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Brasil, Argentina e México entraram nos anos 1990 com desafios específicos e compartilhados nos variados ramos da vida social. A década anterior foi de lento crescimento, com alguns anos de forte recessão.95 Conforme mostrado na tabela a seguir, a renda per capita em relação ao PIB caiu nos três países, entre 1980 e 1990, em dissonância com o crescimento ocorrido nos países mais desenvolvidos e na Coréia do Sul, talvez o mais representativo dos países asiáticos que seguiu um rumo diferente de desenvolvimento nas décadas finais do século XX.

QUADRO 1. RENDA PER CAPITA EM RELAÇÃO AO PIB 1980-1990

(EM DÓLAR GEARY-KHAMIS, 1990)

1980 1990 ARGENTINA 8.206 6.433 BRASIL 5.195 4.920 MÉXICO 6.320 6.085 EUROPA OCIDENTAL* 13.118 15.905 ESTADOS UNIDOS 18.577 23.201 JAPÃO 13.428 18.789 CORÉIA DO SUL 4.114 8.704

Fonte: BOLT & VAN ZANDEN, 2013.

* Média de 30 países.

Os três países – de forma mais acentuada o Brasil e o México – também apresentavam elevado nível de pobreza e indigência, bem como de concentração de renda, características que por certo exercem grande influência sobre os insucessos na democratização do acesso escolar e no esforço pela melhoria da qualidade do ensino.96 Segundo dados da CEPAL (CALDERÓN, 2008, p. 51), em 1990, a Argentina contava com 16,1% de sua população em estado de pobreza e 3,4% no de indigência. No México, os índices eram, respectivamente, de 47,7% e 18,7%. No Brasil, as cifras, na

95 A pior evolução do PIB ocorreu na Argentina: entre 1980 e 1990, o índice regrediu de 232,8 bilhões de dólares (Dólar Geary-Khamis, 1990) para 212,5 bilhões (BOLT & VAN ZANDEN, 2013).

96 A esse respeito, Munõz Izquierdo (1996), por exemplo, traça as origens das desigualdades educacionais na América Latina, a partir da experiência mexicana, e apresenta quatro teses explicativas para o fenômeno, das quais a primeira aponta para “um conjunto de fatores externos aos sistemas educacionais (...) e tais desigualdades se derivam das que já existem entre os distintos estratos integrantes da formação social em que os sistemas educacionais estão imersos” (p. 125).

mesma ordem, eram de 48,0% e 23,4%.97 O quadro abaixo ilustra, de modo sintético, o elevado nível de concentração de renda nos três países, igualmente com dados da CEPAL.

QUADRO 2. BRASIL, ARGENTINA E MÉXICO: CONCENTRAÇÃO DE RENDA – 1990 (em %)

PAÍSES 20% mais pobres da população 20% mais ricos da população ARGENTINA* 4,1 54,9 MÉXICO 3,9 58,7 BRASIL 2,1 66,8

Fonte: CEPAL (CALDERÓN, 2008, p. 49).

* Zonas urbanas

Os desequilíbrios regionais eram seculares, com unidades federadas mais pobres e com piores indicadores sociais no norte e nordeste do Brasil, no norte e extremo sul da Argentina e no sul do México, além da região da Península de Yucatán. Bolsões de pobreza com elevados índices de criminalidade cresciam nas grandes metrópoles dos três países. Brasil e Argentina viviam períodos de hiperinflação, enquanto o México tentava ajustar sua economia às exigências de uma maior integração ao mercado norte-americano. Há muito o modelo de desenvolvimento baseado na substituição de importações havia revelado suas contradições e fora abandonado, em ritmos variados e com tratamento diferenciado entre os setores da economia. Além das resistências a mudanças sustentadas por influentes interesses de grupos, as alternativas que se apresentavam para superar a crise não obtinham um mínimo suficiente de consenso para a sua a sua adoção ou sucesso. A opção por um modelo que combinasse nacionalismo econômico e socialismo dos meios de produção ainda seduzia fortemente os combativos partidos políticos de esquerda e significativa parte da intelligentsia, principalmente acadêmica. Por outro lado, os princípios neoliberais, consubstanciados no Consenso de Washington, revelavam grande influência em setores do empresariado e entre economistas, mas não dispunham de força política para se impor, embora, curiosamente, começassem a surgir como opção política e ideológica para os segmentos mais oligárquicos dos três países. Na Argentina, como se viu, ideias neoliberais talvez tivessem mais receptividade devido à tradição econômica liberal esposada pelo influente

97 A população da Argentina, do México e do Brasil, em 1990, atingia o montante de 33,036 milhões, 84, 914 milhões e 151,170 milhões de pessoas, respectivamente (BOLT & VAN ZANDEN, 2013).

setor agroexportador. No México, o neoliberalismo avançava em um partido com forte influência do empresariado, mas foi introduzido nas políticas públicas, embora com muitas resistências, pelo PRI, que havia unido os interesses de diversos grupos em torno de um controle hegemônico do Estado, cimentado pelo nacionalismo e por instituições corporativas. No Brasil, políticas neoliberais atingiram o Estado mediante uma composição entre setores oligárquicos e puramente fisiológicos com a bandeira social- democrata, centrada principalmente no Estado de São Paulo.

Então como agora, a educação, nos três países, era socialmente percebida com um duplo e nem sempre harmonioso papel: de um lado, levar cidadania à população, de forma a consolidar as instituições democráticas e construir uma sociedade mais justa na distribuição da riqueza e na criação de oportunidades de desenvolvimento pessoal; do outro, desempenhar bem a função de, no âmbito de uma sociedade que, por falta de melhor termo, pode-se denominar genericamente de capitalista, qualificar adequadamente a mão de obra para os diversos setores da economia, no contexto mundial marcado por rápidas transformações tecnológicas e pela demanda de novas posturas e habilidades do mercado de trabalho.

Desse modo, o contraste entre os preceitos legais sobre direitos educacionais e a realidade da educação nos três países, principalmente na educação básica pública, era – como, infelizmente, ainda é – facilmente evidenciado, seja pelos estudos técnicos e acadêmicos, seja pela simples percepção da população que recorre aos serviços oferecidos pelo Estado (cf. no quadro a seguir as competências constitucionais em matéria educacional do Poder Legislativo federal, nos três países).

No aspecto institucional, a educação brasileira havia recebido novos contornos com a promulgação da Constituição de 1988. Seu texto representou grande avanço no que concerne à inscrição de direitos no campo constitucional. As concessões feitas aos grupos mais conservadores e ao setor empresarial do ensino, particularmente as cláusulas que asseguravam a liberdade de atuação da iniciativa privada no ensino, inclusive com a possibilidade circunstanciada de recebimento de recursos públicos, não fez frente ao reforço do papel do Estado para garantir direitos de acesso escolar. A partir da definição da educação como direito social – ou direito de todos – e do princípio da igualdade de condições para o acesso à escola e a continuidade e conclusão dos estudos (“permanência na escola”), o Estado ficou obrigado a garantir a oferta escolar desde o nascimento até a conclusão do ensino fundamental. Apenas este nível, no entanto, recebeu caráter compulsório (Estado e responsáveis coobrigados a garantir a matrícula

QUADRO 3. BRASIL, ARGENTINA E MÉXICO:

DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS SOBRE A COMPETÊNCIA DO LEGISLATIVO FEDERAL EM MATÉRIA EDUCACIONAL (1990)

BRASIL ARGENTINA98 MÉXICO

Art. 48. Cabe ao Congresso

Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:

Art. 22. Compete privativamente à

União legislar sobre:

... XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;

...

Art. 23. É competência comum da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

... V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; ...

Art. 24. Compete à União, aos

Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

... IX - educação, cultura, ensino e desporto;

...

Art. 67. Corresponde ao Congresso: ... Prover o necessário à prosperidade do país, ao progresso e ao bem-estar de todas as províncias e ao avanço da ilustração, fixando planos de instrução geral e universitária e (...). ...

Art. 3º……….

……….

VIII. O Congresso da União, com o

fim de unificar e coordenar a educação em toda a República, expedirá as leis necessárias, destinadas a distribuir a função social educativa entre a Federação, os Estados e os Municípios, a fixar

as dotações econômicas

correspondentes a esse serviço público e a indicar as sanções aplicáveis aos funcionários que não cumpram ou não façam cumprir as respectivas disposições relativas, assim como a todos que as descumpram.

Art. 73. O Congresso tem a

faculdade:

... XXV.- Para estabelecer, organizar e manter em toda a República escolas rurais elementares, superiores, secundárias e profissionais; de investigação científica, de belas artes e de ensino técnico; escolas práticas de agricultura e de mineração, de artes e ofícios, museus, bibliotecas, observatórios e demais institutos concernentes à cultura geral dos habitantes da Nação e legislar em tudo o que se refere a ditas instituições; para legislar sobre

monumentos arqueológicos,

artísticos e históricos, cuja conservação seja de interesse nacional; assim como para estipular as leis voltadas para distribuir

convenientemente entre a

Federação,os Estados e os

Municípios o exercício da função educativa, e as dotações econômicas correspondentes a esse serviço público, buscando unificar e coordenar a educação em toda a República. Os títulos que se expedirem pelos estabelecimentos referidos terão efeitos em toda a República.

98 A reforma de 1994 renumerou o dispositivo para art. 75, nº 18, e introduziu o seguinte nº 19 no mesmo artigo: “Sancionar leis de organização e base da educação que consolidem a unidade nacional, respeitando as particularidades provinciais e locais; que assegurem a responsabilidade indelegável do estado, a participação da família e da sociedade, a promoção dos valores democráticos e a igualdade de oportunidades e possibilidades sem discriminação alguma; e que garantam os princípios de gratuidade e de equidade da educação pública estatal e a autonomia e autarquia das universidades nacionais”.

dos menores de idade e sua frequência à escola), com oferta assegurada para os que passassem da “idade própria”. O direito ao ensino fundamental foi reforçado pelo caráter prioritário de financiamento público para o seu cumprimento, pela eventual responsabilização penal da respectiva autoridade pública e dos pais ou tutores e pela previsão de programas suplementares de apoio ao estudante. O status da oferta estatal do ensino médio ficou ambíguo (“progressiva universalização”), assim como do ensino superior (“acesso aos níveis mais elevados do ensino”). A oferta de educação especial e de educação indígena também foi atribuída ao Estado. O direito à educação escolar foi igualmente reforçado pela gratuidade dos estabelecimentos de ensino públicos e pela previsão da oferta do “ensino noturno regular” (sem menção ao nível).

O texto constitucional avançou mesmo em uma seara mais complexa e opaca ao ordenamento jurídico, embora de grande importância, ao determinar a “garantia do padrão de qualidade” do ensino. Entre as normas estabelecidas para o cumprimento desses direitos, a Constituição de 1988 previu a valorização dos profissionais do ensino, a gestão democrática do ensino público e a vinculação de recursos financeiros para o setor educacional, a qual, se por um lado se revelava insuficiente para seus propósitos, por outro ao menos contribuía para evitar o risco de eventuais oscilações negativas abruptas no financiamento da educação pública. A divisão de responsabilidades entre os níveis de governo, por sua vez, mostrou-se pouco clara, particularmente no ensino fundamental (corresponsabilidade de estados e municípios). As formas de colaboração entre as esferas de governo foram previstas para lei complementar e a União ficou encarregada de oferecer assistência técnica e financeira aos entes federados. Em uma tentativa de fortalecer as políticas de Estado, ficou prevista a elaboração de planos nacionais decenais de educação. Ao se iniciar a década de 1990, as principais leis educacionais do país em grande parte não se coadunavam com as normas e princípios emanados da Carta de 1988, o que sinalizava a necessidade do estabelecimento de novos marcos infraconstitucionais.

Embora tenha incorporado, em suas sucessivas reformas, normas sobre direitos sociais, a ordem constitucional argentina não adotou detalhamento sobre o tema, como o fizeram as constituições brasileiras, a partir da Carta de 1934. Esse contraste tornou-se ainda mais forte com a promulgação da Constituição brasileira de 1988. O texto constitucional argentino vigente ao se iniciar a década de 1990 determinava tão somente o dever das províncias de assegurar a educação primária, o direito de ensinar e de aprender e a incumbência do Congresso de elaborar planos de

instrução geral e universitária. Assim, os avanços na oferta educacional patrocinados pelo setor público, no âmbito do processo de construção do Estado nacional instaurado no século XIX, pouco se refletiram na ordem constitucional do país. Mas as leis educacionais de 1884 e 1905 constituíram marcos significativos nesse processo democratizante, que, por sua vez, propagou-se ao ensino secundário e superior ao longo das décadas caracterizadas pelos esforços de industrialização substitutiva e seus consequentes conflitos distributivos. Até a aprovação da lei federal de 1993 não se editaram no país leis gerais sobre educação que abarcassem diretrizes, princípios e organização dos diferentes níveis de ensino, ideia que surgiu como uma das recomendações do Congresso Pedagógico Nacional, durante o governo Alfonsín. Como visto no capítulo 2, as leis sobre educação superior foram objeto de intensos debates e conflitos políticos. Ao se iniciar a década de 1990, vigia no país a legislação provisória sobre as universidades editada no governo Alfonsín, com o fim de “normalização das universidades nacionais após 18 anos de intervenções” sob a ditadura (MIGNONE, 1998, p. 57).

A ordem constitucional mexicana, por sua vez, confere mais espaço para matérias educacionais do que a argentina, embora o texto vigente no início da década de 1990 fosse bem sumário em termos de direitos nesse campo, quando comparado ao texto brasileiro de 1988. É da reforma de 1934 a redação original dos dois dispositivos sobre a competência do Poder Legislativo Federal em matéria educacional, apenas ligeiramente reformados em 1946 e 1966.99 Sua redação favorecia tanto a centralização (“unificar e coordenar a educação em toda a República”), como uma eventual descentralização (“distribuir a função social educacional entre a Federação, os Estados e os Municípios”). No início da década de 1990, a maior parte das disposições constitucionais vigentes sobre educação havia sido definida na reforma de 1946, responsável pelo banimento da “educação socialista” da era Cárdenas, em favor dos princípios de “harmonia”, “solidariedade internacional” e “convivência humana”, ainda que sem abandonar o forte matiz nacionalista e laico, bem como a supervisão do Estado sobre o ensino particular. A educação primária foi estabelecida como obrigatória, mas a gratuidade se estendia a “toda educação” oferecida pelo Estado.

No Brasil, as reformas educacionais ocorridas entre 1990 e 2010 de início buscaram meios para o cumprimento dos direitos originalmente inscritos no texto

99 Em 1966, o dispositivo foi reformado, mas para dispor sobre a competência legislativa a respeito de monumentos arqueológicos, artísticos e históricos.

constitucional e na legislação, com foco no ensino obrigatório. Posteriormente, buscou- se também ampliar os direitos mediante a extensão da escolaridade obrigatória. Na Argentina, as reformas educacionais afetaram a ordem constitucional apenas com sua revisão em 1994. A ampliação dos direitos educacionais se fez mais mediante mudanças no corpo infraconstitucional e foi praticamente concomitante à aceleração do processo de descentralização. Já no México, o esforço descentralizador precedeu mais claramente a ampliação dos direitos educacionais, que apenas em momento posterior atingiu a ordem constitucional.

Mais ou menos desenvolvidos na legislação, os direitos educacionais dos três países apresentavam contrastes evidentes com a realidade. Justamente no Brasil, em que os direitos educacionais surgiam como mais avançados, com desdobramentos no texto constitucional, os indicadores eram os piores entre os três países como indicam os quadros a seguir. A Argentina, módica na garantia jurídica de direitos, possuía os melhores índices de alfabetização e de acesso à educação secundária e superior, dando sequência aos avanços alcançados na educação popular desde as últimas décadas do século XIX, conforme apresentado no capítulo 2. Os dados do México revelavam os efeitos do esforço de democratização das primeiras etapas educacionais, com índices melhores do que os argentinos na educação pré-escolar e primária.

Os três países enfrentavam – como ainda enfrentam – desafios no que se refere às desigualdades regionais. No Brasil, de acordo com dados do IBGE (s.d.), as taxas de analfabetismo (15 anos de idade ou mais), em 1990, atingiam 35,1% na região Nordeste e 10,6% na região Sudeste. Na população de 16 a 19 anos, o número médio de séries escolares concluídas era de 3,9 no Nordeste e de 6,1 no Sudeste (média nacional de 5,27). A taxa de escolarização da população entre 10 e 14 anos alcançava 87,7% no Sudeste e apenas 78,8% no Nordeste (média nacional de 84,2%).

QUADRO 4. BRASIL, ARGENTINA E MÉXICO: ANALFABETISMO – 15 ANOS OU MAIS – 1990

% Contingente (mil) Argentina 4,2 966

Brasil 18,3 17.729

México 12,3 6.320 Fonte: UNESCO (1999).

QUADRO 5. BRASIL, ARGENTINA E MÉXICO: INDICADORES DE ESCOLARIZAÇÃO (em %)

Pré-

primária Bruta Primária Líquida Bruta Secundária Líquida Superior (18 a 22) Argentina (1991) 50 (3 a 5) 106 96 (6 a 12) 71 54 (13 a 18) 38 Brasil (1990) 48 (4 a 6) 106 86 (7 a 14) 38 15 (15 a 17) 11 México (1990) 64 (4 a 5) 114 100 (6 a 11) 53 45 (12 a 17) 15 Fontes: UNESCO (1999). FERNÁNDEZ et alii (1997).

QUADRO 6. BRASIL, ARGENTINA E MÉXICO:

ÍNDICES DE ESCOLARIDADE – POPULAÇÃO COM 25 ANOS OU MAIS (em %)

Sem escolaridade Primário completo Secundário completo (1º ciclo) Pós- secundário/ Superior Argentina (1991) 5,7 34,6 25,3 12,0 Brasil (1989) 18,7 6,9 11,9 5,0 México (1990) 18,8 19,9 12,7 9,2 Fonte: UNESCO (1999).

Apesar de a Argentina apresentar, desde o início do século XX, um dos melhores conjuntos de indicadores de escolarização da América Latina, o processo de massificação do ensino ocorrido na segunda metade do século promoveu uma fragilização da tradicional homogeneidade do seu sistema educacional. Ademais, reforçou as desigualdades nas oportunidades de acesso escolar e de permanência na escola, bem como na qualidade do ensino, em termos regionais – indicadores piores nas províncias do noroeste e no norte do país – e de acordo com a situação socioeconômica da população (FILMUS, 1996, p. 58-59). Em 1991 (FERNANDEZ et alii, 1997), a taxa de escolaridade da população de 6 a 12 anos apresentava pequenas diferenças entre as províncias: atingia 97% na cidade de Buenos Aires e 94% em Corrientes e Formosa. Contudo, as desigualdades do passado ainda pesavam: o índice de jovens entre 15 e 19 anos que havia concluído o nível primário era de 97% na capital do país, mas alcançava apenas 75% em Corrientes, 78% em Chubut e 79% em Formosa. No nível médio, 72% da população portenha entre 13 e 18 anos ia à escola, contra 57% em Córdoba, 46% em

Formosa e 41% em Corrientes. A taxa de escolaridade no nível superior universitário da população entre 19 e 24 anos perfazia 31% na cidade de Buenos Aires, contra 20% em Córdoba, 13% em Mendoza e apenas 3% em Formosa e Jujuy.

No México, em 1990 (BRACHO, 1999),100 o índice de analfabetismo era de 3,5% no Distrito Federal e 5% na região Norte Pacífico, mas atingia 30,2% no Sul (40,7% em sua zona rural) e 18,2% no Centro Periférico. O índice de crianças de 6 a 12 na escola primária e de jovens de 13 a 15 no secundário alcançava, respectivamente, 96,5% e 82,6% no Distrito Federal, 93,55% e 68,3% no Norte, mas apenas 87,3% e 50,1% no Centro Periférico e 80,4% e 42,9% no Sul. A população de 20 a 24 anos matriculada nas universidades era de 25,7% no Distrito Federal, 15,2% no Norte, 10,9% no Centro Periférico e somente 7,9% no Sul.

Ao se iniciar a década de 1990, nenhum dos três países possuía um sistema de avaliação consistente da educação básica. No Brasil, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) dava seus primeiros passos e seus resultados iniciais mal saíam dos limites da tecnocracia do Ministério da Educação (MEC) e do interesse de alguns estudos acadêmicos. Os índices de repetência e de evasão, elevados nos três países, eram praticamente os únicos dados oficiais de ampla abrangência que revelavam problemas com a qualidade do ensino. O baixo nível da educação constituía mais uma percepção social amplamente difundida com base na experiência.

Nas décadas anteriores, o acesso à educação pública, particularmente no nível elementar, havia sofrido forte expansão: tratava-se da chegada à escola de crianças e adolescentes de famílias cujos adultos muito frequentemente não tinham estudado ou o fizeram por pouco tempo. Os recursos públicos para atender essa demanda naturalmente competiam com outras necessidades sociais (saúde, saneamento, moradia etc.) e com as inversões que os sucessivos governos empreenderam nos esforço para industrializar e modernizar seus países (infraestrutura de transportes e comunicações, subsídios de diversas naturezas e mesmo aplicações diretas em atividades produtivas). Diante dessa situação e das políticas públicas adotadas, a escola básica pública começou a sofrer um processo de decadência. As famílias dos segmentos médios recorreram cada

100 A autora considerou mais adequada, para fins comparativos, uma reorganização das regiões do país, que também não se distingue muito daquelas usadas correntemente. Para a finalidade de seus dados neste trabalho, a de apresentar um painel das desigualdades de acesso escolar na entrada dos anos 1990, eventuais questionamentos sobre a opção da autora são irrelevantes. A região Norte-Pacífico inclui os estados da Baixa Califórnia Norte, Baixa Califórnia Sul e Sonora. A região Norte inclui os estados de Coahuila, Chihuahua, Neuvo León e Tamaupilas; a região Centro Periférico inclui os estados de Guanajuato, Hidalgo, Michoacán, Puebla, San Luís Potosí, Veracruz e Zacatecas; a região Sul inclui Chiapas, Guerrero e Oaxaca. As demais três regiões são: Centro Ocidental, Centro e Sudeste.

vez mais ao setor privado, deixando a escola pública para a população mais pobre. Nesse contexto, a carreira do magistério degradou-se e deixou de ser atraente para os indivíduos que tinham ou buscavam qualificação de nível superior. Um dos indicadores mais relevantes dessa situação reside na depreciação dos salários pagos no magistério.