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2. Marcos teóricos e metodológicos

2.5. A Teoria da Escolha Racional (TER) e os estudos legislativos

Em seu esforço para evitar explicações que negligenciem os agentes sociais, com suas preferências e escolhas, e identificar a dinâmica da interação entre os agentes sociais e as estruturas, o IH tem buscado dialogar com as duas outras grandes correntes do neoinstitucionalismo. Assim, admite que, em determinadas circunstâncias, ocorra a presença do cálculo estratégico, que postula a busca, pelos indivíduos, do rendimento máximo de seus objetivos. No entanto, o comportamento humano é, frequentemente,

limitado pelas convenções sociais, que moldam as visões de mundo e as interpretações dos indivíduos. Como argumentaram Thelen & Steinmo (1992, p. 8), a maioria de nós, na maior parte do tempo, observa as regras definidas socialmente, mesmo quando em desacordo com nossos próprios interesses. Nesse ponto, a aproximação se faz com os institucionalistas culturais e com a sociologia histórica interpretativa.

A força da TER nos estudos legislativos nos conduz à necessidade de uma abordagem mais detida dessa vertente do novo institucionalismo. As relações, de tensão e aproximação, entre a perspectiva histórica e a do cálculo estratégico, precisam ser mais bem esclarecidas.

Nascida no campo da economia, a TER parte do pressuposto da troca voluntária entre indivíduos racionais. As decisões de cada ator são tomadas de forma a maximizar seus interesses. Custos e benefícios são avaliados pelos agentes nas ocasiões em que são levados a tomar decisões. Mas todos buscam adotar a estratégia mais adequada para atingir seus fins. Uma vez alcançado o equilíbrio, nenhum ator se sente motivado a adotar novas estratégias que venham a romper os compromissos assumidos32. A TER, assim, enfatiza o princípio da estabilidade, que traz ordem ao potencial caos institucional. Os teóricos dessa linha de pensamento constroem seus modelos e, por meio do método dedutivo, predizem as estratégias mais adequadas a serem utilizadas por cada ator na satisfação de seus interesses. Existem, por certo, diferentes perspectivas de abordagem institucional pela TER. Todas, porém, concebem as instituições como conjuntos de regras e incentivos que estabelecem parâmetros para o comportamento dos indivíduos (PETERS, 2012, p. 48).

Como vertente do neoinstitucionalismo, a TER desenvolveu-se, em parte, a partir de estudos sobre o Congresso norte-americano. Nesse sentido, preocupou-se com o processo decisório no âmbito do Poder Legislativo. Seus teóricos atentaram, de forma especial, para a estabilidade das decisões ali tomadas e identificaram sua fonte nos procedimentos institucionais do processo legislativo.

O desenvolvimento desses estudos deu origem a três abordagens distintas, as chamadas teorias positivas da organização legislativa: a teoria distributiva, a

32 Esses postulados muito devem à teoria dos jogos, que estuda as situações estratégicas envolvidas nas escolhas das partes em conflito. Criada na área matemática e logo aplicada à economia, às ciências sociais e a outros ramos do conhecimento, a teoria dos jogos foi engendrada por John Von Neumann, em especial em sua obra The Theory of games and economic behavior, de 1944, escrita em coautoria com Oskar Morgenstern. Um de seus postulados básicos, logo transferido para as análises políticas, é o do jogo de soma zero, nos qual as partes em conflito desenvolvem um interesse comum em obter o melhor resultado possível para ambas.

informacional e a partidária. Entre seus pressupostos compartilhados, deve-se destacar o de que os congressistas, como qualquer indivíduo, têm seus próprios interesses (entre os quais se destaca, nos Estados Unidos, o da reeleição), que pautam as suas decisões. Entretanto, as divergências surgem na análise das variáveis que entram na explicação do comportamento dos parlamentares e no resultado do processo legislativo, sem excluir, necessariamente, a consideração por elementos históricos e culturais.

Em linhas bem gerais, os distributivistas enfatizam a disputa pela alocação de benefícios em um contexto de competição por bens escassos. Nesse ambiente, a busca pela maximização dos interesses de cada parlamentar faz prevalecer o comportamento de cooperação baseado na troca de favores (logrolling). Essa perspectiva vê o Poder Legislativo como um corpo fragmentado, embora estabilizado em torno da busca de políticas clientelistas (pork barrel) e de outros resultados de caráter particularista (SHEPSLE & WEINGAST, 1994).

A teoria informacional, por sua vez, não nega a existência de logrolling, mas defende que as normas e procedimentos congressuais favorecem menos essa prática do que a obtenção de competência. A teoria destaca o papel das comissões como depositárias da informação e da especialização. Dois postulados da organização legislativa contribuem para sustentar essa perspectiva (KREHBIEL, 1992, p. 15-22). Segundo o postulado majoritário, todas as decisões legislativas, inclusive as relativas a procedimentos internos, dependem da maioria. Já o postulado da incerteza estabelece que os legisladores frequentemente desconhecem a relação entre as decisões tomadas e seus resultados. Desse modo, a difusão de informações, embora não deixe de constituir um bem coletivo, proporciona, sobretudo, um recurso individual, na medida em que favorece ações estratégicas dos que se tornam bem informados, inclusive quanto aos resultados do processo legislativo.

Já a teoria partidária desloca a ênfase para os partidos políticos, negligenciados pelos distributivistas e informacionalistas. Com base na premissa de que o partido majoritário, se suficientemente homogêneo, tem poder para definir os resultados do processo legislativo, ela contesta a suposta abdicação que as agremiações partidárias fariam de exercer papel de relevância na formulação de políticas públicas, em favor de outros atores (como as comissões e a burocracia). Para os defensores dessa teoria, em um contexto de disputas e de pouca cooperação, os partidos políticos podem constituir um veículo para que os parlamentares consigam atingir seus objetivos e fazer valer seus interesses (COX & MACCUBBINS, 1993).

Surgidas no contexto norte-americano, essas teorias têm sido utilizadas no estudo dos parlamentos de outros países. No caso brasileiro, conforme apontou Santos (2001), não se deu a transmutação in totu de qualquer uma dessas teorias, nem existe uma predominância de uma delas. Entretanto, pode-se identificar uma clivagem entre a vertente distributivista e a partidária. No primeiro caso, são destacados os acordos pela repartição de benefícios na elaboração orçamentária, bem como no trabalho das comissões em torno da tramitação de matérias específicas. Nesse caso, as disputas e acordos fazem parte da estratégia parlamentar para distribuir benefícios a determinadas localidades ou a segmentos da sociedade. A linha partidária, por sua vez, contesta que o trabalho legislativo seja, em essência, um balcão de negócios entre seus membros e destaca os fatores que levam à formação de maiorias. A necessidade de incorporar elementos de ambas as linhas nos modelos explicativos tem sido sugerida com frequência, como em Amorim Neto & Santos (2003). Nos casos da Argentina e do México, ainda que exista uma tensão entre um parlamento fragmentado por interesses individuais e a necessidade de posicionamento diante de questões de abrangência nacional, a organização do sistema eleitoral e político, como se verá adiante, tende a favorecer um maior grau de coesão partidária. Todavia, as comissões também não deixam de constituir um ambiente de poder, onde se posicionam os mais diversos interessem e se manifestam as articulações partidárias.

Conforme esta pesquisa sustenta, linhas interpretativas sobre a ação parlamentar focalizadas sobre os comportamentos estratégicos dos atores podem ser enriquecidas em sua capacidade de análise por abordagens que enfatizam elementos históricos e culturais. Alguns postulados da linha racional, no entanto, precisam ser tratados com os devidos cuidados.