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2 REVISÃO DE LITERATURA

3.1 A TEORIA FUNDAMENTADA NOS DADOS – GROUNDED THEORY

Essa abordagem foi idealizada pelos sociólogos americanos Barney G. Glaser e Anselm L. Strauss, nos Estados Unidos, no início dos anos de 1960. Atuando como professores de sociologia da Universidade de São Francisco, na Califórnia, uniram suas experiências para desenvolver técnicas para a análise de dados qualitativos, quando resolveram estudar o processo da morte em hospitais, mesmo tendo cada um se originado de tradições filosóficas diferentes. Strauss já tinha uma forte tradição na pesquisa qualitativa, enquanto Glaser era influenciado por métodos quantitativos. Strauss contribuiu com o entendimento de que é necessário o pesquisador sair a campo para descobrir de fato o que está acontecendo; considerar a complexidade e a variabilidade dos fenômenos e das ações humanas, assim como a crença de que as pessoas são atores que assumem um papel ativo para responder a situações problemáticas, dentre outras contribuições. Glaser traz para o método a necessidade de fazer comparações entre os dados para identificar, desenvolver e relacionar conceitos (STRAUS; CORBIN, 2008).

A Teoria Fundamentada nos Dados não necessita de uma base epistemológica para justificar seu uso. É um método abrangente, baseado num modelo que pode utilizar diversas perspectivas teóricas, desde que pertinentes ao tema em estudo. Glaser (1978) esclarece que a Teoria Fundamentada nos Dados não está vinculada a nenhum marco teórico ou escola de pensamento que limite a possibilidade da emergência de uma teoria sustentada em dados oriundos da pesquisa.

A Teoria Fundamentada nos Dados possui alguns atributos, dentre eles o da adaptabilidade. Isto quer dizer que as categorias devem ser emergentes, não forçadas, ou seja, devem ser a expressão abstrata dos dados. Outro atributo é o da funcionalidade. Este implica ser a teoria significativamente relevante e capaz de explicar, predizer e interpretar o fenômeno estudado. Como último atributo, a capacidade de modificação da teoria à medida que surgem novos dados. Considera importante readaptar constantemente as categorias aos dados no desenrolar da pesquisa. As categorias pré-existentes podem adaptar-se aos dados, entretanto o papel do pesquisador é desenvolver uma “adaptação emergente” entre os dados e categorias pré-existentes, garantindo que estas continuem funcionais (ibidem).

Elemento essencial no processo de construção da teoria é a Amostragem Teórica. Strauss; Corbin (2008, p.195) determinam um

conceito para este tipo de amostragem característico da Teoria Fundamentada nos Dados:

É a coleta de dados conduzida por conceitos derivados da teoria evolutiva e baseada no conceito de ‘fazer comparações’ cujo objetivo é procurar locais, pessoas ou fatos que maximizem oportunidades de descobrir variações entre conceitos e de tornar densas as categorias em termos de suas propriedades e suas dimensões.

Na Amostragem Teórica, não existe a pré-determinação da composição da amostra como nos outros métodos de pesquisa. Esta surgirá na medida em que os dados são coletados e, por fim, será definida no processo a partir da indicação daqueles que integram a amostra inicial escolhida pelo pesquisador, caracterizada por Draucker et al. (2007), como amostragem seletiva.

Na Teoria Fundamentada nos Dados, é necessário compreender como se elabora a teoria, para tanto se utiliza a estratégia metodológica conhecida como Análise Comparativa ou comparação constante. Este procedimento é utilizado inicialmente para gerar as categorias e aperfeiçoar, teoricamente, categorias relevantes. Essas categorias escolhidas a partir dos dados coletados são constante e repetidamente comparadas aos dados obtidos no início da coleta, de modo que é perfeitamente possível determinar os elementos comuns e as variações. Strauss; Corbin (2008) chamam esta análise de microanálise dos dados, que pode ser aplicado em análises de palavras, frases, parágrafos ou linhas. Caracteriza-se por ser de fluxo livre e criativo, diferente de processos estruturados, estáticos ou rígidos de outros métodos de pesquisa.

Os procedimentos de codificação envolvem o desmembramento do todo em suas partes, a análise, a comparação e a categorização dos dados. Os tipos de codificação são três: aberta, axial e seletiva descritas a seguir baseado em Strauss; Corbin (2008).

► Codificação Aberta: é o primeiro passo no processo de análise, por meio do qual os conceitos (blocos de construção da teoria) são identificados e suas propriedades (as características de uma categoria; aquilo que define e dá significado às mesmas) e dimensões (abrangência; âmbito ao longo do qual as propriedades gerais de uma categoria variam, dando especificação à categoria e variação à teoria) são descobertas nos dados. Operacionalmente, o pesquisador separa,

examina, compara e, principalmente, conceitualiza os dados. Durante este processo de separação dos dados brutos (os textos), o intuito é o de encontrar similaridades e diferenças que permitirão uma boa discriminação e diferenciação entre as categorias criadas posteriormente.

Para cada incidente, evento, objeto e ação-interação ou ideia é dado um nome, formando os códigos conceituais ou conceituação, que é a representação abstrata de um fato identificado como importante nos dados. Estes são agrupados e formam conceitos mais abstratos que são as categorias, ou seja, os conceitos que representam os fenômenos. Para cada categoria serão atribuídas inúmeras subcategorias que são os conceitos que pertencem às categorias e que tem como função dar especificação à categoria e variação à teoria; respondem a questões sobre o fenômeno, dando um maior poder explanatório ao conceito. As subcategorias concentram informações do tipo quando, onde, por que e como um fenômeno tende a ocorrer. Tais quais as categorias, estas também têm propriedades e dimensões.

► Codificação axial: é o processo de relacionar as categorias formadas às subcategorias por um conjunto de procedimentos pelos quais os dados são agrupados de novas maneiras através de conexões entre as categorias. Esta codificação é chamada de axial porque gira em torno do eixo de uma categoria, associando-as de acordo com suas propriedades e dimensões. Tem como objetivo reagrupar os dados que foram separados na codificação aberta.

Para facilitar as relações entre as categorias, é útil ter um esquema que possa ser utilizado para classificar e organizar as conexões emergentes, o que os autores chamam de paradigma, cujos componentes básicos envolvem a condição causal, o fenômeno, o contexto, as condições intervenientes, as estratégias de ação/interação e as consequências.

Condição causal: aqui se caracterizam como eventos, incidentes ou acontecimentos que levam à ocorrência ou ao desenvolvimento de um fenômeno.

Fenômeno: consiste na ideia central, evento, incidente ou acontecimento sobre o qual um conjunto de ações ou interações é conduzido pelas pessoas.

Contexto: é um dos elementos do modelo que representa o conjunto específico de condições no qual as estratégias de ação/interação são tomadas.

Condições intervenientes: são situações que facilitam ou constringem as estratégias tomadas dentro de um contexto específico.

Estratégias de ação / interação: são estratégias planejadas para conduzir, lidar, realizar e responder a um fenômeno sob um conjunto específico de condições percebidas.

Consequências: são os resultados do processo de interação. Elas podem ser atuais ou potenciais, acontecem no presente ou no futuro. As consequências de um conjunto de ações podem se tornar parte das condições, afetando o próximo conjunto de ações e interações.

► Codificação seletiva: consiste no processo de integrar e refinar as categorias para selecionar a categoria central. A categoria central é o fenômeno, ao redor do qual todas as outras categorias estão integradas. A tarefa é integrá-las para formar a teoria fundamentada nos próprios dados. É um nível mais abstrato de análise do que a codificação axial. Descobrir a categoria central, ou seja, aquela que representa o tema principal da pesquisa, o fenômeno central, significa sintetizar a história construída. São os dados transformando-se em teoria que, a partir daí, será capaz de explicar diferenças e semelhanças encontradas nas experiências.

“Observar a teoria se desenvolvendo é um processo fascinante”, afirmam Strauss; Corbin (2008, p. 143). Este não acontece naturalmente e nem aparece de forma mágica. É um processo contínuo que ocorre com o tempo.

A categoria central deve ter a capacidade de reunir todas as outras categorias para formar uma explanação. A este atributo dá-se o nome de poder analítico. Ela pode surgir a partir das categorias já existentes ou da criação do pesquisador ao elaborar uma frase ou termo mais abstratos, mas que consigam englobar todas elas.

Para facilitar a identificação da categoria central e a integração de conceitos, é necessário lançar mão de recursos como a redação de um enredo, o uso de diagramas, a revisão organizada de memorandos (comentários a respeito dos códigos ou a partir destes, que podem ser manuscrito ou em software), dentre outros recursos.

Outro momento fundamental nesta teoria é entender as categorias e como elas surgem. Para Mello (2005), categorias são elementos de uma teoria que se relacionam sistematicamente. São conceitos que representam fenômenos. Categorias não são os dados, mas foram indicadas pelos dados, são por si os elementos conceituais da teoria. As propriedades, por sua vez, são aspectos conceituais ou elementos referentes a uma categoria.

Para Gomes (2005), as categorias surgem a partir da visão e da compreensão do fenômeno, na perspectiva dos participantes do estudo,

sabendo-se que são derivados de suas interações sociais.

O pesquisador é quem vai escolher o nome das categorias. Nomear as categorias é considerado uma das etapas mais difíceis, e as denominações de algumas podem sofrer várias modificações no decorrer da análise, até que elas realmente representem o significado dos códigos que agrupam. “O importante é lembrar que, uma vez que os conceitos comecem a se acumular, o analista deve começar o processo de agrupá- los ou de categorizá-los sob termos explicativos mais abstratos, ou seja, categorias” (STRAUSS; CORBIN, 2008, p. 115).

Como toda a teoria, a Teoria Fundamentada nos Dados tem também seus pressupostos. De acordo com Glaser; Strauss (1967), são os seguintes:

a) Toda a experiência humana é um processo que se encontra em constante evolução. A consideração deste pressuposto é de vital importância para que se consiga entender e realizar as modificações da teoria à medida que surgem novos dados e a readaptação constantemente das categorias aos dados no desenrolar da pesquisa;

b) a construção da teoria inclui abordagem dedutiva e indutiva. Este pressuposto revela características da teoria que são a particularidade e a generalidade, quando possibilita originar processos dedutivos e indutivos na sua elaboração. Mostra as características de um processo dinâmico e não estático; e

c) devem existir vários grupos amostrais, os quais são comparados entre si, ao longo do estudo, e darão origem aos conceitos da amostragem. Este pressuposto é uma condição básica em todo o processo de elaboração da teoria. Na realidade, é o ponto central no processo metodológico da Teoria Fundamentada nos Dados, uma vez que dos grupos amostrais é que sairão as mais variadas categorias, os processos dedutivos e indutivos, os conceitos, os significados, enfim, o modelo teórico para a explicação do fenômeno estudado.