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A teoria da “confederação das almas” e a pluralidade do “eu”

As obras tanto de Antonio Tabucchi quanto de Fernando Pessoa e Luigi Pirandello são fortemente marcadas pela questão da multiplicidade, a qual pode se manifestar de diversas formas. A reflexão sobre a pluralidade da alma, como ressaltado no primeiro capítulo desta tese, está representada em Antonio Tabucchi pela teoria da “confederação das almas”, a qual é apresentada em Sostiene Pereira. No romance de Antonio Tabucchi, Pereira é um velho jornalista em decadência, cuja carreira foi reduzida ao cargo de diretor da página cultural do Lisboa, um jornal vespertino sem grande reconhecimento em Portugal.

Essa posição do jornalista contrasta com seu passado, quando havia sido responsável pela crônica policial de um grande jornal da capital. Pereira restringia sua rotina ao seu itinerário diário que compreendia o percurso entre a sua casa, a redação e o Café Orquídea, onde comia diariamente omeletes com ervas aromáticas acompanhadas de limonadas açucaradas. Essa dieta inapropriada conjugada ao sedentarismo e à falta de motivação para a busca de mudanças prejudicava cada vez mais a saúde frágil do jornalista.

Pereira se mostrava de tal forma resignado com sua situação que não era capaz de apreender os acontecimentos que se passavam à sua volta. De fato, a narrativa é ambientada no ano de 1938, quando Portugal vivia um dos momentos mais críticos de sua história recente, o período da ditadura salazarista, que assolou o país por quase meio século. Nesse contexto, o mundo vivia a iminência da guerra e testemunhava a expansão de regimes totalitários de extrema direita.

No entanto, apesar do momento político conturbado em que vivia, Pereira não tinha nenhuma pretensão de utilizar sua posição privilegiada de jornalista para denunciar a violência e a repressão experimentadas naqueles tempos. Estando de tal forma alheio à conjuntura política daquele momento, considerava o garçom do Café

Orquídea sua melhor fonte de informações sobre os eventos que estavam ocorrendo no mundo.

Quando arrivò il cameriere gli chiese: che notizie ci sono, Manuel? Se non lo sa lei, dottor Pereira, che sta nel giornalismo, rispose il cameriere. Sono stato alle terme, rispose Pereira, e non ho letto i giornali, a parte che dai giornali non si sa mai niente, la cosa migliore è prendere le notizie a voce, per questo chiedo a lei, Manuel. Cose turche, dottor Pereira, rispose il cameriere, cose turche. E se ne andò (TABUCCHI, 2007c, p. 79).298

O Lisboa era um jornal apolítico e independente, com tendências católicas, e sem grandes pretensões, como o próprio Pereira. Seguindo essa orientação, o protagonista restringia a página cultural do jornal à publicação de traduções de contos e trechos de romances franceses do século XIX, os quais ele próprio se encarregava de traduzir, e à seção “Efemérides”, na qual fazia um elogio a algum grande escritor já morto que considerasse merecedor de uma homenagem.

A mudança de posicionamento político e ideológico de Pereira tem início apenas quando conhece o jovem Monteiro Rossi e sua namorada Marta, os quais tinham ideais libertários e revolucionários. Quando contrata Monteiro Rossi para escrever obituários antecipados de escritores famosos em seu tempo, Pereira logo percebe que os textos do jovem filósofo eram impublicáveis em Portugal naqueles tempos de censura e repressão. No entanto, sem saber explicar o motivo, continuava a pagar pelos artigos com seus próprios recursos. Com essa atitude, Pereira ajuda a financiar, ainda que de forma inconsciente, a luta de um grupo de jovens que se opunha ao regime estabelecido.299

Uma possível explicação para as contradições vivenciadas pelo jornalista tanto em seus pensamentos quanto em suas atitudes é apresentada a este pelo doutor Cardoso, cardiologista na Clínica Talassoterápica de Parede, que lhe explica a teoria da “confederação das almas”, desenvolvida pelos médicos-filósofos Théodule Ribot e

298 “Quando o garçom chegou, ele lhe perguntou: quais as novas, Manuel? Doutor Pereira, se o senhor,

que está no jornalismo, não sabe... respondeu Manuel. Estive nas termas, afirmou Pereira, e não li os jornais, sem falar que pelos jornais nunca se fica sabendo de nada, o melhor é conseguir as notícias de viva voz, por isso estou lhe perguntando, Manuel. Coisas inacreditáveis, doutor Pereira, respondeu o garçom, coisas inacreditáveis. E se foi” (TABUCCHI, 1995, p. 49).

299 Em relação ao personagem Pereira, é importante salientar como Antonio Tabucchi se mostra

preocupado com questões políticas e sociais que perpassaram o século XX, como é o caso da ditadura de Salazar, cuja repressão e censura, além de atos de violência, são denunciados pelo escritor italiano em seu romance. Além disso, em Sostiene Pereira está colocada a questão da responsabilidade civil, problemática recorrente nos textos de Antonio Tabucchi. Ao longo do romance, Pereira toma consciência, gradativamente, de sua parcela de responsabilidade diante dos fatos que ocorriam na sociedade em seu tempo, fazendo com que o personagem escolha agir e opor resistência ao regime ditatorial ao invés de permanecer na posição de apatia e alienação na qual se encontrava.

Pierre Janet no final do século XIX. Segundo essa teoria, a unidade do sujeito é uma ilusão, sendo este habitado por uma pluralidade de “eus”. A personalidade seria uma confederação de várias almas, a qual é controlada por um “eu” hegemônico que assumirá o controle até que outro “eu” mais poderoso ocupe seu lugar.

Credere di essere “uno” che fa parte a sé, staccato dalla incommensurabile pluralità dei propri io, rappresenta un’illusione, peraltro ingenua, di un’unica anima di tradizione cristiana, il dottor Ribot e il dottor Janet vedono la personalità come una confederazione di varie anime, perché noi abbiamo varie anime dentro di noi, nevvero?, una confederazione che si pone sotto il controllo di un io egemone. (...) nel caso che sorga un altro io, più forte e più potente, codesto io spodesta l’io egemone e ne prende il posto, passando a dirigere la coorte delle anime (TABUCCHI, 2007c, p. 123).300

Um dos aspectos dessa teoria que mais atraem Pereira é sua oposição à crença cristã na existência de uma alma única e individual, já que o jornalista vivia um constante conflito interior por se questionar a respeito da ressurreição da carne pregada pelo cristianismo. Pereira é atormentado por esses pensamentos, por se considerar católico. Tal contradição aponta para o caráter crítico do jornalista, o qual se encontrava em estado latente, vindo à tona a partir do momento em que uma nova personalidade começa a se delinear em seu interior. Como consequência, Pereira passa a questionar sua própria postura frente à conjuntura política vivenciada pelo seu país, o que o leva a refletir a respeito da conduta de Marta e Monteiro Rossi:

Il fatto è che mi è venuto un dubbio: e se quei due ragazzi avessero ragione? (...) se loro avessero ragione la mia vita non avrebbe senso, non avrebbe senso avere studiato lettere a Coimbra e avere sempre creduto che la letteratura fosse la cosa più importante del mondo, non avrebbe senso che io diriga la pagina culturale di questo giornale del pomeriggio dove non posso esprimere la mia opinione e dove devo pubblicare racconti dell’Ottocento francese, non avrebbe senso più niente, e è di questo che sento il bisogno di pentirmi, come se io fossi un’altra persona e non il Pereira che ha sempre fatto il giornalista, come se io dovessi rinnegare qualcosa (TABUCCHI, 2007c, p. 122).301

300 “Acreditar ser ‘um’ de per si, separado da incomensurável pluralidade dos próprios eus, representa

uma ilusão, aliás, ingênua, de uma única alma de tradição cristã, o doutor Ribot e o doutor Janet veem a personalidade como uma confederação de várias almas, porque nós temos várias almas dentro de nós, não é mesmo?, uma confederação que se coloca sob o controle de um eu hegemônico. (...) no caso de surgir um outro eu, mais forte e mais poderoso, este eu destitui o eu hegemônico e toma o seu lugar, passando a dirigir a coorte das almas” (TABUCCHI, 1995, p. 75).

301 “O fato é que me veio uma dúvida: e se aqueles dois jovens tivessem razão? (...) se eles tivessem

razão, minha vida não teria sentido, não teria sentido ter estudado Letras em Coimbra e ter sempre acreditado que a literatura fosse a coisa mais importante do mundo, não teria sentido eu dirigir a página cultural deste jornal vespertino onde não posso expressar minha opinião e onde tenho que publicar contos do século XIX francês, nada mais teria sentido, e é disso que sinto necessidade de me arrepender, como se

Segundo a teoria da “confederação das almas”, o conflito interno vivido por Pereira, o qual leva o protagonista a repensar sua postura política, aponta para o fato de que seu “eu hegemônico” está sofrendo pressão de um novo “eu” que em breve assumirá o lugar do primeiro. À medida que a repressão e a censura se impõem à Pereira de forma cada vez mais autoritária, seu novo “eu hegemônico” se fortalece para que assim possa reivindicar sua posição de maneira definitiva.

Os resultados desse processo de mudança, pelo qual passa o protagonista, podem ser percebidos em seu discurso, o qual assume um tom reflexivo: “Sarà, disse Pereira, ma anche qui le cose non vanno bene, la polizia la fa da padrona, ammazza la gente, ci sono perquisizioni, censure, questo è uno stato autoritario, la gente non conta niente, l’opinione pubblica non conta niente” (TABUCCHI, 2007c, p. 64)302. Além disso, apresenta momentos de revolta e lucidez em que se posiciona criticamente, como acontece quando seu amigo Silva, professor universitário, se mostra simpatizante do regime totalitário sob o qual vivia Portugal: “Allora che devo essere libero, disse Pereira, e informare la gente in maniera corretta” (TABUCCHI, 2007c, p. 64-65)303.

No entanto, o evento que irá fazer com que Pereira assuma uma postura definitiva diante do momento político pelo qual passava Portugal é a tortura seguida de morte de Monteiro Rossi, a qual ocorre em sua casa, onde o rapaz se encontrava abrigado. Em uma ação de extrema arbitrariedade, a polícia política invade a casa de Pereira alegando a necessidade de interrogarem Monteiro Rossi, que acaba sendo espancado até a morte sem que Pereira pudesse interceder por ele.

Decidido a tomar uma atitude, Pereira escreve um artigo em que descreve o ocorrido em sua casa naquela noite. Pela primeira vez desde que passou a escrever para o Lisboa, Pereira assina seu texto como fazia quando escrevia para a crônica policial. No dia seguinte, com a cumplicidade do Dr. Cardoso, consegue convencer o tipógrafo- chefe do Lisboa de que o artigo tinha permissão da censura para ser publicado. É nesse momento que o novo “eu hegemônico” de Pereira destitui seu antigo “eu” e toma o controle sobre a confederação de suas almas.

Conforme destacado anteriormente, é possível traçar um paralelo entre essa concepção e a teoria do filósofo António Mora, heterônimo de Fernando Pessoa que se

eu fosse outra pessoa, e não o Pereira que sempre foi jornalista, como se eu tivesse de renegar alguma coisa” (TABUCCHI, 1995, p. 74-75).

302 “Sei não, disse Pereira, mas aqui também as coisas não vão bem, a polícia é quem manda, mata as

pessoas, há batidas policiais, censuras, este é um Estado autoritário, as pessoas não contam nada, a opinião pública não conta nada” (TABUCCHI, 1995, p. 40).

303 “E daí que eu tenho de ser livre, disse Pereira, e informar as pessoas de modo correto” (TABUCCHI,

ocupou do problema da multiplicidade da alma. A esse respeito, Antonio Tabucchi destaca, em uma entrevista concedida a Tiziana Colusso e publicada sob o título La confédération d’âmes, que “Pessoa ne posait pas seulement une question radicale sur l’identité, mais aussi sur l’âme, sur le statut de l’âme plurielle” (TABUCCHI apud COLUSSO, 2012, p. 6)304

.

Durante essa entrevista, Antonio Tabucchi305

afirma que a teoria sobre a “confederação das almas”, desenvolvida pelos médicos-filósofos Théodule Ribot e Pierre Janet no final do século XIX, exerceu uma grande influência sobre a literatura até o surgimento dos escritos de Freud. Tabucchi ressalta que Pessoa deve ter tido acesso a essa teoria, a qual parece ter contribuído para o desenvolvimento de seu fazer literário. No entanto, essas ideias, na concepção de Tabucchi, não tiveram tanto impacto no âmbito psicológico ou psicanalítico da obra de Fernando Pessoa, mas sobretudo no que se refere à esfera religiosa de sua poesia. É nesse sentido que Tabucchi destaca como “Pessoa, au fond, lutte contre l’idée de l’âme catholique, chrétienne, l’âme unique et indivisible. Il souhaite le retour d’une âme plurielle comme dans la religion classique, païenne” (TABUCCHI apud COLUSSO, 2012, p. 6-7)306

.

Ainda sobre a noção da pluralidade da alma, nessa mesma entrevista, Antonio Tabucchi307

traça um paralelo entre o fazer literário de Fernando Pessoa e Luigi Pirandello, ressaltando a similaridade entre ambos os escritores no que diz respeito à questão da multiplicidade, ainda que, segundo Tabucchi, o poeta português tenha levado sua reflexão a um nível mais extremo, chegando a conclusões mais radicais do que aquelas apresentadas por Pirandello em seu romance Uno, nessuno e centomila, o qual pode ser tido como um dos melhores exemplos da abordagem pirandelliana do tema da multiplicidade.

Em seu ensaio L’umorismo, Luigi Pirandello308

aponta para o fato de que somos habitados não apenas por nós “quali ora siamo”, mas também por outros nós, “quali fummo in altro tempo” (PIRANDELLO, 2010a, p. 143)309. A prova disso é que pensamentos e sentimentos julgados por nós como apagados e esquecidos ao longo do tempo podem voltar à tona e nos influenciar mais uma vez no momento presente,

304 “Pessoa não coloca apenas uma questão radical sobre a identidade, mas também sobre a alma, sobre o

estatuto da alma plural.” (Tradução nossa).

305 Cf. TABUCCHI apud COLUSSO, 2012, p. 6.

306 “Pessoa, basicamente, luta contra a ideia da alma católica, cristã, a alma única e indivisível. Ele deseja

o retorno de uma alma plural como na religião clássica, pagã.” (Tradução nossa).

307 Cf. TABUCCHI apud COLUSSO, 2012. 308 Cf. PIRANDELLO, 2010a, p. 143.

revelando em nós um outro ser. Seguindo esse raciocínio, Pirandello310 reflete sobre como podemos perceber que certas tendências que julgávamos anuladas em nosso interior podem ser a causa direta de certas ações por nós efetuadas, ao passo que novas crenças, que pensamos atuar diretamente sobre nossas decisões, não passam de formas ilusórias que, na realidade, não operam com eficácia sobre nós. Essa reflexão faz com que o dramaturgo italiano conclua sobre o caráter múltiplo da alma humana:

E appunto le varie tendenze che contrassegnano la personalità fanno pensare sul serio che non sia una l’anima individuale. Come affermarla una, difatti, se passione e ragione, istinto e volontà, tendenze e idealità, costituiscono in certo modo altrettanti sistemi distinti e mobili, che fanno sì che l’individuo, vivendo ora l’uno ora l’altro di essi, ora qualche compromesso fra due o più orientamenti psichici, apparisca come se veramente in lui fossero più anime diverse e perfino opposte, più e opposte personalità? (PIRANDELLO, 2010a, p. 144).311

A partir desse trecho de L’umorismo, parece que Pirandello corrobora a tese de Ribot e Janet312 a respeito da pluralidade da alma, segundo a qual a personalidade é constituída por uma multiplicidade de “eus” que são submetidos a um “eu” hegemônico que assume o controle da “confederação das almas” por um certo período, até que o embate permanente entre os vários “eus” de que o sujeito é constituído resulte na deposição do “eu” hegemônico para que outro “eu” assuma o seu lugar. Estando o indivíduo sujeito a um oscilar constante entre sentimentos opostos e um incessante flutuar entre pensamentos divergentes, Pirandello conclui que “questa lotta di ricordi, di speranze, di presentimenti, di percezioni, d’idealità, può raffigurarsi come una lotta d’anime fra loro, che si contrastino il dominio definitivo e pieno della personalità” (PIRANDELLO, 2010a, p. 145)313.

A discussão sobre a multiplicidade da alma está presente, ainda, nos textos ficcionais de Pirandello, como é possível perceber pela seguinte afirmação feita pelo personagem Diego Cinci durante um diálogo com seu amigo Doro Palegári na peça teatral Ciascuno a suo modo:

310 Cf. PIRANDELLO, 2010a, p. 144.

311 “E justamente as várias tendências que assinalam a personalidade fazem pensar a sério que a alma

individual não seja una. Como afirmar ser ela una, de fato, se paixão e razão, instinto e vontade, tendências e idealidades, constituem de certo modo outros tantos sistemas distintos e móveis, que fazem sim com que o indivíduo, vivendo ora um ora outro desses sistemas, ora algum compromisso entre duas ou mais orientações psíquicas, apareça como se nele verdadeiramente houvesse mais almas diversas e até opostas, mais e opostas personalidades?” (PIRANDELLO, 2009c, p. 168).

312 Cf. TABUCCHI apud COLUSSO, 2012.

313 “essa luta de recordações, de esperanças, de pressentimentos, de percepções, de idealidades, pode

afigurar-se como uma luta de almas entre si, que disputam o domínio definitivo e pleno da personalidade” (PIRANDELLO, 2009c, p. 169).

Tende ognuno ad ammogliarsi per tutta la vita con un’anima sola, la più comoda, quella che ci porta in dote la facoltà più adatta a conseguir lo stato a cui aspiriamo; ma poi, fuori dell’onesto tetto coniugale della nostra coscienza, abbiamo tresche, tresche e trascorsi senza fine con tutte le altre nostre anime rejette che stanno giù nei sotterranei del nostro essere, e da cui nascono atti, pensieri, che non vogliamo riconoscere, o che, forzati, adottiamo o legittimiano, con accomodamenti e riserve e cautele. Questo, tu ora lo respingi, povero pensiero trovatello! Ma guardalo bene negli occhi: è tuo!” (PIRANDELLO, 2007b, p. 49).314

De acordo com o personagem Diego Cinci, por detrás da máscara que apresentamos ao “outro”, habitam em nós inúmeros “eus” ocultos que nos impossibilitam de sermos sempre coerentes em nossas ideias e em nossos atos. Essa profusão de “eus” que carregamos em nosso interior nos torna, portanto, imprevisíveis e surpreendentes, já que múltiplos.

Na entrevista a Tiziana Colusso, La confédération d’âmes, Antonio Tabucchi315 atenta para a importância dessa concepção de alma plural não apenas para o fazer literário de Fernando Pessoa e Luigi Pirandello, como também para a sua própria reflexão sobre literatura. Em certo ponto da entrevista, Tabucchi enfatiza a relevância dessa ideia para a sua poética: “cette notion d’âme plurielle est très importante dans mon travail d’écrivain” (TABUCCHI apud COLUSSO, 2012, p. 5)316

. Essa declaração de Antonio Tabucchi revela, mais uma vez, a importância assumida pelas ideias de Pessoa e Pirandello para a constituição de seu universo literário, o que ele próprio evidencia ao longo da entrevista concedida a Tiziana Colusso ao aproximar as poéticas pirandelliana e pessoana e, ao mesmo tempo, apontar para o diálogo destas com seu fazer literário no que concerne, nesse caso, à problemática da multiplicidade.

314 “Tendemos todos nós a nos casar para toda a vida com uma única alma, a mais cômoda, aquela que

nos traz por dote a faculdade mais apta de atingir o estado a que aspiramos; mas depois, fora do honesto teto conjugal da nossa consciência, temos ligações, ligações e deslizes sem fim com todas as nossas outras almas rejeitadas, que estão lá embaixo, nos subterrâneos de nosso ser, e das quais nascem atos, pensamentos, que não queremos reconhecer, ou que, forçados, adotamos ou legitimamos com acomodamentos, reservas e cautelas. Isso você repele agora, pobre pensamento enjeitado! Mas olhe-o bem nos olhos: ele é seu!” (PIRANDELLO, 2009a, p. 338).

315 Cf. TABUCCHI apud COLUSSO, 2012, p. 5.

2.2 A mutabilidade do sujeito no decorrer do tempo: outra faceta da