentados pela Odebrecht Transport Participações S.A. (PPP BRASIL. Modelagem final da linha 6 do metrô de São

Paulo aproveitou 67,80% dos estudos de viabilidade apresentados pela iniciativa privada. Disponível

em: <http://www.pppbrasil.com.br/portal/content/modelagem-final-da-linha-6-do-metr%C3%B4-de- s%C3 %A3o-paulo-aproveitou-6780-dos-estudos-de-viabilidade->. Acesso em 23 fev. 2015).

do melhor procedimento a ser adotado quando necessitar de estudos para realizar concessões tradicionais de serviços públicos ou parcerias público-privadas142.

Esse foi o entendimento adotado pelo TCU no Acórdão nº 1155/2014, no qual o Ministro Walton Alencar Rodrigues ressaltou que o procedimento não se confunde com o processo licitatório, pois não tem como objetivo a escolha de uma única empresa: “o intuito do procedimento adotado pela Administração é autorizar todas as empresas projetistas que assim o desejarem a realizar os estudos requeridos, por sua conta e risco”143.

Por fim, necessário ressaltar que a interação público-privada por meio do PMI não se confunde e não substitui a exigência de audiências e consultas públicas, quando previstas na legislação144. Tais mecanismos constituem passo relevante no controle e participação da tomada de decisões públicas, mas, ao contrário do PMI, são instrumentos de participação em momento posterior à primeira modelagem, permitindo a obtenção de opiniões e discussão acerca de um projeto já formulado.

2.5 Fundamentos constitucionais do procedimento de manifestação de