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Identificando o apoio emocional oferecido pela rede às pessoas com hipertensão arterial

O apoio emocional refere-se a relações que conotam uma atitude emocional positiva, simpatia, empatia, estímulo e auxílio. É poder contar com a ressonância emocional e boa vontade das outras pessoas.

Este tipo de apoio é uma função característica das amizades íntimas e das relações familiares próximas (SLUZKI, 1997). Due et al. (1999) consideram como uma relação que envolve expressões de afeição.

O apoio emocional evidenciado pelas pessoas com hipertensão arterial consiste em diversos sentimentos como afeto, amor, gratidão, reconhecimento, simpatia; atitudes como demonstração de respeito, preocupação e dedicação. As variadas formas de apoio emocional oferecidas pelos integrantes da rede de apoio social são percebidas pelas pessoas como uma forma de ajudá-las no dia a dia já incluindo neste o tratamento da doença.

O apoio emocional, em sua diversidade de sentimentos, é referenciado pelas pessoas como proveniente principalmente de familiares, entre esses, destacam o apoio de filhos e netos. Algumas, especialmente aquelas na condição de mães, acreditam e referem que esse apoio pode ser uma retribuição por todo o cuidado oferecido aos filhos, em especial, quando crianças, pelas dificuldades vividas e superadas em função deles e por tê-los criados sozinhas pelo fato de terem sido abandonadas pelo parceiro.

O apoio emocional dos filhos se expressa e é percebido pelas pessoas quando elas relatam as inúmeras sensações vivenciadas por conta deles. Consideram-se felizes, completas e abençoadas com os filhos que tem por se sentirem amadas por eles; consideram ótima a relação com os mesmos; enfatizam a predileção por alguns; e acreditam que felicidade é ter o amor deles. Outros familiares percebidos como aqueles que oferecem apoio emocional são irmãos, genros e noras:

Ah! Sou mais do que feliz. Olha, eu acho que a gente se completa. Tu já pensaste quando uma mãe não tem o apoio de um filho ou de uma filha? Ela fica sem sentido na vida. Eu não. Eu, graças a Deus. Por isso é que eu te digo que eu sou uma mulher muito feliz. Felicidade não é você ter muitas coisas. Olha, eu não tenho nenhum tostão. Se tu me virar de cabeça para baixo não vai cair nenhum tostão, mas eu tenho o amor dos meus filhos (...) Eles se preocupam comigo, eles telefonam. Ele já telefonou dizendo que vem hoje aqui. Então, esse carinho, essas coisas que muitos estão querendo ter e não tem, eu tenho dos meus filhos. (...)Quando eu tinha meus filhos pequenos que o marido foi embora eu ia trabalhar limpando e lavando a casa dos outros e aí eu ia a pé porque não tinha dinheiro para a passagem do ônibus. Já

enfrentei, filha. Eu voltava a pé para casa. (...)Eu trabalhava na feira e saía de casa não tinha o que comer. Quando voltava, eu já voltava com uma porção de comida. Trazia arroz, feijão. Uma vez eu peguei um ovo e dividi metade para um filho metade para outro. Dou graças a Deus porque eu tinha aquele ovo. (...). Tenho um filho que é maravilhoso, seis netos maravilhosos, eu tenho um genro que me chama de mãe, tenho uma nora que é uma filha. Não sou abençoada? Sou e muito. (...) minha filha é separada do marido, mas ele é como se fosse um filho para mim. (...) Minha filha vive com outro rapaz há três anos, mas ele também gosta muito de mim, me chama até de mãezinha. Agora eu fico numa situação difícil, mas eu trato os dois iguais. Um me ama, outro também. (risos). (P3G1).

O apoio emocional também é oferecido por outros familiares como o (a) parceiro (a) através da demonstração de preocupação com o controle da doença e o cuidado com a saúde, sendo este aspecto demonstrado nos inúmeros momentos do tratamento da doença. O que motivaria essa preocupação seria a relação afetiva vivenciada por algumas pessoas deste grupo. Mesmo em sua fase mais avançada da vida, continuam a cultivar sentimentos como amor, carinho e afeto pelo (a) parceiro (a), ainda que na presença de conflitos e lembranças não muito agradáveis do passado:

Bem, minha participação é orientando ela nos dias de consulta de os horários de remédio para ela tomar. Essa é a minha participação. Nos horários do remédio a minha participação é para que ela não deixa de tomar os remédios. (...) Ah! ela tudo para mim. Eu dependo dela para tudo. Sem ela eu não posso viver. Noventa por cento eu dependo dela e ela dez por cento depende de mim. (Fm5G5).

Tenho, tenho. Tenho esposa, filhos. Inclusive e a minha ‘patroa’ é quem dá todas as informações assim para o médico. (...) Eu fico sentado calado, não digo nada. Ela é que fala tudo para o médico. Ela diz que tenho isso, tenho aquilo. Ele tá com esse, esse e esse problema. Eu fico calado, não

digo nada. (...) Bem, bem. Ela prepara tudo para mim. Ela que faz tudo. (...) Como me sinto? Oh, muito bom, com a graça de Deus, ela me faz muito feliz. Às vezes eu é que já faço mal para ela. Trato ela muito mal. Ela diz que eu faço isso, faço aquilo... mas aí tem que esquecer isso. Não adianta lembrar do passado por que é muito pesado né? A gente se aborrece e não dá certo. Ela também se aborrece. Fica com raiva um do outro e aí não dá certo. (...) Passou, deixa pra lá. (P2G2).

O que observamos neste tipo de apoio é que ele independe do que já foi vivenciado, especialmente pelos casais quanto aos conflitos no relacionamento, ou seja, mesmo as pessoas tendo uma história de conflitos no passado, no momento da doença, essas questões conflituosas são superadas e o apoio é oferecido à pessoa com hipertensão, sendo esta ajuda reconhecida e evidenciada pelo outro. Cabe enfatizar que este relato foi feito pelos parceiros (estes com hipertensão arterial), evidenciando a ajuda de suas parceiras. No sentido oposto também elas (estas com hipertensão arterial) relatam a superação dos conflitos e cuidam dos parceiros ou ainda dos ex-parceiros.

Nas duas situações, o que observamos é que as mulheres se sentem responsáveis pelo cuidar, que é tipicamente uma característica feminina. Sendo ou não portadoras da condição crônica, superar os conflitos e cuidar é sentido como se fosse uma obrigação da mulher. Para Costa; Nogueira (2008), algumas atitudes da mulher podem estar relacionadas ao fato de estas se colocarem em segundo plano quanto aos cuidados dispensados a si próprias, em detrimento da necessidade de cuidar do familiar:

Aquilo que você planta é aquilo que você faz e depois você vai colher. Você não pode culpar a Deus. Tem pessoas que têm mania de ir culpar a Deus por tudo. (...) Olha, minha filha, eu já fui posta de casa para fora no meio da rua, com todos esses problemas que eu tenho de saúde. Meu marido é alcoólatra e me colocou eu e os filhos no meio da rua, me batia e muito. Eu sofri muito, mas tu sabes o que aconteceu? Um dia ele chegou em casa queimando de febre. Eu estava separada porque ele foi embora com a amante dele. Chegou em casa, perguntou se tinha um

remédio. (...) Aí eu fui, olhei, ele tava com um febrão enorme. Aí eu levei remédio, levei pro médico, fez a consulta e deu que ele estava tuberculoso. Deu tuberculose. Tratei dele durante três anos consecutivos. Ficou curado sem nenhuma sequela, sem nenhuma mancha. Daí, depois os anos foram se passando ele foi embora e ‘eu’ aqui trabalhando, trabalhando e cuidando dos filhos. (...) Aí, minha filha, um dia ele chegou doente em casa de novo. Eu peguei exames que era para eu fazer de sangue, de urina e disse não, eu não vou fazer não, vou dar para ‘ele’. Sabe o que deu? Câncer no estômago. Aí ele foi operado no Ophir Loyola, tem só metade do estômago. Depois de um ano de operado, porque ele fuma e bebe até hoje, deu na cabeça. Parte do rosto é platina, e não tem um pedaço da língua, colocou dois drenos, mas tá vivo. E eu fiquei do lado da cama dele tirando aquela secreção. Você sabe que coloca aquele aparelho (aspirador), e sai aquela secreção e só ‘eu’ aqui é que tirava. Hoje nós estamos vivendo, estamos mais de vinte anos separados de corpos. A casa tem uma " puxada" (outro cômodo ao lado), então eu moro nessa puxada, ele mora na outra, mas eu faço a comida, eu faço tudo, ajudo, tudinho. Nós somos dois irmãos. Todos se admiram. E eu esqueci tudo aquilo que ele me fez. (...)E ele disse que ele não consegue viver com outra pessoa, nem com a mãe, nem com irmão, nem com ninguém. Passou pela mão de todos eles. (P3G1).

A família representa uma importante fonte de apoio e segurança para a maioria das pessoas. Assim sendo, esta relação permite troca de amor, afeto, respeito e valor (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2002), o que, para Costa; Nogueira (2008), influencia diretamente no sucesso do tratamento da hipertensão arterial.

Viver bem com os familiares parece-nos fundamental para ajudar no tratamento de qualquer doença, e aqui, especificamente, a hipertensão, uma vez que as alterações emocionais também mudam os valores pressóricos. Implicitamente, o modo de viver, salvo os problemas existentes, contribuem para a estabilidade emocional da pessoa com hipertensão arterial, assim sendo, acreditamos que a família

e o modo de viver desta é um apoio no tratamento.

Os profissionais da Unidade de Saúde são reconhecidos pelas pessoas como também oferecendo apoio emocional. Este apoio se faz sentir quando relatam que são bem atendidos e respeitados por eles. Fazem referência especialmente à médica e consideram o relacionamento um suporte emocional, alguns referindo sentirem-se bem somente em conversar com ela. Nesta conversa, algumas pessoas recebem apoio emocional para o enfrentamento de conflitos familiares como, por exemplo, aqueles relacionados ao alcoolismo e à separação do parceiro. Relatam que os médicos se preocupam com a adesão ao tratamento da doença, sendo este modo uma demonstração de interesse, o que pode ser considerado um apoio emocional pelas pessoas pelo fato de se sentirem bem atendidas:

Bem, todo mundo me atende satisfeito e alegre. Eu também, quando chego, já chego alegre. Às vezes eu digo para a doutora X: - Olha, eu não tomei remédio, mas só a sua presença já me deixa melhor. Ela riu muito. É, com certeza. Outro dia eu falei para ela: - Doutora, não sei por que, mas às vezes eu venho triste, daí eu falo com a senhora e não tomo nem remédio nem nada e já fico bem. Ela ri como que. Essa doutora é muito especial. (P4G2).

O apoio emocional também é proveniente dos grupos religiosos, especificamente do grupo de oração de uma das igrejas da comunidade. Pessoas que frequentam o grupo relatam que recebem orientação espiritual que ajuda a enfrentar momentos de crise tanto provocados pela hipertensão ou qualquer outra doença, bem como provocados pela morte de familiares, por exemplo.

As pessoas consideram a religião como suporte para o enfrentamento da doença e de conflito nos relacionamentos, dentre outros. Veem na oração uma forma de solicitar ajuda a Deus para aliviar as dores que sentem e para melhorar a saúde. Relatam que suas orações são atendidas por Deus, não importando o credo religioso. Católicos, espíritas e evangélicos veem na religião uma forma de receber a cura para as doenças, o apoio emocional, especificamente o espiritual, como forma também de ajudar a superar o medo e a insegurança provocados pela doença, pelos conflitos e pelos acontecimentos do seu cotidiano:

Deus o livre!! Casamento de 28 anos?! (foi abandonada pelo marido). Aí mas agora ele

voltou, mas pra mim tanto faz. Antigamente era uma coisa, mas agora é outra. Antigamente eu gostava dele, hoje em dia eu gosto de Deus. Mas tem coisas que vêm pra gente aprender na vida, esse aí foi. Hoje em dia eu sou outra pessoa. Agora eu gosto de mim. Hoje eu digo que eu gosto de Deus. Que é o único amigo que a gente tem: fiel e verdadeiro. Sou outra pessoa hoje. (...) Era muita briga, um inferno a minha vida porque eu era louca por ele (...) É ruim quando a gente gosta muito de uma pessoa. Eu aguentava tudo. (...) Hoje em dia só Deus na minha vida, mas quem não busca a Deus por amor, busca pela dor, não é? (P2G5).

Agora, graças a Deus, eu ainda posso dizer assim: eu tenho essa força de vontade, né? Porque eu tenho um Deus comigo. (...) Quando falta a fé, falta tudo. Mas comigo graças a Deus eu tenho muita fé. Olha, perguntaram o que eu estava tomando para pernas. Eu disse: - A raiz de Jessé. Aí perguntaram: - o que é isso? Eu disse: procura na Bíblia que tu vais encontrar. É a raiz de Jessé. Eu tenho um Deus Todo-Poderoso, que eu não sei como consegui me ajoelhar, porque às vezes eu não consigo dormir de madrugada por que eu sofro muito de insônia, demais. Daí eu levanto da cama, ontem foi um dia, me ajoelho e digo: Senhor, tá difícil. Tá muito difícil. Mas as forças que eu preciso só vindo de vós. Essas dores! Eu gostaria que o Senhor me aliviasse essas dores. Aí me ensinaram, olha, tem coisas que as pessoas duvidam. Veja só: aí veio uma irmã e disse assim: - pega a semente da abóbora, a polpa da abóbora, bota dentro do álcool. Deixa em infusão. Aí veio a minha filha e, com um pedaço de pau de árvore, que eu não sei agora qual é o nome, ela disse: - Mãe, isso aqui é para dor, raspa e coloca dentro do álcool. E tu sabes que eu estou fazendo isso e está melhorando? Olha, não estava assim a minha perna, não! Pergunta a ele (ao marido). (P3G1).

Eu tenho essa hipertensão. Sou doente. Mas não me sinto assim sabe por quê? Eu tenho um grupo

de oração e eu sou Carismática. Eu tenho um grupo de oração. Então eu faço muita leitura da Bíblia. Vou evangelizar dia de segunda-feira. (...) É aqui da Igreja do Bom Remédio. (...) Me levanta muito, o grupo de oração. Jesus, o nosso Senhor Jesus Cristo. Eu sinto a presença de Deus muito forte na minha vida, de María. E eu sinto que é isso. (...) Sai pra lá, doença!! Isso mesmo. Isso, sai pra lá e me ponho mesmo pra frente. (...) Olha, a pessoa que tem assim esse conhecimento de oração, a pessoa que tem fé em Jesus Cristo, a gente vai aceitando porque Jesus dá tudo para gente. Deus dá tudo para gente. (...) então, quando ele leva um ser da gente, ele quer ver a nossa resignação, aí que a gente vai ver se a gente tem fé mesmo. (...) Sofrer, todo mundo sofre. Esquecer é difícil. (...) Graças a Deus que eu vi a minha mãe, eu fiquei feliz e eu tenho certeza que ela morreu feliz. Fez a passagem dela aqui nesse mundo. E eu acredito muito que o conhecimento, uma religião na vida da gente, Jesus na vida da gente e esse Deus maravilhoso que está sempre nos acompanhando dia e noite, que não deixa ninguém sozinho. (...) Eu acredito sim, (na estabilidade emocional contribuindo para a regularização de sua pressão arterial durante a morte da mãe) acredito muito que é tudo isso. Acredito que Deus me ajudou muito nessa hora (P11G1)

A morte de familiares também pode gerar na pessoa com doença crônica alguns sentimentos como os de perda e sofrimento, contribuindo ainda mais para o descuido com sua saúde ou ainda em casos de adoecimento de algum membro da família (ROSSI, 2005). Em circunstâncias comuns, a pessoa com hipertensão arterial já necessita de apoio de sua rede social. Quando se trata de momentos tensos e tristes, como a perda de um familiar, são necessários compreensão, ajuda e combate aos medos e isolamento (COSTA; NOGUEIRA, 2008; CORRÊA, 2006). Neste estudo, evidenciamos que, na situação de perda de familiar, o apoio emocional proveniente de grupos religiosos, da religião em particular, foi considerado como aquele capaz de contribuir para a aceitação desta perda, fato que não evidenciou o descuido com a

saúde da pessoa com hipertensão.

Qualquer que seja a fonte de apoio emocional, a investigação sobre apoio social e de saúde muitas vezes indicou a importância de ter relações de confiança, tendo sido este fato um achado bem frequente nos estudos de Due et al. (1999). Os autores afirmam também que, mesmo o enfraquecimento da rede social com a idade, não parece afetar o nível de apoio emocional recebido pelas pessoas, sendo importante considerar essas relações de confiança quando se trata de apoio emocional.

O que evidenciamos nessas relações, entretanto, é que esse movimento de receber e oferecer este tipo de apoio não necessita de solicitação da pessoa. Demonstrações de amor, afeto, carinho, gratidão, dentre outros sentimentos, surgem de maneira espontânea. Não existem situações definidas para o oferecimento deste tipo de apoio, uma vez que eles aparecem nas relações vividas em qualquer que seja o contexto deste viver com hipertensão arterial. Excetua-se a isso, porém, o apoio espiritual, uma vez que por ser este aqui referido à religião, a solicitação pelo mesmo sempre parte da pessoa com hipertensão arterial, uma vez que é ela quem busca esse tipo de apoio.

SUBCATEGORIA 2: Identificando o apoio informacional