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‘Monitorando a pressão arterial’ é uma demanda porque, ao descobrir a doença, as pessoas reconhecem a necessidade de monitorar a variação dos valores pressóricos, o que oportuniza conhecer seu comportamento e acompanhar quaisquer alterações. Neste sentido, haverá possibilidade ou não de fazer associações com fatores externos e internos, na tentativa de identificar as causas das alterações, além de ter o controle dos valores pressóricos.

O significado da aferição da pressão arterial está associado ao reconhecimento da resposta do corpo às diferentes interações vividas e à identificação do aumento da pressão arterial.

O reconhecimento das respostas do corpo está associado ao relato de aspectos emocionais como aqueles responsáveis pela origem e/ou alteração dos valores pressóricos, bem como ao relato de sinais e sintomas que indicam essa alteração.

Essa identificação possibilita às pessoas relacionarem as alterações da pressão arterial com as diversidades de condições vivenciadas no seu cotidiano. Os fatores externos, geralmente de caráter emocional, estão vinculados ao dia a dia e contribuem para o descontrole da pressão tais como relações estressantes, conflituosas e de subjugação no trabalho; relações conflituosas na família ou com o

parceiro, por exemplo. As pessoas pontuam inúmeras sensações que, para elas, têm íntima relação com a pressão arterial: raiva, nervosismo, medo, preocupação, ansiedade, inquietação, angústia, susto e agitação são algumas dessas sensações. Na presença delas, consideradas aqui como alterações emocionais, a aferição da pressão arterial, por vezes, confirma as alterações percebidas.

É interessante notar que as pessoas que comprovam isso com suas próprias experiências são tanto as que referem ter um estilo de vida saudável e usam a medicação corretamente como aquelas que assim não procedem. Vários são os acontecimentos relatados que seriam os motivos relacionados ao descontrole da pressão arterial. Sentem-se solitárias, mudaram de cidade, vivenciaram e/ou vivenciam muitos conflitos e muita preocupação com os diversos aspectos da vida:

É emocional (refere-se ao que mexe com a pressão) (...) Olha, é tanta coisa que começou da minha infância já, porque... começar de bebê. Minha mãe morreu tinha um ano. Fui criada com a madrasta, aí minha vida não foi boa assim. (...) Eu também fui criada com muito medo quando eu era criança. Minha madrasta me maltratava muito, parece que sentia muito ciúme do meu pai. Ela não deixava ele me dá carinho, me tirava isso. Me batia e me beliscava muito. (...) O casamento não deu certo, aí vieram os filhos. Fiquei lutando. Criei meus filhos, que ficaram todos adolescentes quando me divorciei. Meu ex- marido era alcoólatra. Todas essas turbulências da vida... Aí me aposentei. Eu trabalhava no Banco do Brasil, tinha um emprego bom. Depois eu pedi minha demissão naquele Plano de Demissão Voluntária. Besteira que eu fiz. (...) Mas eu fiquei tão depressiva quando eu vim para cá (mudou de cidade por causa dos filhos). Tudo diferente. Tudo diferente, assim. Eu praticamente vivo muito só”(...) só muito problema, mas tudo isso repercute na vida da gente, repercute muito e muito. (...).(P8G1).

Eu saio às 8h da manhã para trabalhar. Pego dois ônibus. No meu serviço, a gente anda o dia todo. (...) Também é um barril de pólvora (trabalha com menor infrator). Quando estoura rebelião, atinge todo mundo. (...) Aí você já viu, fica todo mundo tenso porque atinge todos. E

ainda tem mais: agora veio uma presidente que quer diminuir o nosso salário (...) Já dei meu sangue na instituição. Agora quer tirar do meu salário?! (...) Faz ameaça que vai tirar, que vai fazer e acontecer, aí todo mundo fica com os nervos à flor da pele. É isso que está acontecendo aí no meu serviço. (...) Moro sozinha. Meu marido foi embora de casa quando ele tinha 56 anos. Eu tinha 46. Eu fui ver a minha neta nascer, quando eu voltei ele tinha arrumado uma menina de 20 e poucos anos. Saiu de casa e foi diretamente para a casa dela e me deixou sozinha. Me deixou com muitas dívidas. Já passei o pão que ninguém queria comer. Você tá entendendo? Já tive muitas dívidas na costa e ganhava uma miséria porque nessa época não tinha gratificação, não tinha nada. Só salário mesmo. Eu tinha muitas dívidas de água, luz, telefone e não tinha nada para comer dentro de casa. Eu só vivia com depressão. Fui assaltada duas vezes. Numa das vezes, caí e quebrei o braço. (...) Na segunda vez, me chutaram muito. Eu fiquei com rosto deformado. Passei mais de dois meses internada no hospital. Tive traumatismo craniano. Fui operada da cabeça. Por tudo isso eu já passei... (...) Mexe, mexe com o emocional. (...) Desse jeito não têm pressão que resista a uma situação dessas. (P5G1).

Não há mais como negar que as reações emocionais e psíquicas são uma realidade do cotidiano que influenciam as condições clínicas de pessoas com hipertensão arterial. Péres et al. (2003), ao estudarem sobre pensamentos e percepções de pessoas com hipertensão arterial quanto à etiologia da doença, obtiveram como resultados que, na percepção das pessoas, a etiologia está ligada principalmente aos aspectos emocionais, seguido de hábitos alimentares, superando as demais respostas como causas tais como herança genética e obesidade, dentre outros, fatores esses comprovadamente relacionados com o surgimento da doença. Resta-nos aceitar que os aspectos emocionais estão mais ligados à compreensão das pessoas, mesmo que ainda discordantes entre os pesquisadores, tais como Beevers; MacGregor (2000), que ainda questionam quanto à relação do estresse com a origem da doença, pelo

fato de considerarem a presença sempre de outros elementos como a pobreza, o baixo nível de escolaridade, dieta inadequada e obesidade.

No mesmo estudo (PERÉS et al., 2003), as pessoas com hipertensão foram questionadas quanto aos aspectos que dificultam o controle da pressão. Grande parte também se referiu aos aspectos emocionais como fatores responsáveis pelo controle da pressão. Nervosismo e irritação, preocupação e ansiedade foram relatados e relacionados com problemas em casa, contrariedade/aborrecimento e situação financeira, o que também expressa os achados de nosso estudo.

Para as pessoas que reconhecem as respostas do corpo através das percepções de sinais e sintomas diversos, indicando que a pressão arterial está elevada, a aferição se torna uma ação secundária, pois apenas querem confirmar o que já sabem, mesmo assim acreditam que é importante medir a pressão quando sentem alterações. As alterações corporais percebidas e que mais foram relatadas são as seguintes: dor de cabeça, dor na nuca, dor no braço esquerdo, náuseas, vômitos, mal estar geral, sudorese, lipotímia ou a sensação desta:

Sim, quando está alta eu sinto. (...) Eu sinto uma dor aqui na nuca. É uma dor que incômoda, e assim, dor no braço esquerdo, parece que ele tá pesado. Daí eu já tô sabendo. (...) É, eu já sei que a pressão tá alta. (P3G1).

Sei, sei (quando a pressão está alta) porque dói muito a minha cabeça. Dói demais a minha cabeça e eu suo, suo, suo demais. (P2G1).

Eu sinto sim aquele frio, aquele suor, é isso eu sentia mais. (P10G1).

Eu sentia muita dor na nuca. Quando sinto dor na nunca, pode vê. Mas agora não está alta, tá 14. Se ela ficasse nesses 14, não tinha problema... mas não pode aumentar. (P12G1).

Conhecer como o corpo se comporta mediante as alterações da pressão arterial é considerado para essas pessoas como um fator importante, tanto para aquelas que fazem um controle contínuo da doença e confirmam as alterações através da aferição da pressão, quanto para aquelas cujas atitudes são apenas pontuais para a redução da pressão arterial.

A identificação do aumento da pressão para pessoas que não apresentam nenhuma alteração corporal é uma conduta muito importante, logo a aferição da pressão, para essas pessoas, é essencial/vital no tratamento, uma vez que a ausência de alterações corporais é motivo de preocupação para elas, o que estimula de certa forma a manter sempre a aferição da pressão arterial. Consideram a doença ‘silenciosa’, ‘inimiga oculta’. Sabem que a pressão arterial pode se elevar sem que percebam, logo, aferir a pressão com frequência pode contribuir para manter ou pelo menos tentar manter o controle da doença:

Não, eu não sinto quando a pressão está alta. Uma coisa que sempre dizem é que ela vai matando devagarzinho e que ninguém sabe de nada. Olha, a minha tava 15/14. Tava alta. Mas tem que controlar para poder operar porque eu vou operar de hérnia. Só sei que a pressão tá alta quando marca no aparelho. Desde que eu fiz a dieta melhorou, passou. Eu não sinto dor de cabeça, eu não sinto dor na nuca. Já tem uns cinco anos que eu não sinto nada, não tenho mais dor de cabeça. (P3G4).

A frequência da aferição da pressão arterial é diversificada. Cada pessoa tem sua própria rotina e aciona a rede de apoio como convém. Uns aferem a pressão regularmente, outros esporadicamente; quando sentem alguma alteração, como dor na nuca e mal-estar geral ou somente nos dias das consultas médicas agendadas. O fazem na residência, em farmácias que ofereçam este tipo de serviço, procuram a ajuda de vizinhos ou parentes próximos, ou ainda os serviços da unidade de saúde.

É evidente que, enquanto alguns mantêm certa regularidade na aferição da pressão arterial, outros só o fazem quando percebem alguma alteração que lhes indicam que a pressão pode estar elevada. A implicação para esses consiste no fato de que, como a pressão arterial por ser ‘silenciosa’, a não regularidade da aferição é um fator complicador para a identificação precoce das alterações.

A frequência da aferição da pressão arterial está relacionada à possibilidade de exercer certo controle da doença quando se permitem identificar essa alteração e tomar medidas que visem ao seu controle. Essas pessoas têm nas mãos as chances de agir controlando as alterações da pressão arterial e, em seguida, evidenciar os resultados de sua própria

ação, mostrando, dessa forma, a participação ativa no seu próprio tratamento. Alguns tomam medidas simples como o uso de remédios naturais e, em seguida, consideram que descansar e relaxar são medidas complementares importantes. Outros, pela fé, pedem a ajuda de Deus. Dessa forma, alegam ser possível contribuir para a estabilização da pressão. Outros tomam o remédio prescrito pelo médico, associado ou não ao remédio natural:

O que eu faço? Simplesmente eu me acomodo, digo assim para meu marido: vou me deitar e esfriar a minha cabeça; estou com dor de cabeça. Mas é uma maneira de relaxar. Aí me deito, sossego, fico calma aí naquele momento eu oro, falo com Deus. Eu converso com ele e digo: Senhor, me prepare, se não é meu momento... aí eu choro, choro, converso com ele, quando acabo eu estou bem. Eu já estou alegre, satisfeita, brincando, conversando (...). (P3G1).

Ah, quando tá alterada eu faço um chá de erva- cidreira, faço da casca do chuchu, da raiz da chicória, todos esses chás eu tomo. Mesmo tomando remédio da farmácia, quando a pressão tá meio descontrolada, eu tomo esses chás e a pressão normaliza. Tem chá da folha da ameixa amarela que também é bom para pressão. (P6G1).

Minha hipertensão é leve ela não é tão alta no máximo. Só a primeira vez que chegou a 18, mas quando ela me ataca... é 16, 16/9. Mas eu já aprendi a controlar, não vou mais nem para o hospital. Coloco o captopril debaixo da língua pra aliviar, colocou um de 50mg logo quando ela está aumentada. (...) É, tomo um chazinho de cidreira, (...) É, um capim cidreira, de camomila, eu gosto de tomar (...) É calmante, não é? (P8G1).

Outro olhar para esse contexto parece indicar que a ação de controlar a pressão pode não estar ligada somente à manutenção da normalidade dos valores, como se tem a impressão inicial. Parece também estar relacionada ao fato de sentir-se bem, mesmo com a

pressão elevada, como ficou evidenciado em algumas pessoas que, por vezes, apresentam valores elevados de pressão arterial, têm conhecimento disso e tomam ou não atitudes para a correção dessas medidas, por não apresentarem as manifestações da doença.

O apoio promovido pela rede para a aferição da pressão arterial

O apoio promovido pela rede é evidenciado nas ações dos familiares, quando os filhos adquirem o esfigmomanômetro para que a pessoa com hipertensão arterial tenha oportunidade de aferir a pressão regularmente; quando nora e neto aprenderam a verificar a pressão e assim o fazem sempre que necessário; quando familiares levam a pessoa na Unidade de Saúde para aferir a pressão arterial. Além dos familiares, vizinhos também ajudam, aferindo a pressão mediante a apresentação de alguma evidência de que ela possa estar elevada.

O serviço de saúde também é participativo quando a questão é a aferição da pressão arterial. Os que vão até a Unidade de Saúde em busca desse atendimento é porque estão apresentando sinais e sintomas que podem ter relação com o aumento da pressão arterial ou porque precisam fazer várias medidas da pressão no intervalo entre as consultas médicas. Ambos são atendidos, sendo que aqueles que apresentam alterações clínicas são encaminhados para outros serviços de saúde que possuem atendimento de urgência/emergência quando necessário.

Outras situações vivenciadas por essas pessoas mostram também alguns aspectos nos quais fica evidenciado que, por vezes, esse apoio é inexistente, como o relato das pessoas que, ao procurarem a unidade de saúde, nem sempre têm a pressão aferida, ou quando isso acontece, são informados de que não podem ser atendidos pelos médicos ou ainda de que não têm o remédio na farmácia. Elas voltam para suas residências e utilizam remédios naturais na tentativa de estabilizar a pressão arterial.

A ação de aferir a pressão arterial é muito importante pela possibilidade de controlar as alterações quando detectadas. Para alguns, esta é uma iniciativa própria originada pela necessidade de identificar o comportamento da pressão e, para tanto, precisa ser contínua, para outros a ação de controlar a pressão não está ligada à normalidade dos valores, como temos a impressão inicial, mas, sim, parece estar relacionada mais com o fato de se sentir bem, mesmo com a pressão elevada, o que, para os profissionais, inicialmente, não parece ser considerado, entretanto, é necessário compreender também essa forma de as pessoas lidarem com a hipertensão arterial.

dessa iniciativa que está mais ligada aos familiares e à própria pessoa. Posteriormente, há necessidade de apoio para atendimento e controle da pressão alterada, se este for o achado.

É importante que as pessoas entendam a necessidade de aferir a pressão arterial mesmo apresentando valores normais, pois o objetivo dessa medida é identificar qualquer alteração da pressão. Devem entender também que os valores normais não significam a não presença da doença, como muitos acreditam. Isto não é motivo para interromper a frequência da aferição e muito menos o tratamento, e sim, compreender que a terapêutica está dando certo. Isso implica também mostrar independência para o controle da doença, bem como em alguns casos, responsabilizar-se em manter este controle.