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Integrantes da rede de apoio social de pessoas com hipertensão arterial – familiares e pessoas próximas

A relação de gênero nessas famílias segue o padrão tradicional que é mantido pela estrutura do modelo patriarcal, caracterizado pela divisão dos papéis, onde a mulher cuida dos afazeres domésticos

enquanto os homens cuidam de prover o sustento da família. Pinto et al. (2004) consideram essa relação como o papel social ligado ao gênero e sugerem que esta representação acontece justamente quando se dá essa divisão de papéis bem definida entre homem e mulher.

Neste contexto estudado, acrescenta-se ainda à mulher / mãe, além das funções relacionadas aos cuidados prestados não somente à casa e aos filhos, também os diversos cuidados prestados aos netos, demais familiares e a outras pessoas próximas (SANTOS, 2007). Podemos apontar também neste grupo algumas famílias onde o homem- parceiro não é o responsável pela manutenção da casa, não sendo nem mesmo referido pelas mulheres. Mesmo quando isso acontece, porém, o modelo patriarcal continua prevalecendo quando os filhos e/ou netos homens são aqueles que mantêm o sustento da família, evidenciando uma característica onde ainda se mantém enraizado este padrão de organização familiar. Diferentemente deste tipo tradicional, outras configurações de família englobam avós como cuidadores primários de seus netos, características que se estabeleceram em muitas famílias nas últimas duas décadas, segundo Brown-Strandrige; Floyd (2000). Para Haglund (2000), esta configuração de família, porém, traz por vezes comprometimentos sobre a saúde dessas pessoas, principalmente da avó, que continua mantendo todos os afazeres da casa associado aos cuidados dos netos, situação encontrada nos nossos achados:

Faço tudo em casa, mas meu marido quer que a gente se separe, se separe assim dos filhos e das crianças. (...) Ele acha que as crianças me dão trabalho. Então ele queria se separar. (...) Só que muitas vezes muitas pessoas já me falaram que eu estou assim inteirona, ainda faço tudo, porque eu faço. Porque do jeito que eu tenho problema de bico de papagaio na coluna, problema nas pernas, se eu me deitar , eu não levanto mais. (...) Só que o médico passou repouso e hoje em dia aprendi assim, estou fazendo isso. Eu sou muito enjoada, chata com as minhas coisas na minha casa, mas estou fazendo assim: acabei de almoçar, eu já vou para o meu quarto, para o repouso, entende? A doutora disse que era para eu descansar de manhã e de tarde também, mas pela manhã não tem condição. A hora voa. E eu tenho que correr para um lado e para o outro. Acabo de almoçar, me levanto e largo tudo e vou descansar (...) porque daí o que eu já vou fazer de tarde? Já vou ensinar os menores. (...) Daí eu

vou, já vou ensinar o menorzinho por que eu coloquei na aula de reforço e não deu certo. (...) o pequenininho é de um filho que é separado da outra mulher e eu tomo conta dele. E os quatro que é são do mais novo, a mulher foi embora, a mãe foi embora (...) e aí eu fiquei com eles. Por isso que eu fico, porque se tivessem mãe, eu não ficava mesmo. Não ficava mesmo. Eu tava cuidando de mim. Mas no fundo, no fundo, eles é que cuidam da gente. (P11G1).

Com relação ao contexto que envolve classe social, religião e ambiente, podemos dizer que as pessoas com hipertensão arterial participantes deste estudo são de baixo nível socioeconômico, com uma exceção, representadas por quinze mulheres e seis homens que se dividem como sendo do lar (sete mulheres), aposentados (três homens e 2 mulheres), pensionistas (4 mulheres), trabalhadores autônomos (2 homens e 1 mulher) e empregados (1 homem e 1 mulher). Na maioria são idosos com mais de 60 anos (14 pessoas), sendo que vários deles contribuem com seus rendimentos de aposentadoria ou pensão para o orçamento familiar. Segundo Caldas (2003), entre as famílias mais pobres, essa contribuição tem papel importante nas estratégias de sobrevivência do grupo doméstico.

Quanto à religião, a maioria professa a religião católica, porém, no grupo, encontram-se evangélicos, espíritas, mórmons e neopentencostais. Há ainda outros que se consideram ateus e alguns dos que, mesmo professando uma religião, beneficiam-se dos ensinamentos e curas provenientes dos ritos espíritas.

Em relação ao ambiente, que também compõe a avaliação estrutural, observamos que várias famílias vivem em condições sociais e sanitárias insatisfatórias por situarem-se em áreas de ocupação. Nestes locais não há rede de esgoto, apenas abastecimento de água e energia elétrica. A coleta pública do lixo ocorre três vezes por semana, em dias alternados, nos períodos noturno ou diurno, de porta em porta, porém não contempla toda a área de ocupação, o que favorece o acúmulo de lixo em alguns locais, atraindo insetos e roedores, tornando o ambiente, por vezes, insalubre.

As famílias que residem no conjunto habitacional possuem, além do abastecimento de água e energia elétrica, a rede de esgoto do serviço público. Diferentemente das áreas de ocupação, a coleta de lixo contempla todo o local, sendo também restrita a três recolhimentos

semanais alternados, o que gera as mesmas consequências ocorridas nas áreas de ocupação. A Prefeitura, porém, disponibiliza outros serviços como capinação e limpeza de vias e logradouros, além da coleta de entulho, o que é feito por funcionários da Secretaria Municipal de Saneamento. O objetivo é coletar o entulho que é jogado clandestinamente nas vias públicas.

No que se refere às questões culturais, a comunidade promove e participa de todas as datas festivas como carnaval (Carnasat9), festas juninas, Semana da Pátria e principalmente do círio local, que é o Círio de Nossa Senhora do Bom Remédio. A procissão conta com aproximadamente três mil pessoas que se dirigem pelas ruas dos locais próximos até a Igreja Católica do mesmo nome situada na comunidade em estudo. Este Círio acontece no primeiro domingo de setembro. Nas festividades, a comunidade se organiza para participar e oferecer serviços aos visitantes no dia da procissão. Durante toda a semana seguinte, há programação litúrgica na igreja matriz, bem como a apresentação de bandas católicas e de artistas locais no arraial, com encerramento das festividades após oito dias da procissão. A participação é aberta tanto aos católicos quanto a todos os demais moradores da comunidade.

Na comunidade em estudo, a maioria das pessoas conhece umas às outras e, por isso, a interação é bem próxima, o que é uma característica comum nesses locais, até pelo fato de ter poucas opções de laser. Assim sendo, quase todos frequentam os mesmos locais como uma pequena praça, bares, lanchonetes, cybers, quadra esportiva oferecida pela escola pública e campo de futebol, não havendo outras opções de laser além dessas. O fato de frequentarem sempre os mesmos locais tem como resultado a interação uns com os outros, a ajuda mútua originada por esta interação, bem como o fato de as pessoas estarem quase sempre disponíveis, sendo isto comum na comunidade.

A maioria das pessoas da comunidade se reconhece pelo nome. Nos finais de tarde, após a chuva10, são comuns passeios pelas ruas, crianças brincando e a reunião nas esquinas e nas portas das residências

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9 Carnasat – é a programação carnavalesca promovida por um grupo de moradores que

acontece no Conjunto Residencial Satélite, no período de carnaval, que conta com o desfile de vários blocos carnavalescos na principal rua da comunidade, além de outras programações da época.

10 Por conta do clima da região, é comum a presença de chuvas no início da tarde na Cidade de

Belém, fator que, ao longo do tempo, passou a influenciar nos costumes da população, tendo se tornado uma tradição. Contam as pessoas mais antigas que todos os compromissos realizados no período da tarde tinham como referência para horário a opção de ser antes ou depois da chuva.

para conversarem. Algumas pessoas ainda mantêm o hábito de visitarem uns aos outros, tendência pouco comum em locais onde o nível socioeconômico é mais elevado e onde as crianças pouco brincam ou nunca brincam nas ruas. Nesta consideração, Pinto et al. (2004) afirmam que, nos dias de hoje, na vida urbana, há uma tendência ao lazer doméstico, e as crianças brincam menos na rua. Os autores apontam os fatores que têm colaborado para essa tendência de manter as famílias dentro de suas casas, dentre eles a falta de segurança nas ruas e o lazer proporcionado pelos aparelhos eletrônicos e pela diversidade de brinquedos que as crianças possuem. No entanto, por ser uma comunidade de classe média e média baixa, um pouco afastada do centro da cidade, alguns hábitos de cidade pequena são mantidos e permitem este reconhecimento uns dos outros e a maior proximidade e possibilidade de apoio. Acreditamos que esses hábitos influenciam num maior apoio, entre os moradores, pois se caracterizam por momentos e oportunidades de compartilharem problemas vivenciados no dia a dia, como aqueles relacionados à saúde, questões financeiras, conflitos familiares, ‘desavenças’ entre vizinhos e problemas relacionados à comunidade.

A esse respeito, DaMatta (1997), discutindo sobre o que chama de “gramática dos espaços”, considera que o espaço se confunde com a própria ordem social, ou seja, com a existência de consenso, com os direitos e deveres que temos na sociedade, o que permite um estado de equilíbrio nessa relação casa e rua. Diz mais ainda, que “sem entender a sociedade com suas redes de relações sociais e valores, não se pode interpretar como o espaço é concebido” (p. 30). Assim sendo, quando apresentamos o comportamento das pessoas nesta comunidade, estamos apontando para uma forma de viver que é determinada por valores, costumes, tradições, crenças, dentre outros aspectos. O fato de se reunirem nas esquinas e nas portas das residências para conversarem ou ainda passearem pelas ruas durante as tardes após a chuva, denota a apropriação dos espaços que lhes pertencem e que são por eles delimitados. Dessa forma, o ato de colocar as cadeiras nas calçadas e reunir os vizinhos como numa sala de estar faz da rua um prolongamento da casa. São espaços utilizados, ocupados e vividos de maneiras distintas, de modo que atitudes, papéis sociais, comportamentos e gestos são adequados a esses espaços (ibidem).

Para DaMatta (1997), o costume de visitarem e serem visitados demonstra também uma forma de abrir os espaços de suas casas para alguém, não para estranhos, como denomina o autor, mas para pessoas conhecidas e consideradas da comunidade, mantendo uma espécie de

ritual, repetido sempre que sentem vontade ou estabelecido por uma necessidade.

Diferentemente da realidade dos grandes centros urbanos, nos finais de semana, a comunidade sempre é mais movimentada, assim sendo, várias igrejas realizam programações para seus adeptos; ocorrem jogos de futebol no campo localizado ao lado do colégio público, o que anima e atrai muitas pessoas ao local; bares e lanchonetes estão sempre movimentados, fazendo com que o uso de bebida alcoólica seja comum entre todos (os jovens, os adultos e as pessoas de maior idade); a audição de músicas típicas da região, entre outras, é intensa.

Nos dias de semana, o movimento é mais tranquilo pelo fato de que várias pessoas estudam ou trabalham fora da comunidade, mesmo assim, os hábitos de passearem nas ruas e de se reunirem nas portas das residências são mantidos pelas mulheres que não trabalham fora, geralmente acompanhadas de filhos e/ou netos. Tais hábitos tornam o local bem familiar, o que torna a comunidade ainda um espaço bom para se viver. Infelizmente, a comunidade não é isenta de violência, que também já chegou ao local. Brigas de gangs, assaltos e arrombamentos de residências e comércios por vezes acontecem, o que torna também violenta a reação de alguns moradores da comunidade quando conseguem impedir os assaltos, vitimando por vezes o agressor, sendo este aspecto, por várias vezes, motivo de reportagens das mídias da cidade.

Na comunidade, a maioria dos moradores se conhece, assim, a aproximação com pessoas novas – novos moradores – dependerá do nível socioeconômico destas. Caso este nível seja próximo da maioria das pessoas da comunidade, a aproximação é imediata, do contrário, esta demora bastante para acontecer.

Existe uma variedade de pequenos comércios, sendo raros os de médio porte. Não há mercados nem feiras livres. Escolas públicas e particulares também estão presentes no local, todas restritas ao Ensino Fundamental, exceto pela escola pública, que também oferece o Ensino Médio. Existem duas academias para a prática de atividades físicas, sendo uma bem recente (inaugurada em agosto de 2010) e bem equipada, o que possibilita oferecer mais opções para realização de atividades físicas, sendo esta frequentada, inclusive, por pessoas da terceira idade, onde recebem atenção diferenciada.

Observamos, por frequentarmos o local, que algumas pessoas com hipertensão arterial têm acesso à academia inaugurada mais recentemente, existindo a preocupação voltada para as que se encontram nesta condição, uma vez que a atividade física possibilita o controle dos

valores pressóricos, surgindo os resultados a partir do momento em que acontece a condução satisfatória deste processo.

Os efeitos benéficos da atividade física, já discutidos na primeira categoria, podem ser alcançados e utilizados como uma das medidas preventivas no tratamento da hipertensão arterial. Diversos autores como Moraes et al. (2005); Krinski et al. (2006); e Silva et al. (2008) consideram-na como uma das medidas alternativas, entretanto, acreditamos que a participação do profissional da área é extremamente necessária, uma vez que Negrão e Rondon (2001) afirmam que esses efeitos benéficos em pessoas que tem hipertensão dependem do tipo, da duração e da intensidade dos exercícios físicos. Assim sendo, torna-se necessário conhecimento científico a respeito da questão abordada, de forma que as pessoas sejam devidamente orientadas quanto à prática destas atividades.

Todo este ambiente vivenciado na comunidade não é compartilhado por nenhum profissional da Unidade de Saúde, pelo fato de que nenhum deles reside no local, tornando inexistente a relação fora do espaço físico da instituição.

Silva et al. (2009a) considera importante que se conheçam as condições sociais e ambientais em que vivem as famílias, uma vez que tais condições influenciam sobre o estado de saúde das pessoas, podendo predispor a pessoa e a família à ocorrência de doenças.

Quanto às demais instituições, grupos e/ou pessoas referenciadas por aqueles com hipertensão arterial, como fazendo parte da rede de apoio social e que pertencem à comunidade, são os seguintes: Pastoral da Saúde, Igrejas (Católica e Evangélica), Grupos de Oração, Benzedeiras e Federação Espírita Paraense (Diagrama 4). As relações desses integrantes da rede com as pessoas com hipertensão arterial serão discutidas nas demais categorias.

Diagrama 4: Integrantes da rede de apoio social de pessoas com hipertensão