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25. FOTO 25 – Material de Proteção

2.2. A terra perdida de vista

Conforme já referido anteriormente a vastidão de terras que constituía a Região fez com que o acesso a terra na Amazônia, mais particularmente no Estado do Pará, tenha seguido caminhos muito peculiares. Apenas algumas microrregiões como a Ilha do Marajó, a zona do Salgado, a zona bragantina, e o município de Marabá tiveram a terra usada como propriedade privada. Nestas se destacava respectivamente, as fazendas de gado, a agricultura e os castanhais:

“Havia certa flexibilidade no exercício da propriedade que comportava ocupações alheias sem preço, moradia gratuita, uso sem fiscalização, etc...; comportava também o desconhecimento, pelo proprietário, do exato tamanho do imóvel.” (SANTOS, 1981 apud FERNANDES, 1999)

Na situação que permeava a extração da borracha, embora houvesse o controle por parte do seringalista sobre a terra, este estava atrelado à capacidade de produção da borracha e às benfeitorias nela instaladas. Após a época áurea da extração da borracha muitas destas terras tornaram-se devolutas, algumas tendo passado a fazer parte das terras envolvidas na agricultura familiar, vinculada aos antigos seringueiros ou

aos imigrantes oriundos de outras regiões. Caracterizava-se uma situação de posse de fato, mas não de direito, visto que, não eram realizados procedimentos jurídicos de legalização das terras.

Diferente da situação que permeou a “oligarquia dos castanhais”, onde o poder sobre a terra garantiu a hegemonia de determinadas “famílias tradicionais” por várias gerações em detrimento dos trabalhadores rurais da própria região ou imigrantes que passaram a compor uma legião de despossuídos, destituídos da terra para dela retirar a reprodução da vida. Mais recentemente, a estas famílias vem se juntando em termos de posse de grandes propriedades, empresas oriundas do centro sul do Brasil. Neste contexto o que marcava a posse da terra era o poder exercido politicamente, sendo assinalado por Emmi (1999, p. 151) que “o importante não são as famílias que se

revezam no poder, mas a estrutura de classe que por meio dela se manifesta”, embora

esta manifestação não se coloque isenta de reações múltiplas oriundas dos movimentos sociais e das relações marcadamente tensas que compõem a cena social da região em foco.

A parte do Vale do Araguaia pertencente ao Estado do Pará, ao findar a maciça extração da borracha que ocupou boa parte da força de trabalho, passou a contar com um contingente populacional significativo envolvido nas atividades agrícolas, na caça e na pesca constituindo, “as bases de uma economia camponesa que vai perdurar

até o final da década de 50”, (Fernandes, 1999:30). Ainda segundo a autora

imediatamente mencionada, são trabalhadores diretos, autônomos, tendo esta condição a partir das grandes áreas de terras livres. Acreditaram que o trabalho na terra dava-lhes a condição de “donos se seus roçados”. Ledo engano:

“O predomínio da economia camponesa na região do Araguaia não representava um esforço, nem uma opção dos grupos dirigentes regionais. Resultava, antes de tudo, da impossibilidade política e econômica de um direcionamento de novos processos econômicos à região. Ainda envoltos na lembrança da riqueza fácil, a partir dos produtos das matas, os grupos dirigentes regionais não lograram encontrar alternativas para pôr fim à estagnação econômica que assolava a economia local.” (FERNANDES, 1999, p. 32)

Ao final dos anos 50, esta situação começou a se alterar de forma cruel e definitiva a partir de novos atores que surgiram na cena social: grupos oriundos do sul e

do sudeste, mais especificamente, no início, vindos de São Paulo. Já havia surgido anteriormente, no governo Vargas, a criação da Fundação Brasil Central, com o objetivo de integrar o Sul ao Norte a partir da região central do Brasil, tendo o Estado como elemento planejador e empreendedor, visando o “desenvolvimento econômico” da Região Amazônica.

Para tal empreendimento foram disponibilizadas à Fundação na região amazônica terras pertencentes aos Estados do Amazonas e do Pará. De acordo com Fernandes (1999, p. 36), no Vale do Araguaia foram disponibilizadas a colonos oriundos principalmente do Sudeste, uma área de 151.000 ha, divididos em lotes de 3.000 ha. Porém estas terras nunca foram ocupadas com a finalidade proposta, tendo sido a doação à F.B.C. cancelada Em 1961, ficando as terras juridicamente vinculadas ao Estado do Pará, a revelia dos camponeses que de lá faziam seu espaço de trabalho e sobrevivência.

A transformação da ocupação agrária na Amazônia se consolidou em um processo de privatização de forma definitiva a partir da construção da Belém-Brasília, embora respondesse fundamentalmente a uma necessidade de criação de novos mercados e escoamento para os produtos produzidos industrialmente no sudeste e sul do Brasil, a construção da estrada citada muda às relações entre as regiões, e as terras “livres” da Região se incorporam aos mercados. Como enfatiza Fernandes (1999, p. 38)

“a construção da Belém-Brasília como estratégia de política econômica, representa um marco na história econômica e social da Amazônia uma vez que possibilita o ingresso de suas terras nos mercados”.

O acesso a terra se deu inúmeras vezes de forma fraudulenta inclusive contrariando o estatuto jurídico das leis de terras do Estado do Pará, bem como, o estatuto social de uso da terra pelas sociedades indígenas e camponesas, sendo a extensão da área determinada pela capacidade de investimento dos ditos “desbravadores”, muitas vezes delimitando eles próprios as “suas” terras. A partir do golpe militar de 64, com o governo militar, se instituem também os incentivos fiscais na Região, funcionando estes como animadores do processo de privatização. Um processo definitivo de privatização se instala:

“Com o apoio de outros organismos estatais, como o GETAT e o próprio ITERPA, a estrutura fundiária que se inicia nos arredores dos campos de Conceição do Araguaia expande-se até os limites das terras dos castanhais da região Tocantina. Cobrem-se assim, as terras camponesas e indígenas com grandes propriedades.” (FERNANDES, 1999, p. 57)

O governo federal na década de 60, objetivou obras de infra-estrutura concomitante com um programa de incentivos fiscais em uma tentativa de atrair o capital nacional e internacional para a região, tendo entre 1966 e 1985, segundo Martine (1991), 950 projetos para a região foram aprovados dos quais dois terços eram de vocação agropecuária. O desempenho não correspondeu à euforia quantitativa gerando pouquíssimos empregos e aumentando a rede de devastação da cobertura vegetal amazônica, resultando em apropriação leviana de recursos públicos através dos subsídios e o controle de vastas extensões de terra, por grandes grupos empresarias. O favorecido foi o grande capital em detrimento mais uma vez dos interesses dos pequenos produtores da região, embora estes estivessem inclusos no discurso ufanista das instâncias de gestão federal.

Das terras envolvidas nos aldeamentos dos missionários e pela “Carta de Data”, passando pelos seringais, pelos castanhais, pela F.B.C, pela privatização e pelos incentivos, e mais recentemente pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, a história de acesso a terra na Região se faz híbrida e pontuada por situações onde as características geográficas e os elementos que marcaram sua formação econômica e social se entrelaçam em uma teia de relações marcadamente desiguais.

Desde a metade do século passado, a partir das correntes migratórias oriundas das regiões Nordeste, Sul e Sudeste oportunizando a troca de conhecimentos entre os camponeses da região, e mais intensamente nos últimos 20 anos, se estabeleceu em alguns pontos da zona rural o uso da tecnologia tanto no que tange as máquinas como aos recursos produzidos pela biotecnologia, alterando o processo de trabalho agrícola em parte da região.

2.3. SOBRE A AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: “DIZERES” SOBRE UM