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2 O PROCEDIMENTO DE MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE

2.5 Fundamentos constitucionais do procedimento de manifestação de

Ainda que o PMI não esteja previsto expressamente na Constituição, a possibilidade de que particulares apresentem estudos, investigações, levantamentos

142 LIMA, Mário Márcio Saadi. O procedimento de manifestação de interesse à luz do ordenamento

jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 89.

143 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1155/2014. Relator Ministro Weder de Oliveira. Plenário.7/5/2014.

144 A Lei 8.666/93 estabelece que: “Art. 39. Sempre que o valor estimado para uma licitação ou para um conjunto de licitações simultâneas ou sucessivas for superior a 100 (cem) vezes o limite previsto no art. 23, inciso I, alínea "c" desta Lei, o processo licitatório será iniciado, obrigatoriamente, com uma audiência pública concedida pela autoridade responsável com antecedência mínima de 15 (quinze) dias úteis da data prevista para a publicação do edital, e divulgada, com a antecedência mínima de 10 (dez) dias úteis de sua realização, pelos mesmos meios previstos para a publicidade da licitação, à qual terão acesso e direito a todas as informações pertinentes e a se manifestar todos os interessados. Parágrafo único. Para os fins deste artigo, consideram-se licitações simultâneas aquelas com objetos similares e com realização prevista para intervalos não superiores a trinta dias e licitações sucessivas aquelas em que, também com objetos similares, o edital subsequente tenha uma data anterior a cento e vinte dias após o término do contrato resultante da licitação antecedente.” No tocante às Parcerias Público-Privadas, a Lei 11.079/04 prevê: Art. 10. A contratação de parceria público-privada será precedida de licitação na modalidade de concorrência, estando a abertura do processo licitatório condicionada a: [...] VI – submissão da minuta de edital e de contrato à consulta pública, mediante publicação na imprensa oficial, em jornais de grande circulação e por meio eletrônico, que deverá informar a justificativa para a contratação, a identificação do objeto, o prazo de duração do contrato, seu valor estimado, fixando-se prazo mínimo de 30 (trinta) dias para recebimento de sugestões, cujo termo dar-se-á pelo menos 7 (sete) dias antes da data prevista para a publicação do edital;[...]” (BRASIL, 2004).

e projetos para embasar eventual licitação tem fundamento no princípio da participação popular decorrente do Estado Democrático de Direito.

A participação popular é “concebida como a possibilidade de intervenção direta ou indireta do cidadão na gestão da Administração Pública, de caráter consultivo ou deliberativo”145.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que:

[...] Essa ideia está incorporada na Constituição não só pela introdução da fórmula do Estado Democrático de Direito - permitindo falar em democracia participativa - como também com a previsão de vários instrumentos de participação, podendo-se mencionar, exemplificativamente, o direito à informação (art. 5º, XXX), o direito de denunciar irregularidades perante o Tribunal de Contas (art. 74, § 2º), a gestão democrática da seguridade social (art. 194, VII), da saúde (art. 198, III), do ensino público (art. 206, VI), sem falar em inúmeras normas contidas na legislação ordinária prevendo também essa participação, como ocorre na Lei Geral de Telecomunicações, na Lei de Licitações e Contratos, na Lei de Processo Administrativo.

A ideia é reforçada com a introdução do § 3º ao artigo 37 da Constituição pela Emenda Constitucional 19/98, que prevê lei que discipline as formas de participação do usuário na administração direta e indireta. 146

Como se viu no início do capítulo, no atual estágio com o Estado Democrático de Direito, verifica-se que a decisão por meio do ato administrativo unilateral e imperativo tem cedido espaço a uma atuação consensual, que permite a influência dos interesses plurais existentes na sociedade147.

Insta ressaltar que, por muito tempo, o direito administrativo, cuja formulação doutrinária recebeu grande influência das decisões do Conselho de Estado francês, concentrou-se na figura da atuação administrativa final, tal como era levada a juízo, ficando relegados os processos de formação e de execução da decisão estatal.148 Ademais, “havia a concepção de que a processualidade seria típica e exclusiva da função jurisdicional”149.

145 OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Direito administrativo democrático. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 21.

146 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Inovações no direito administrativo brasileiro. Interesse Público -

IP Belo Horizonte, n. 30, ano 7 Março / Abril 2005 Disponível em: <http://bid.editoraforum.com.br/

bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=50030>. Acesso em: 27 abr. 2015.

147 MELO, Cristina Andrade. A participação popular nos contratos administrativos. In: BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves; ARÊDES, Sirlene Nunes; MATOS, Federico Nunes de (Coord.). Contratos

administrativos: estudos em homenagem ao Professor Florivaldo Dutra de Araújo. Belo Horizonte:

Fórum, 2014. p. 43.

148 SILVA, Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira. Em busca do acto administrativo perdido. Coimbra: Almedina, 2003. p. 310.

149 MEDAUAR; Odete. O direito administrativo em evolução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 221.

No entanto, observa-se que, na atualidade, “intimamente relacionada com a ideia de participação ocorreu a processualização do direito administrativo”150.

Leciona Sérvulo Correia que “um dos traços marcantes da evolução do Direito Público nas últimas décadas é a procedimentalização151 do exercício da função administrativa”152. Percebeu-se que “os atos administrativos não surgem do nada, ou seja, não se resumem ao ato final, pois pressupõem um encadeamento de atos, ou mesmo de fatos, que antecedem a sua edição”.153

O procedimento administrativo visa garantir a participação popular na fase preparatória da decisão administrativa, possibilitando maior efetividade na ação estatal, buscando assegurar o equilíbrio entre os interesses envolvidos154. Patrícia Baptista afirma que:

O processo administrativo, por sua vez, é a sede por excelência da participação administrativa. Apresenta-se como instrumento mais apto à construção de uma nova administração pública destinada a atuar como mediadora e catalisadora dos interesses sociais. Desse modo, por conta do desenvolvimento da participação administrativa, assiste-se, por toda parte, a um verdadeiro movimento de processualização da vida administrativa.155

Assim, a “procedimentalização” ou “processualização” se refere à necessidade de que as decisões administrativas decorram de uma série ordenada de atos, “estruturados entre si, de modo a propiciar a participação de todos os

150 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Inovações no direito administrativo brasileiro. Interesse Público

- IP Belo Horizonte, n. 30, ano 7 Março / Abril 2005 Disponível em: <http://bid.editoraforum.com.br/bid

/PDI0006.aspx?pdiCntd=50030>. Acesso em: 27 abr. 2015. 151 Observa-se que no Direito

Administrativo Português há distinção entre os termos “processo administrativo”, que designa “a estruturação normativa sequenciada do conhecimento e decisão pelos tribunais dos litígios jurídico-administrativos” e “procedimento administrativo”, que se refere “a estrutura normativamente sequenciada das condutas da administração e dos particulares destinadas à preparação, tomada e execução das decisões administrativas graças à recolha e ao tratamento da informação pertinente”. (CORREIA, José Manuel Sérvulo. Prefácio. p. 13. In: NETTO, Luísa Cristina Pinto. Participação administrativa procedimental: natureza jurídica, garantias, riscos e disciplina adequada. Belo Horizonte: Fórum, 2009).

152 CORREIA, José Manuel Sérvulo. Prefácio. p. 13. In: NETTO, Luísa Cristina Pinto. Participação

administrativa procedimental: natureza jurídica, garantias, riscos e disciplina adequada. Belo

Horizonte: Fórum, 2009.

153 NOHARA, Irene Patrícia. Consensualidade e gestão democrática do interesse público no direito administrativo contemporâneo. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 15, n. 78, mar./abr. 2013.

Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=92555>. Acesso em: 27 abr. 2015.

154 DUARTE, Maria Luísa. Direito administrativo da união europeia. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. p. 68-69.

155 BAPTISTA, Patrícia. Transformações do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 178-179.

interessados, a ampla realidade dos fatos, a exposição dos motivos determinantes para as escolhas adotadas e a submissão à revisão de entendimentos”156.

A importância do processo administrativo157 como garantidor dos direitos fundamentais tem crescido na atualidade. Hartmut Maurer, citado por Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da Silva, assevera que:

O procedimento administrativo possui uma relação directa com a constituição. Os direitos fundamentais, que resultam da personalidade responsável e autônoma, exigem que os indivíduos não sejam tratados apenas como objectos do procedimento estadual, mas como “cidadãos de voz activa” (“muendiger Buerger”) e como partes com direitos próprios no processo de decisão, no qual têm a possibilidade de fazer valer os seus conhecimentos, concepções e perspectivas.”158

Carlos Ari Sundfeld sustenta que o principal objetivo da tendência de procedimentalizar a atividade administrativa é a busca pela impessoalidade, evitando que os agentes administrativos atuem buscando interesses próprios. Busca-se “despersonalizar quem decide, de forma a transformá-lo em instrumento, em cada caso concreto, de interesses mais elevados, os públicos ou coletivos, impedindo que a decisão política seja contaminada por interesses pessoais”159.

A prévia fixação dos meios, condições e formas da atuação do Estado para alcançar as finalidades por ele buscadas por meio de um processo constitui garantia aos cidadãos de que essa atividade se dará de acordo com o direito160, resguardando o particular contra os arbítrios estatais, facilitando o controle e a visibilidade das ações administrativas161. Nesse sentido:

156 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 64. 157 Apesar de não existir

consenso no direito administrativo brasileiro acerca dos termos “processo” e “procedimento”, leciona Carlos Ari Sundfeld que, no Brasil, o conceito de processo administrativo, sobretudo após a Constituição de 1988 e do advento das leis de processo administrativo, tem sido utilizado para significar atividade administrativa decisória, não apenas a resolução de litígios ou acusações, aplicando-lhe os princípios e garantias processuais. (SUNDFELD, Carlos Ari. As leis de processo administrativo e o desenvolvimento institucional. In: BICALHO, Alécia Paolucci Nogueira; DIAS, Maria Tereza Fonseca. Contratações públicas: estudos em homenagem ao professor Carlos Pinto Coelho Motta. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.52).

158 SILVA, Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira. Em busca do acto administrativo perdido. Coimbra: Almedina, 2003. p. 419.

159 SUNDFELD, Carlos Ari. Teoria geral do processo administrativo. Disponível em: < http://www. tcm.sp.gov.br/legislacao/doutrina/29a03_10_03/1carlos_ari1.htm>. Acesso em 23 fev. 2015.

160 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 483.

161

Dessa forma, leciona Odete Medauar que “o caráter processual da formação do ato administrativo contrapõe-se, desse modo, a operações internas e secretas, à concepção dos arcana imperii, dominante na época do poder absoluto, lembrada por Bobbio ao discorrer sobre a publicidade e o poder invisível, considerando essencial à democracia um grau elevado de visibilidade do poder.” (MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

A procedimentalização e a participação dos cidadãos no processo decisório permite a apresentação de certa conflitualidade, oposição de interesses entre os atores envolvidos, anterior à tomada de decisão. Desse modo, no processo decisório o agente possui acesso a uma gama de informações e ponderações de diversos atores que serão analisadas. As decisões são tomadas no bojo do procedimento dos quais os particulares são chamados a participar, tendo a possibilidade de melhor conhecer as razões que levaram à medida tomada. Portanto, o procedimento, assim, configura-se como centro de convergência de interesses, uma vez que é nele que a informação deve ser recolhida para que se possa decidir. Esse processo culmina na chamada coadministração e a inserção do cidadão no Estado.162

Dessa forma, os atos prévios à formalização da conduta administrativa devem seguir determinados parâmetros para que o resultado final salvaguarde o interesse público. Da consagração do Estado Democrático de Direito decorrem exigências de uma atuação estatal transparente, que possibilite efetiva influência nas decisões, seja por meio da participação direta ou do controle exercido.

Exige-se que a atuação estatal seja pautada pela publicidade ampla dos atos, com divulgação adequada das decisões; pela obrigatoriedade de analisar as sugestões e ideias relevantes apresentadas; pela motivação das decisões, mesmo quando as sugestões não sejam acolhidas; pelo direito do cidadão de ser ouvido; pelo direito de denunciar irregularidades perante os órgãos competentes e pelo direito à obtenção de informação de interesse pessoal ou coletivo163.

Em razão dessas exigências, a participação privada na tomada de decisão acerca de um projeto de licitação e contratação administrativa por meio da apresentação de estudos, levantamentos e investigações não pode se dar ao alvedrio do administrador.

Dessa forma, a Constituição, indiretamente, possibilita e ao mesmo tempo condiciona a utilização do PMI, impondo que sua realização homenageie os princípios vetores da administração pública, com destaque para a publicidade, moralidade, isonomia, legalidade, motivação, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, contraditório, ampla defesa e segurança jurídica. Observa-se,

p. 225)

162 XAVIER, Gabriela Costa. Novos rumos da Administração Pública eficiente: participação administrativa, procedimentalização, consensualismo e as decisões colegiadas. Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 14, n. 159, p. 33-43, maio 2014. Disponível em: <http://bid.editoraforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=117717>. Acesso em: 19 mar. 2015. 163 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Regulação, Poder Estatal e Controle Social . Revista de Direito

Público da Economia RDPE Belo Horizonte, n. 11, ano 3 Julho/Setembro 2005. Disponível em:

ainda, a incidência de princípios inerentes aos processos competitivos, tais como a vinculação ao instrumento convocatório, julgamento objetivo e ampla participação.

O procedimento de manifestação de interesse também guarda relação com o direito de petição. Segundo o artigo 5°, XXXIV, “a” da CR/88, é assegurado a todos o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.

Conforme leciona José Afonso da Silva, o direito de petição possui dois aspectos: pode ser uma reclamação de caráter contencioso ou uma “manifestação da liberdade de opinião e revestir-se do caráter de uma informação ou de uma aspiração dirigida a certas autoridade”164. É nessa segunda hipótese que se enquadra o procedimento de manifestação de interesse.

O direito de acesso à informação previsto nos artigos 5°, XIV e XXXIII e o direito à igualdade (art. 5° e art. 37, XXI) contribuem para reafirmar a ideia de que os particulares podem ter acesso, em regra, aos documentos públicos e participar, em igualdade de condições, na elaboração das decisões estatais.

Embora fosse desnecessário ressaltar que a atuação administrativa por meio do procedimento de manifestação de interesse deve se coadunar com as diretrizes orientadoras do agir estatal, o que se observa no cenário atual é que nem sempre essas normas são seguidas quando da regulamentação e da prática administrativa.

O enfoque do presente estudo não é o de dissertar acerca dos princípios constitucionais informadores da atuação administrativa, mas sim da sua aplicação e consequências no caso específico do PMI.

Por essa razão, nesse tópico apenas citamos os principais princípios que se aplicam ao PMI de forma geral. Durante todo o estudo, sua observância ou não será analisada quando da investigação das normas sobre o tema, das experiências práticas e também das orientações jurisprudenciais, ainda que escassas.

3 EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

O Brasil não foi pioneiro na busca de cooperação do setor privado na elaboração de projetos para delegação de serviços públicos e obras de infraestrutura. Outros países adotaram institutos análogos, como a Expression of

Interest (EOI), o Diálogo Concorrencial e as Unsolicited Proposals.

Os institutos serão analisados nesse capítulo para que se possa trazer para a experiência brasileira, levando em consideração suas especificidades, as práticas bem sucedidas no direito comparado. As experiências internacionais permitem a “reflexão do jurista pátrio e, mediante provocações, estimular o aprimoramento de institutos e ordenamentos jurídicos. O jurista olha para fora para perceber criticamente seu ordenamento e, inclusive, os fatores jurídicos e extrajurídicos que condicionam sua efetividade”165.